A sociedade necessita de corpos armados, educados para a defesa da dignidade dos homens, e rigorosamente administrados, a fim de garantir a vida e a propriedade legítima das pessoas. A eles cabe exercer o monopólio da violência conferido ao Estado pela inteligência política. Só os agentes devem empregar a força e as armas, em casos estritos de necessidade. Os estados modernos, deteriorados pela submissão à mentirosa racionalidade econômica, e sob o exemplo do sistema liberal capitalista por excelência, o dos Estados Unidos, têm concedido a terceiros, estranhos a seus quadros, o exercício da violência. Contratam empresas privadas, que geralmente empregam, em tempo parcial, policiais civis e militares em suas atividades.
A tolerância ao nítido conflito de interesses tem estimulado o surgimento das chamadas milícias, que atuam nas regiões em que a presença oficial do Estado é precária. Integradas por policiais civis e militares, tais como as empresas de vigilância, elas oferecem proteção, só que, em seu caso, mediante taxas extorsivas e o exercício de comércio ilícito. Enfim, o gangsterismo se organiza dentro do aparelho repressivo oficial.
É possível objetar, e com razão, que a infecção dos quadros policiais não é nova. Sempre houve policiais achacadores e subornáveis, ao longo da história, em todos os países do mundo. Essa constatação não exclui a necessidade de combater rigorosamente esse tipo de crime – sobretudo porque são suspeitos de nele se envolverem os próprios dirigentes dos corpos armados, como sugerem as investigações em curso no Rio de Janeiro. Se dessa podridão são responsáveis os dirigentes políticos do Estado, que nomeiam as autoridades policiais, ou não, cabe ao Ministério Público averiguar, com a ajuda da Polícia Federal. Tão antiga quanto a História, é a dedução de que o exemplo vem de cima. Maquiavel e outros pensadores políticos são nisso contundentes: os súditos acompanham o que fazem os príncipes, e os imitam.
Já tardiamente, quando acossado pelos militares e sem a proteção carismática de sua mulher Evita, Perón soube que seu cunhado se havia corrompido e achacava banqueiros e industriais. Sua reação se expressou na frase transformada em máxima política: “Los gobiernos, como el pescado, empiezan a pudrirse por la cabeza”.
Outra endemia nos corpos policiais é a dos esquadrões da morte. O Rio de Janeiro tem triste tradição em assassinatos dessa natureza. Quadrilhas de policiais, aparentemente a serviço de comerciantes, matam friamente os “indesejáveis”, que, no juízo dos mandantes, “infestam” as cidades. Da mesma forma, esses grupos liquidam seus rivais nos negócios sujos. Há mais de cinquenta anos, atuavam os “homens de ouro”, com a tácita autorização para “eliminar bandidos”. Há 18 anos, em julho de 1993, cerca de 70 crianças, que dormiam junto à Igreja da Candelária, foram metralhadas por vários policiais, com numerosos feridos e seis mortos.
Agora, em Goiás, descobre- se um grupo de extermínio que, segundo os indícios, era chefiado nada mais, nada menos, pelo subcomandante da Polícia Militar do estado. Entre as suas vítimas, se as investigações se confirmarem, encontram-se mulheres e crianças, mortas por acaso durante os tiroteios ou para eliminar testemunhas.
O velho princípio da filosofia social dos gregos é o de que a política deve ser a prática da ética.
Ética e política se encontram separadas no mundo moderno, em razão do apodrecimento da razão, que estabelece o pragmatismo do lucro e do êxito como novo imperativo universal. Só com o retorno da ética à ação política encontraremos a necessária reabilitação do Estado.