5 de out. de 2009

A VONTADE DAS ARMAS




Há armas que têm sua própria vontade.

Em algumas é o espírito do armeiro que as habita e domina.

Nenhuma garrucha feita por Cesário Lopes, que morreu na véspera da República, era capaz de matar mulher, era o que se dizia. A arma desviava a mão do atirador e o coice - há pelo menos um caso registrado - aleijava a munheca.

Em outras, é a alma do primeiro dono que manda.

Durante décadas, o Colt 38, de coronha de madrepérola, do major Eurípedes, da Força Pública, foi arma cachorra. Só servia para matar gente fraca. De tiro certeiro em geral, aquele revólver do major (ele mesmo fracote, de pescoço comprido e boca murcha) fugia à fama. Quando o opositor era homem bravo, o revólver tremia e escarrava; só era valente com os pobres coitados.

Foi assim que Ramiro, pistoleiro de preceito, com um revolvinho 22 – arma de matar morcego – mandou o major para o inferno, na vista de todo mundo, em dia de feira em Almenara.

Dizem que ele fez de propósito, usando uma arma tão roscofe, para humilhar o morto, deixando no coldre o parabellum de que habitualmente se servia. O Colt do major foi caindo de valor, até que um tal Vicentinho teve a idéia de o benzer, trocar a coronha vistosa por outra, talhada em pau de goiabeira vermelha, desniquelar e galvanizar o aço da arma. Assim o Colt desencantou, e depois de revendido e trocado, anos depois, estourou a cabeça de um valentão papudo, em arruaça de bordel, lá pelos lados do Goiás.

Algumas armas são amansadas, como esse punhal sergipano que eu tenho, e que arranquei da mão de uma vagabunda que usara o ferro para matar o marido, em Itabaiana.

Quebrei a ponta aguda, e, com a lima, arredondei o lugar, fiz a faquinha de jeito.

Com ela descasco hoje laranjas e foi descascando uma lima da pérsia que me lembrei destas histórias.

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