18 de jul. de 2011

O DESALENTO DA PRESIDENTE

Ao falar a emissoras do Paraná, a Presidente Dilma Roussef foi sincera e humana: há muitas coisas no governo que a entristecem. Pode estar certa a chefe de Estado que os brasileiros em sua imensa maioria comungam do mesmo desalento. Os cidadãos entendem que o ato de governar é difícil, e que reclama habilidade e paciência, mas não aceitam - salvo os interessados na instabilidade política - as pressões que se fazem à presidente. Depois de ouvir um correligionário irado, que se queixava do tratamento privilegiado a um aliado do governo, Juscelino gastou meia hora tranqüilizando-o. Quando o reclamante saiu, desabafou-se com seu chefe da Casa Civil, Vítor Nunes Leal:

- Aqui, na Presidência, suporto insolência que não agüentaria, se fosse simples prefeito de Diamantina.

Ele não foi prefeito de Diamantina, mas, os que o conheceram prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas, se lembram de que ele era rigoroso com seus subordinados, e sabia cobrar as tarefas com energia.

Podemos entender as dificuldades da presidente e não podemos negar-lhe solidariedade e apoio. Não lhe serve de consolo, mas de estímulo, saber que os governantes dos principais países do mundo não se sentem tampouco em plena felicidade nestes últimos meses e anos. Estamos em um daqueles momentos históricos em que a ruptura se anuncia, mas pede líderes sensatos, capazes de criar instrumentos políticos hábeis para vencer a conjuntura perigosa.

Não é seguro que a História se repita, embora os seus movimentos de impaciência sempre se pareçam. O grande fermento das mudanças é a informação, que amplia o entendimento dos homens e suscita idéias novas, nas artes, na filosofia e na política. Isso explica que o Renascimento tenha sido contemporâneo da imprensa, e o Iluminismo, sua continuidade, haja trazido ebulição intelectual que não só deflagraria a Revolução Francesa, mas também estabeleceria os fundamentos científicos da tecnologia contemporânea.

A química de Lavoisier abriu a imensa perspectiva da produção de sucedâneos das matérias naturais e sem ela seria impensável a nanotecnologia, entre outras conquistas da ciência de hoje. Mas o excepcional cientista deixou-se seduzir pela corrupção, ao participar de uma empresa concessionária da cobrança de impostos, que lesou as finanças revolucionárias, e foi guilhotinado. Não são raros os casos de corrupção de homens geniais.

O que está ocorrendo em algumas áreas do governo felizmente não chega a anunciar horas tão trágicas como as vividas na França de há 220 anos – mas incomoda principalmente os que têm muito a elogiar na política econômica e social dos últimos oito anos e seis meses. Não se pode perder uma experiência que reduziu drasticamente a desigualdade e promoveu o desenvolvimento do país, de forma tão marcante, em conseqüência dessa promiscuidade entre setores do governo e do parlamento com empreendedores privados.

Um dos mais audaciosos criminosos dos anos 70, o assaltante Lúcio Flávio, ficou famoso por uma sentença óbvia, ao explicar por que não se envolvia com policiais: polícia é polícia, bandido é bandido. A máxima - reduzida a crueza de sua origem e circunstância - pode ser ampliada: governo é governo, empresas privadas são empresas privadas. A realidade – aqui e em todos os países ocidentais, registre-se – mostra que já não há fronteiras nítidas entre a administração pública e os grandes negócios. Os pequenos empresários se candidatam ao poder municipal, e começam a crescer fazendo negócios com a prefeitura. Em seguida se elegem para os parlamentos estaduais e para o Congresso - onde ampliam sua participação nos recursos públicos: mediante suas próprias empresas, ou se associando a grupos nacionais e internacionais. Em alguns casos, preferem ser apenas intermediários. São lobistas privilegiados, com acesso a todos os níveis de poder.

Estamos chegando aos limites da paciência dos povos. Nos Estados Unidos, Obama não consegue taxar os ricos em favor dos pobres, porque a maioria dos congressistas representa ali os grandes interesses financeiros e industriais, entre eles os dos fabricantes de armas. Na Europa, para salvar o dinheiro dos grandes bancos, os estados nacionais estão indo à falência. A razão é simples: são os ricos que financiam as eleições e a eles os governos prestam obediência.

É interessante relembrar que, na França de 1789, o povo foi às ruas e derrubou a Bastilha em favor de um banqueiro que, na administração das finanças nacionais, corroídas pela ladroagem dos nobres, defendia reformas moralizadoras. Necker teve a lucidez que falta aos banqueiros de hoje – e, por isso mesmo, não perdeu a cabeça naquelas jornadas sangrentas.

A presidente está diante de arriscada oportunidade: a de iniciar o processo de saneamento da administração do Estado. Os observadores sensatos contam com sua paciência diante da protérvia e sua firmeza estratégica. É certo que enfrentará inimigos poderosos, internos e externos, mas, se assim agir, a maioria do povo brasileiro estará ao seu lado, como esteve nas eleições do ano passado.

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