O ministro das Finanças da Itália, Giulio Tremonti, advertiu que “a Europa pode afundar, como o Titanic”. Desde a crise norte-americana que os observadores anunciam o desastre. Entre as várias causas está a ilusão de que é possível unificar a Europa, a partir da economia. Enquanto todos os países se encontravam mais ou menos na mesma situação, foi possível estabelecer a Comunidade do Carvão e do Aço e, pouco a pouco, criar os mecanismos de integração.
O Tratado de Roma foi assinado por países que se encontravam mais ou menos na mesma situação: Alemanha, França, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo. Ao ampliar-se a comunidade, com a adesão de países periféricos, começaram a surgir os problemas de convivência. Os que chegavam, chegavam com mais necessidades. Os estadistas europeus atuaram com grande sensibilidade, acossados pela memória das guerras continentais, principalmente a de 1914 a 1918 e a de 1939 a 1945.
A criação do euro, em 1998 (entrando em circulação em 1º de janeiro do ano seguinte) culminou o processo de integração, mas ficaram, e astutamente, fora da moeda única a Inglaterra e outros países. Ora, tratava-se de uma sociedade em que havia ricos e havia pobres. Não era possível que, em um passe de mágica, países de economia relativamente débil — como Espanha e Portugal, que ao integrar-se ainda não se haviam recuperado das ditaduras de direita — pudessem andar no mesmo passo.
Os países ricos os favoreceram com financiamentos, alguns, como para certas obras de infraestrutura, a fundo perdido. Mas todas essas medidas não eliminavam as dificuldades da adoção de uma moeda única em economias tão desiguais. Embora a União Europeia pudesse aconselhar determinadas providências de ordem tributária e de política social, a autonomia política impedia, e é bom que assim seja, uma ação comum ditada pelos mais fortes.
A situação vinha sendo administrada, bem ou mal, até que a queda do Muro de Berlim estimulou os centros mundiais do poder financeiro a deixarem os seus cuidados retóricos e decretarem, com insolência, a prevalência do mercado contra o estado. Com a cumplicidade dos governantes (e, no capítulo, estivemos muito mal), caíram as fronteiras alfandegárias, desnacionalizou-se a indústria dos países periféricos e se privatizaram as empresas públicas.
Os centros de decisão se transferiram dos gabinetes presidenciais e dos parlamentos para os encontros, discretos uns e ostensivos outros, dos grandes financistas que controlam o dinheiro do mundo. Ocorre que ética e lógica caminham juntas, como filhas da razão. Quando uma se ausenta, a outra desaparece. A voracidade do capital, ao violar a ética, perde a lógica. Foi assim que o mercado dos derivativos se tornou o buraco negro das finanças mundiais: criou-se um capital fictício, que alimentou os grandes especuladores e levou milhões à miséria.
Os governos, sem embargo da clareza do problema, em lugar de deixarem que os banqueiros paguem pelos excessos de suas ambições, tratam de salvá-los, em nome da estabilidade. Como alguém tem que pagar a conta, pagam os de sempre, isto é, os pobres e os não ricos. Pagam com a redução dos serviços sociais, de saúde, educação e segurança, e pagam com o desemprego.
A alguns ministros italianos de Berlusconi faltam credenciais da honra, mas a metáfora do Titanic é válida. Ocorre que a Europa não tem pela frente um só iceberg. Ela navega em mar pejado dessas montanhas de gelo. Os Estados Unidos estão encalhados no saguão do Capitólio, à espera que o nível de endividamento se eleve, para sua salvação; a China começa a desconfiar de que seu extraordinário crescimento lhe trará pesadas dificuldades no convívio internacional: seus fabulosos créditos no mundo podem esfarinhar-se na catástrofe que se espera. Todos os países passam pela mesma inquietude. A saída é fácil, se houver a decisão política de tirar a moeda das mãos dos banqueiros e, com isso, expulsá-los do poder ilegítimo que exercem no mundo.
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