18 de jul. de 2011

A IMPRENSA E SEUS LIMITES

Não coube a Murdoch inventar o jornalismo corrosivo dos tablóides britânicos. Para o bem e para o mal, a Inglaterra tem uma tradição de papéis impressos sem qualquer limite ético. Houve momentos em que a acidez da linguagem serviu a bom propósito político, como ocorreu com o North Star, durante o reinado de George III. O jornal era editado por John Wilkes, tido como o mais arrojado demagogo da Grã Bretanha. Wilkes, libertino e libertário, foi parlamentar, cassado duas vezes, prefeito de Londres e iconoclasta ousado. Chegou a escrever em seu jornal que o soberano era traído pela mulher, e publicou o nome do provável amante da rainha.

Wilkes é tido como o pai da liberdade de imprensa moderna. Foi um ídolo tão popular que, no século 19, um jovem ator, a quem o pai dera o nome de John Wilkes Booth, foi o assassino de Lincoln. No caso do fanático norte-americano há ainda uma curiosidade: seu pai, um bom ator shakespeareano, chamava-se Junius Brutus Booth – em homenagem ao fundador da República Romana.

A virulência dos jornais populares britânicos, que contrastam com os matutinos tradicionais, todos sérios e graves, é assim, anterior à chegada de Murdoch ao mercado londrino. É mesmo provável que o australiano tenha encontrado inspiração nos tablóides ingleses ao iniciar seu império jornalístico. O governo britânico, no entanto, está ameaçando a liberdade de imprensa, com medidas legais que podem ir além da proteção à privacidade dos cidadãos e se tornarem escudo dos políticos corruptos.

A liberdade de imprensa não pode significar a licença para a calúnia, a infâmia e a injúria. É preciso que o jornalista use seu texto com a consciência de que o que escreve pode significar a ruína moral de um inocente, se denúncia que faz é falsa. Um elogio a alguém dura alguns dias e, hoje, na velocidade das informações, talvez só algumas horas. Mas uma acusação caluniosa nunca é apagada de todo. Conhecemos histórias terríveis, de pessoas que carregaram nas costas o fardo de uma calúnia pela vida inteira. Como advertia Voltaire, da calúnia sempre sobra alguma coisa.

Não podemos reclamar tratamento privilegiado da lei. Os crimes de calúnia, difamação e injúria estão previstos no Código Penal. A ele devemos estar sujeitos todos, jornalistas ou não jornalistas. A liberdade de imprensa não é salvo conduto para a impunidade de ninguém. Por isso devemos dispensar privilégios, como jornalistas, mas exigir direitos, como cidadãos. Essa cautela diante da honra alheia não pode castrar os jornalistas, principalmente quando se trata do interesse público. Espantamo-nos com as revelações de atos criminosos cometidos por altos servidores do Estado, eleitos e não eleitos. Em alguns casos, a Justiça os pune; em outros a opinião pública os despreza e, infelizmente, como a memória do povo é curta, muitos retornam, lépidos e fagueiros, às posições das quais foram afastados. Quando a imprensa é amordaçada pela violência da lei e das ditaduras, a corrupção é bem maior e crimes brutais são cometidos, sem o conhecimento público, quando os culpados pertencem às nomenclaturas do poder.

No caso do News of World, e de outros jornais, britânicos ou não, não há jornalismo, mas sordidez. Na busca de leitores interessados no que há de pior na natureza humana, eles são capazes não só de exercer pérfida ficção, como de se associar a bandidos e a policiais, de ocultar informações importantes, e, com isso arriscar a vida de pessoas inocentes, como ocorreu com o jornal de Murdoch.

O australiano começou a encontrar limites para o seu poder, que parecia fadado a dominar o mundo. É importante que a indústria da informação e do entretenimento não esteja em poucas mãos e dominadas por um pensamento único e totalitário.

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