Exercer o poder é seduzir na democracia e atemorizar no despotismo. Os tiranos governam com o terror, mas os verdadeiros líderes conquistam o coração das pessoas. O maior político brasileiro do século 20 (e, provavelmente, de toda a história nacional) foi Getúlio Vargas. Ele tinha o prazer quase glandular de conversar com seus adversários e de conquistá-los. Não deixou de fazê-lo nem mesmo durante o Estado Novo, embora com mais cuidado e discrição.
Vargas recebia regularmente os parlamentares que o quisessem ver, em dias certos, e pela ordem de chegada ao gabinete. Dava a mesma atenção a todos, anotando suas reivindicações. Em suma, negociava, com seu sorriso conhecido, suas frases amáveis, sua insuperável simpatia pessoal.
Assim como os líderes têm o prazer de seduzir, os liderados gostam de ser seduzidos. O poder confere aura quase divina aos que o exercem. O contato pessoal e a conversa são indispensáveis aos governantes, em todas as esferas do Estado. Os monarcas tinham um dia especial, em que recebiam o preito dos súditos. Havia, naturalmente, seleção rigorosa para o acesso ao paço, mas era rito de renovação do contrato entre o soberano e a sociedade.
Ainda que os líderes partidários tivessem influência na administração republicana, os presidentes não os ouviam, necessariamente, na formação dos ministérios. A escolha, em rigorosa obediência à Constituição, era do arbítrio pessoal do Chefe de Governo. Muito antes de Getúlio, Afonso Pena (presidente entre 1906 e 1909), exporia, em conhecida carta a Rui Barbosa, a sua fórmula, para explicar a juventude de seus auxiliares:
“Na distribuição das pastas não me preocupei com a política, pois essa direção me cabe, segundo as boas normas do regime. Os ministros executarão meu pensamento. Quem faz a política sou eu”.
Um dos efeitos danosos do regime militar que sofremos foi o da nítida separação entre o povo e o poder. O mais autoritário dos presidentes militares, Garrastazu Médici, valeu-se de sua condição de torcedor de futebol para criar falso vínculo com o povo, mas se tratou de artifício demagógico que não teve conseqüências de ordem política.
Há, no Brasil – e para o benefício dos dirigentes – superestimação do poder dos partidos e da obediência a que devem sujeitar-se os que se elegem sob suas legendas. O nosso sistema constitucional não estabelece o mandato imperativo, ainda que os novos legisladores nacionais, ou, seja, os juízes do STF, tenham aprovado a esdrúxula norma de que os mandatos não pertencem aos seus titulares (que receberam os votos nominais populares), mas, sim, a seus partidos, que, em sua maioria, nada significam em matéria de programas e de doutrinas. Não havendo mandato imperativo, os dirigentes partidários não podem impor a seus parlamentares o apoio ou o não apoio a medidas propostas pelo Poder Executivo. Conforme a máxima magistral de Burke, o grande homem de estado britânico, ao eleger-se, o parlamentar só deve fidelidade à Nação e à sua consciência.
Sendo assim, a Presidente Dilma Roussef pode, se quiser, conversar pessoalmente com os parlamentares mais respeitados e ouvidos – das duas Casas do Congresso – e construir, diretamente, o apoio político necessário a seu governo.
Ela deve estar sentindo a forte aprovação popular aos seus esforços pela moralização da administração do Estado. É uma tarefa difícil e penosa, mas necessária. Em 1930, diante da visível erosão da República, com o abuso da Comissão de Verificação de Poderes que cassava, in limine, os mandatos de parlamentares independentes, e não lhes permitia a posse nos cargos para os quais haviam sido eleitos, as atas eleitorais fraudadas nas eleições majoritárias, e o autoritarismo de Washington Luís, ao impor o nome de Júlio Prestes como seu sucessor, o governador de Minas, Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, cunhou a frase forte:
“Façamos a revolução, antes que o povo a faça”. E a Revolução se fez, em outubro daquele ano, com o entusiasmo do povo.
Dilma poderá promover a moralização do Estado. O povo que foi às ruas – nas memoráveis campanhas de 1984, pelas eleições diretas e em 1992, contra a corrupção – pode bem a elas voltar, a fim de garantir à Presidente o seu apoio na tarefa de devolver o Estado à Nação.
A passeata convocada para São Paulo, , por algumas das principais entidades sindicais do país, e o propósito, anunciado pelo governo, de desonerar a folha de pagamento de alguns setores industriais não nos remetem a Marx e a seus discípulos, mas nos fazem retornar a Platão. No mais político de seus Diálogos, o deGórgias, ele reconstitui — ou cria — discussão entre Sócrates, Górgias, Querefonte, Polo e Calicles. Sócrates vence, e convence, ao afirmar que a melhor forma de viver é a de praticar a justiça, além de todas as outras virtudes, e arrasa seu oponente, ao completar que de nada vale a argumentação de Calicles de que o Estado existe, e deve existir, em favor dos poderosos — e contra os débeis.
O jovem e rico contendor do filósofo chega a citar Píndaro, em seu verso conhecido, segundo o qual a força faz o direito. A isso se opõe Sócrates, reclamando o papel do Estado como garantidor da justiça, mediante as leis. Enfim, o Estado só é legítimo quando protege os débeis.
É interessante a posição de certos empresários, ao reclamar contra os direitos trabalhistas. Quando a economia vai mal, eles se queixam, e argumentam que a flexibilização das leis do trabalho favorece o aumento do nível de emprego; quando a economia vai bem, o que ocorre agora, alegam que não conseguem competir com a importação de bens industriais, a não ser com o sacrifício dos trabalhadores.
Ora, para alguns patrões, nada melhor do que uma sociedade econômica sem salários, e é o que buscam, na automação, a cada dia maior, dos processos industriais. Ainda agora, uma empresa de Taiwan anuncia a produção de 1 milhão de robôs para a indústria da China. Bem argumentam os que consideram a sociedade industrial contemporânea a mais injusta de quantas houve na História.
Como não pode haver produção sem consumo, nem consumo sem salários, o aumento da desigualdade leva a crises econômicas profundas, como mostram os exemplos de 1929 aos nossos dias.
As medidas anunciadas ontem pelo governo em seu conjunto são necessárias. A preferência pela compra de produtos e serviços nacionais pelo Estado é boa providência, e melhor seria se, como produtos nacionais, só fossem considerados os procedentes de firmas realmente brasileiras, e não dentro da latitude imposta pelas emendas constitucionais do governo neoliberal de Fernando Henrique.
Hoje, qualquer empresa, de capital externo, constituída no Brasil, ou adquirida de brasileiros, é considerada nacional. É um bom começo, embora parcela importante do que economizarmos com a redução das importações venha a ser consumida na remessa de lucros ao exterior pelas multinacionais. Esse primeiro passo, ao que parece, será seguido de outros. Conforme disse Mantega, é preciso proteger os produtores brasileiros contra os aventureiros que vêm de fora.
Apesar de tudo isso, os reais produtores, que são os que trabalham no pátio das fábricas, buscam, como é de seu direito, e de justiça, negociar com ganho real os acordos anuais de salários. Lutam também pela redução da jornada de trabalho, pelo fim do fator previdenciário, e pela regulamentação da terceirização, esse instrumento impiedoso de compra e venda da força e inteligência do trabalho — com lucros espantosos. Daí, a passeata anunciada para hoje em São Paulo.
O mundo vive momento novo, dentro da velha injustiça que, pelo que vemos, já era objeto das especulações de Platão. Como a injustiça é o resultado da insensatez, os congressistas norte-americanos não foram assistidos da razão, ao debitar aos pobres a espantosa dívida do país. Não foram os pobres que gastaram as centenas de bilhões de dólares nas aventuras militares do Oriente Médio, que se somam às cifras inimagináveis consumidas em outras expedições de saqueio pelo mundo afora.
E por falar em aventuras militares, convém ler com atenção o artigo do almirante Mário César Flores, ontem publicado em O Estado de S. Paulo sobre a pouca percepção que os brasileiros têm da importância e necessidade de forças apropriadas para a defesa da soberania nacional. As Forças Armadas devem ser suficientemente poderosas a fim de dissuadir eventuais agressores à nossa soberania geográfica e política.
Não asseguramos saúde de qualidade, e não cuidamos bem dos homens aos quais incumbe a defesa do país
Não temos cuidado de erguer e solidificar os pilares de nossa liberdade e segurança no mundo. A educação elementar é desdenhada. Proliferam, graças ao liberalismo oficial, universidades privadas sem qualidade autorizadas a explorar o sonho dos pobres. Não conseguimos assegurar saúde pública universal de qualidade, e não cuidamos bem dos homens aos quais incumbe a defesa do país.
E uma boa notícia. Ao assegurar a liberdade de trabalho para os músicos, contra a filiação compulsória à Ordem dos Músicos do Brasil, o STF dá mais um passo contra a praga do corporativismo, em favor da plena liberdade de trabalho e de expressão cultural dos cidadãos, conforme os princípios basilares da democracia republicana.
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