As fotografias, divulgadas pela imprensa internacional, são assustadoras. Sob a proteção das armas e soldados franceses, a horda de partidários do novo presidente da Costa do Marfim, Alassane Quattaro, cometeu atrocidades inenarráveis, no assalto final à residência do chefe de Estado vencido, Laurent Gbagbo.
Aceitemos todas as acusações feitas a Gbagbo e o argumento de seu adversário, que a “comunidade internacional” acolheu, de que as eleições foram corretas. Gbagbo lhes negava legitimidade e se recusava a deixar o poder. Mas se tratava de um assunto interno, que deveria ser resolvido sem interferência estrangeira. A França, no entanto, interveio em Abidjã, como se a Costa do Marfim fosse um mero departamento de seu território soberano. Não interveio para proteger a incolumidade do ex-presidente, como havia prometido, mas, sim, a violência dos assaltantes. A imagem da mulher de Gbagbo, que teve as tranças arrancadas pelos atacantes, a roupa esfarrapada pela brutalidade, os olhos vermelhos, a face humilhada, é outro documento destes tempos que põem à prova a alma dos homens, para lembrar a frase de Thomas Payne, criada durante as duas revoluções, a americana e a francesa, que marcaram os anos finais do século 18. Convém lembrar que, naqueles confrontos brutais, como foram os do “Terror” na França, não houve centros de tortura, como os Guantánamo e Abu Ghraib, nem massacres como os de My Lai, no Vietnã.
A França foi o primeiro país a declarar os direitos inalienáveis do homem e do cidadão. Mas a bela Declaration des droits, de 1789, não passa de referência histórica. A Grande França, que deu ao mundo alguns de seus mais belos momentos, é hoje caricatura do passado. Depois de De Gaulle ela ainda teve horas fortes com Mitterrand. Mas, desaparecida a grande geração dos resistentes ao nazismo, a mediocridade de Sarkozy e o atrevimento da velha direita, racista, que se revelou no famoso processo contra Alfred Dreyfus, na passagem do século 19 ao século 20, retorna.
O que a França tem feito na África, e principalmente agora, em Abidjã, é uma intervenção colonialista declarada, assim como é uma guerra de reconquista colonial a que está ocorrendo na Líbia. Os Estados Unidos, a França e a Inglaterra parecem empenhados em restaurar seus impérios ultramarinos – com os aplausos de uma Espanha apodrecida pela corrupção e embalada pela esperança de obter algumas vantagens marginais nessa nova divisão do mundo.
Ontem, mulheres muçulmanas foram multadas na França, pelo uso de seus trajes tradicionais. O governo de Paris alega que a medida visa a proteger os direitos femininos. É a torção de conceitos, de que o totalitarismo é mestre. No Iraque, as mulheres não eram obrigadas a esconder o corpo sob a burka, nem a face sob o nikab. Não obstante isso, como o problema era o petróleo, Saddam foi enforcado. Simone Gbagbo, de fé cristã, foi humilhada e agredida, sob os olhos, provavelmente divertidos, dos soldados franceses que garantiram o assalto à residência oficial. Sua roupa foi arrancada do corpo e rasgada. Seu marido, Laurent Gbagbo, que se acovardou nos últimos momentos, parecia um sonâmbulo. Nem mesmo o quarto em que as tropas francesas e as de Quattaro meteram o ex-presidente e sua mulher, foi resguardado. As fotos dos dois, sentados sobre o leito, sob o escarmento dos vencedores, correram ontem o mundo.
É um retrato da “grandeur” da França, sob Sarkozy. Em 1968, De Gaulle qualificou a rebelião estudantil de Paris como uma chienlit. Como ele definiria a triste palhaçada de Sarkozy em Abidjã?
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