19 de fev. de 2010

UM HOMEM LIVRE




Nos anos seguintes ao fim da Guerra de 1939-45, foi intensa a vinda de judeus para o Brasil. Muitos eram sobreviventes dos campos de concentração, que haviam perdido tudo durante a ocupação alemã nos países em que viviam antes, e dos quais foram arrastados para o Leste – uns para morrer e outros para o terrível sofrimento dos trabalhos forçados e da humilhação. As mulheres pareciam mais tocadas pela perseguição e algumas sofriam de permanente depressão.

Alguns tinham, no Brasil, parentes, mesmo distantes, que os acolheram. Outros recuperaram dinheiros antigos, nos bancos suíços, e podiam reiniciar a vida, com pequenos negócios. Mas havia os pobres, os judeus sem dinheiro, como os personagens de Michael Gold. Esses compravam e vendiam roupas usadas, eram mascates urbanos, viviam em rigorosa austeridade e podiam, assim, emprestar pequenas quantias para os mais pobres ainda, com juros suportáveis. Um deles, de quem me fiz amigo, me disse que a pior discriminação que sofria era de seu próprio povo. Ele – um sefaradim autêntico, com sua pele morena, seus fortes traços semíticos, magro, de pequena estatura, poderia ser modelo para algum pintor que desejasse retratar um judeu palestino dos tempos bíblicos.

Foi o primeiro judeu de quem ouvi uma clara condenação do sionismo. Ele me disse que o retorno a Israel era coisa dos judeus ricos, da Europa, que queriam distância dos judeus pobres e os queriam confinar nas aldeias palestinas. E me disse que sua gente tinha o direito de manter seus costumes e sua religião, como qualquer outro povo. Em troca, devia obedecer as leis e as normas dos países em que vivesse.

Era muito mais velho do que eu. Um dia desapareceu. Soube que fora para o Mato Grosso. Ele mesmo não era religioso. Não freqüentava a sinagoga, e como vivia sozinho no mundo, não estava sujeito ao problema de consciência na educação dos filhos. Com seu agnosticismo radical, me disse que, se os árabes e judeus da Palestina fossem apenas humanistas e não deístas, o mundo não só seria melhor no futuro, como teria sido melhor antes.

Isaac tinha suas leituras – e era um homem livre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário