30 de jul. de 2011

O RETORNO À TRIBO

Li, com pavor, o documento “A European Declaration of Independence – 2083”, assinado por Anders Behring Brejvik, o exterminador de adolescentes de Oslo. O texto, em seu todo, é incongruente, repetitivo e capenga. Mas em seu início, revela bom conhecimento histórico – sempre distorcido, é certo - e a leitura fundamental da filosofia política, sobretudo dos autores marxistas, com predileção pela Escola de Frankfurt, a que ele atribui a difusão do “marxismo cultural”. É difícil acreditar que Brejvik, aos 32 anos, dedicados, em sua maior parte à caçada, ao fisioculturismo e aos jogos eletrônicos, seja portador do conhecimento ali exposto.

Não parece provável que ele tenha sido o único redator do documento, a não ser nas instruções para a preparação de explosivos, a partir de substâncias fertilizantes, e para o uso de armas. Trata-se, pelo que se deduz, de um documento coletivo ou, pelo menos, redigido com a participação de algum teórico do racismo de extrema-direita. No conjunto, no entanto, o texto faz lembrar outros documentos dos nazistas e fascistas – como é o caso de Mein Kampf. Ele, equivocadamente, nomeia Lukacs entre os fundadores da Escola de Frankfurt. O pensador húngaro é autor de extraordinário ensaio sobre a insânia do nazismo, “Die Zerstörung der Vernunft” (A destruição da razão), publicado em 1954. Cita Erich Fromm, Horkheimer, Adorno e Marcuse, entre outros. O provável co-autor do texto deve ter lido as obras marxistas que cita.

Como todos os documentos dessa natureza, redigidos a partir de uma visão maniqueísta do mundo, o manifesto de Brejvik é capaz de apodrecer a razão de muitas pessoas, desprovidas dos postulados básicos do Humanismo. Daí o terrível paradoxo em ele se identificar como “fundamentalista cristão”. O cristianismo é o contrário do que ele prega. A mensagem do racismo é simples, e pode perverter os desavisados e, assim, a lógica histórica: todos os que são diferentes não pertencem à minha mesma natureza, logo, são inimigos que devo eliminar. O segundo momento do racismo, que tem raízes na pré-história, é o da ocupação de espaço. A idéia do “espaço vital”, como revelam os livros elementares de antropologia, vem da disputa do território de caça pelas tribos primitivas. O “espaço europeu”, na visão desses racistas herdeiros da confusão mental de Gobineau e outros, está invadido pelo Islã. Essa migração, como qualquer pessoa bem informada disso sabe, resulta não de um projeto de conquista – como poderia ter sido a dos muçulmanos que invadiram militarmente a Europa no século 8 – mas da exploração impiedosa pelos países europeus (e, mais recentemente, pelos Estados Unidos) dos recursos do Oriente Médio. Essa ânsia de saqueio do petróleo – e outros recursos - promoveu as guerras brutais contra os povos daquela região. É natural que busquem onde possam sobreviver.

O assassino de Oslo cita várias vezes o Brasil como exemplo do caos da miscigenação. Atribui, a essa promiscuidade “racial”, as desigualdades e a corrupção. Ele pode citar o seu próprio país como exemplo de coesão nacional e alguma igualdade social (da qual, como se sabe, estão excluídos os imigrantes), mas se esquece de que uma nação de grandes recursos naturais, de menos de cinco milhões de habitantes, equivalente a uma das capitais brasileiras, é quase tão fácil de governar como o rico Principado de Mônaco. E, ao contrário do que insinua o texto, não são os mestiços, pobres em sua maioria, os principais corruptos, mas, sim, a elite branca, que descende dos colonizadores europeus.

É um erro considerar o massacre de Oslo como ato isolado de um psicopata. A psicopatia de homens como Brejvik tem origem na patologia da injustiça da civilização contemporânea. Como apontou Melanie Philipps, do Daily Mall, “Brejvik talvez seja um psicopata desequilibrado, mas o que emerge agora de seu ato atroz é o delírio de uma cultura ocidental que perdeu a sua razão”.

Outra opinião importante, essa de um sociólogo norueguês, que se dedica ao estudo dos problemas da guerra e da paz, Johan Gulgag, é a de que “é fácil “psiquiatrizar” o ato de Brejvik, e não ver a gravidade das idéias” que devem ser combatidas agora e em todos os paises da Europa, antes que seja tarde.

A democracia não pode ser tolerante com os que proclamam o genocídio como ato político, e o assassinato em massa como virtude. Hitler não enganou ninguém. Quando havia ainda tempo de fechar-lhe o caminho, paises como a Grã Bretanha e da França foram cúmplices tolerantes da anexação da Áustria e dos Sudetos. Essa atitude promoveu a ereção dos fornos crematórios de Auschwitz e a morte, em combate e no massacre à população civil, de cerca de 50 milhões de seres humanos.

Como alguém lembrou, os muçulmanos de hoje são os judeus, os ciganos, os eslavos e os comunistas de ontem. E os judeus de Tel Aviv não são mais os que resistiram ao assalto ao Gueto de Varsóvia.


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