29 de jan. de 2011

A INDIGNAÇÃO NECESSÁRIA



Os governos de Marrocos e Arábia Saudita existem porque são necessários ao sistema financeiro mundial. Quando um homem de 93 anos, nascido na Alemanha, educado em Paris, membro da Resistência Francesa, e ex-embaixador da França, faz um apelo panfletário à juventude européia, para que exerça a indignação, devemos levar a sério o chamado. Com seu livro, Indignez-vous , de apenas 32 páginas, e que custa menos de dez reais, Stéphane Hessel já foi lido por quase 1 milhão de leitores em poucas semanas.

O autor conviveu com o melhor da inteligência europeia em sua adolescência. Partiu para a Inglaterra, a fim de unir-se a De Gaulle, logo depois da capitulação de Pétain; retornou à França, para unir-se à Resistência sob o comando de Jean Moulin; delatado por um companheiro, foi preso, torturado e enviado a um campo de concentração. Depois da libertação de Paris, entrou para o serviço diplomático e foi – – juntamente com o brasileiro Austregésilo de Athayde – um dos redatores da Declaração Universal dos Direitos Humanos, grupo do qual é o último sobrevivente.

Hessel pouco fala sobre a sua própria experiência. Lembra que, em sua mocidade, os inimigos eram facilmente identificados, fossem eles nazistas, fascistas, outros líderes da extrema-direita, ou stalinistas.

Hoje, o inimigo está em toda a parte, no comando dos grandes negócios e na burocracia dos estados. Ele analisa, em termos claros, a sociedade contemporânea como desprovida de compromissos com o humanismo, dominada pelo hedonismo e pelo capitalismo predador, infeccionada pelo chauvinismo que se expressa no ódio étnico, e movida por enganosa competição.

O interesse pelo panfleto de Hessel cresce, no momento em que o Norte da África é abalado pelas manifestações populares contra os governos ditatoriais e com presunção de vitaliciedade. Ben-Ali, da Tunísia, foi expulso pela rebelião de alguns dias e está sendo caçado como ladrão dos bens públicos. Mubarak enfrenta o mesmo risco, e, bem assim, o regime de Argel. Mais cedo ou mais tarde, isso ocorrerá no Marrocos e na Arábia Saudita.

Esses governos só existem porque são necessários ao sistema financeiro internacional, que controla os grandes conglomerados industriais e o fluxo de matérias-primas, como o petróleo; “senhoreia” as moedas, manobra os grandes meios de informação, faz e desfaz os governos que se intitulam democráticos. O confronto entre o poder nominal dos estados e o poder de fato dessa hidra de múltiplas cabeças, que se dissimula sob a identidade difusa e escorregadia de mercado de capitais, já está assustando alguns homens de estado – e esse é o caso de Obama, que denunciou o controle do Congresso pelas companhias petrolíferas que recebem subsídios bilionários, e de Sarkozy, que acaba de propor a taxação sobre o fluxo internacional de capitais. Essa mesma taxa fora sugerida pelo economista norte-americano James Tobin e defendida pelos jornalistas Ignácio Ramonet e Bernard Cassen, diretores de Le Monde Diplomatique . Eles criaram a organização Association pour la Taxe Tobin pour l’Aide aux Citoyens (ATTAC) em 1998, sem que os governos se movessem a fim de levar a ideia adiante.

O fato é que Hessel assume a responsabilidade de convocar a juventude, tal como a convocaram os pensadores Marcuse, Adorno e Horkheimer, provocando, em 1968, a rebelião da mocidade do mundo inteiro. É difícil que os jovens franceses da classe média de nossos dias se deixem entusiasmar como os seus pais e avós daquele tempo. Sua preocupação é apenas com o bem-estar individual, o que Hessel condena em seu texto. É mais fácil acreditar que as rebeliões da periferia do mundo, depois de livrar-se dos delegados desse sistema financeiro em seus países, levem os povos a mover-se politicamente contra os que especulam na City, na Place de la Bourse, em Wall Street – e nas bolsas de Hong Kong e de Xangai, entre outras.

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