11 de out. de 2009

A CARTA



Não posso fazer mais nada agora. Já não posso encontrar-te, para dizer que tudo não passou de mal entendido. Tua carta chegou ao meu coração tarde demais. Não sei se não teria sido melhor não encontrá-la, fechada, entre livros e papéis velhos. Se fosse assim, eu ficaria apenas com essa incômoda lembrança da raiva, que não chegara a ódio. Senti-me, ao ler tuas palavras, mais do que o canalha que teria sido, se tivesses razão; encontrei-me apenas um idiota. Se eu houvesse lido tuas palavras enquanto havia tempo, outros teriam sido os nossos dias. Injuriado pela suspeita e pelo ciúme, aceitei a aventura amazônica, meti-me no garimpo com Eliezer, perdi ali o dinheiro, a saúde e a mocidade. Não soube nada de tua vida, naqueles anos desviados. É incrível que eu não tenha lido tua carta. A memória não me ajuda. Não sei se a guardei sem ler, pela raiva que me consumia, ou se minha mãe a colocou entre as minhas coisas, sem avisar-me. Agora, em busca de documentos para o inventário de um irmão, achei a tua carta, em envelope rosa, com o delicado papel de seda, da mesma cor. É estranho que ela estivesse dentro da caderneta de reservista de meu pai. Se eu não tivesse a curiosidade de ver a foto, porque o rosto dele se desfizera em minha memória, não teria encontrado sua carta, ainda fechada. Agora que a reli, sei que outros teriam sido os nossos dias, mas não creio que teriam sido melhores.
Quem sabe, não teria sido comigo – e não com o marido que o destino te deu – o epílogo de tua vida, tal como fiquei sabendo tanto tempo depois: os dois corpos hirtos, encontrados no leito conjugal, o mesmo copo com resíduos do veneno raro.
Enrolei a carta e o envelope e, com o isqueiro, ateei fogo. A chama tinha a mesma cor do papel, e em um instante, se desfez na tarde morna.



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