A retomada do julgamento, pelo STF, do pedido de extradição de Césare Battisti, deve ser analisada sem emoção, o que não é fácil. Há, no caso, o interesse do estado italiano, e, a ele se contrapondo, o interesse de nosso país. Se não os houvesse, os juízes atuariam conforme os seus sentimentos naturais de simpatia ou aversão diante do réu, conforme as provas apresentadas e a legislação pertinente. Assim costuma ser, desde o julgamento mitológico de Orestes, matricida que as Fúrias queriam punir e que a proteção de Apolo e da deusa Atena absolveu, ao influir na decisão dos seres humanos que constituem o tribunal, conforme a trilogia de Ésquilo.
Também aquele julgamento poderia ser interpretado como “político”, uma vez que Orestes não estava sendo julgado apenas por ter matado a mãe e seu amante. Ele havia exercido vingança política contra os assassinos de um rei e usurpadores do trono. Em Les Mouches, versão de Sartre do mito, essa razão política foi clara, e se associou à situação da França sob ocupação alemã em 1943, quando a peça foi encenada. Orestes encarnava, na metáfora sartreana, a Resistência Francesa. Ao que parece, e felizmente para Sartre, os alemães não entenderam a alegoria.
Deixando de lado a dúvida se o STF devia ou não decidir sobre esse ato do Executivo, uma vez que, ao ser provocado, o alto tribunal, em qualquer situação, é quem diz se é ou não competente, cabe, sim, discutir o problema da intromissão do governo italiano. Se o governo atual da Itália fazia da extradição uma questão de honra nacional, cabia-lhe agir pelos canais diplomáticos, e com discrição. Podemos admitir a sua pretensão de punir, de acordo com suas leis, alguém que considera um subversivo que teria agido como assassino comum. O que não podemos tolerar, é a arrogância dos italianos, que se dirigiram aos brasileiros como se fôssemos uma república bananeira ou feitoria do litoral africano.
As ofensas foram intoleráveis. Como se recorda, elas não se limitaram a criticar a decisão do asilo concedido a Battisti: chegaram a insultar o nosso povo. O deputado da Liga Norte, Ettore Pirovano, disse que não éramos um país conhecido por seus juristas, mas, sim, pelas suas dançarinas. O governo Lula tem sido paciente com os italianos. Podemos arriscar que Juscelino, em seu lugar, não só teria suspendido as relações diplomáticas, até receber as necessárias desculpas de Roma. E se estivesse no Planalto alguém da têmpera de Floriano Peixoto, as relações seriam rompidas no ato.
O que está em discussão é mais do que o destino de um homem, seja ele culpado em sua terra ou inocente dos crimes que lhe atribuem. Isso não é o mais importante, quando se trata da soberania do Estado brasileiro e da dignidade de nosso povo. A protérvia dos italianos não pode ficar sem resposta. O governo “exemplar” de Berlusconi cometeu erro crasso, ao reagir, como reagiu, à decisão de nosso Ministro da Justiça. Ao fazê-lo, provocou a natural reação de muitos setores da vida brasileira, que seriam indiferentes à sorte de Battisti. E levou esse erro ainda mais longe, ao dirigir-se ao Supremo Tribunal Federal para, nele, contestar uma decisão do poder executivo nacional. Se ele recorresse ao Tribunal de Haia, acataríamos, com todo o respeito, o seu direito em fazê-lo. Tanto é assim que o anúncio do governo de fato de Honduras, de que recorreria à Corte de Haia contra o Brasil, não causou qualquer espanto.
Bater às portas da nossa Suprema Corte como fizeram os italianos, é aleivosia sem precedentes em nossas relações externas. E essa atitude não se modificou. Ao enviar ao Brasil seu representante, Ítalo Ormanni, chefe do Departamento de Justiça do Ministério da Justiça Italiana, a fim de assistir ao julgamento, Roma reafirmou a intenção de constranger os ministros do Supremo com a sua presença.
Conforme a interpretação de eminentes juristas, a decisão do STF, nesse caso, não é a final. O Presidente da República pode agir conforme lhe facultam a Constituição e as leis, e negar a extradição, sem que isso seja ato de hostilidade contra o Supremo.
É estranho que muitos se sintam preocupados com a Itália. Sob Berlusconi, os governantes de um país que conheceu alguns momentos de esplendor na Historia, não se encontram em condições de dar lições a quem quer que seja.
Também aquele julgamento poderia ser interpretado como “político”, uma vez que Orestes não estava sendo julgado apenas por ter matado a mãe e seu amante. Ele havia exercido vingança política contra os assassinos de um rei e usurpadores do trono. Em Les Mouches, versão de Sartre do mito, essa razão política foi clara, e se associou à situação da França sob ocupação alemã em 1943, quando a peça foi encenada. Orestes encarnava, na metáfora sartreana, a Resistência Francesa. Ao que parece, e felizmente para Sartre, os alemães não entenderam a alegoria.
Deixando de lado a dúvida se o STF devia ou não decidir sobre esse ato do Executivo, uma vez que, ao ser provocado, o alto tribunal, em qualquer situação, é quem diz se é ou não competente, cabe, sim, discutir o problema da intromissão do governo italiano. Se o governo atual da Itália fazia da extradição uma questão de honra nacional, cabia-lhe agir pelos canais diplomáticos, e com discrição. Podemos admitir a sua pretensão de punir, de acordo com suas leis, alguém que considera um subversivo que teria agido como assassino comum. O que não podemos tolerar, é a arrogância dos italianos, que se dirigiram aos brasileiros como se fôssemos uma república bananeira ou feitoria do litoral africano.
As ofensas foram intoleráveis. Como se recorda, elas não se limitaram a criticar a decisão do asilo concedido a Battisti: chegaram a insultar o nosso povo. O deputado da Liga Norte, Ettore Pirovano, disse que não éramos um país conhecido por seus juristas, mas, sim, pelas suas dançarinas. O governo Lula tem sido paciente com os italianos. Podemos arriscar que Juscelino, em seu lugar, não só teria suspendido as relações diplomáticas, até receber as necessárias desculpas de Roma. E se estivesse no Planalto alguém da têmpera de Floriano Peixoto, as relações seriam rompidas no ato.
O que está em discussão é mais do que o destino de um homem, seja ele culpado em sua terra ou inocente dos crimes que lhe atribuem. Isso não é o mais importante, quando se trata da soberania do Estado brasileiro e da dignidade de nosso povo. A protérvia dos italianos não pode ficar sem resposta. O governo “exemplar” de Berlusconi cometeu erro crasso, ao reagir, como reagiu, à decisão de nosso Ministro da Justiça. Ao fazê-lo, provocou a natural reação de muitos setores da vida brasileira, que seriam indiferentes à sorte de Battisti. E levou esse erro ainda mais longe, ao dirigir-se ao Supremo Tribunal Federal para, nele, contestar uma decisão do poder executivo nacional. Se ele recorresse ao Tribunal de Haia, acataríamos, com todo o respeito, o seu direito em fazê-lo. Tanto é assim que o anúncio do governo de fato de Honduras, de que recorreria à Corte de Haia contra o Brasil, não causou qualquer espanto.
Bater às portas da nossa Suprema Corte como fizeram os italianos, é aleivosia sem precedentes em nossas relações externas. E essa atitude não se modificou. Ao enviar ao Brasil seu representante, Ítalo Ormanni, chefe do Departamento de Justiça do Ministério da Justiça Italiana, a fim de assistir ao julgamento, Roma reafirmou a intenção de constranger os ministros do Supremo com a sua presença.
Conforme a interpretação de eminentes juristas, a decisão do STF, nesse caso, não é a final. O Presidente da República pode agir conforme lhe facultam a Constituição e as leis, e negar a extradição, sem que isso seja ato de hostilidade contra o Supremo.
É estranho que muitos se sintam preocupados com a Itália. Sob Berlusconi, os governantes de um país que conheceu alguns momentos de esplendor na Historia, não se encontram em condições de dar lições a quem quer que seja.
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