Circula pela internet vídeo de alguns segundos, que mostra duas crianças de Sirte, sendo atendidas em algum lugar que lembra um ambulatório improvisado. São o menino, de cinco ou seis anos, e a menina, de idade parecida. O menino grita de dor, ainda que tenha as duas mandíbulas, o queixo e a garganta dilacerados, provavelmente por estilhaços de bomba. A menina está em silêncio, olhando o nada, como se o nada pudesse explicar-lhe o sofrimento do menino, e o calcanhar arrancado, o pé quase pendente da perna. O leitor Eugênio, enviou-me os links de acesso às imagens:
http://redeliberdade.blogspot.com/2011/11/otan-assassina.html
e
Como veterano jornalista, que cobriu crimes bárbaros e acidentes terríveis, e a dura experiência de guerras civis e invasões militares - mas acima de tudo, como pai e avô - confesso que nada foi tão fundo na minha tristeza do que a imagem das crianças de Sirte. Das ainda vivas, e das mortas da família Khaled. Foi possível imaginar as milhares de outras crianças, mortas e feridas, na Líbia, no Afeganistão, no Iraque, na Palestina. Diante das cenas, revi o Presidente Barack Obama, sua elegante mulher e suas duas filhas, lindas, sorridentes, que o pai presenteou com um cão, para que o fizessem passear pelos jardins da Casa Branca. Revi-as viajando pelo mundo, e visitando escolas na África e na América Latina. E fiquei sabendo da alegria de Monsieur Sarkozy em ser novamente pai. Em sua relativa juventude, marido de uma cantora jovem, famosa e bela, o presidente da França terá, é o que todos esperamos, anos felizes ao lado da filha. Irá conduzi-la pela mão entre os canteiros dos jardins de Paris, e, se as coisas da política lhe permitirem, a ela contará passagens de sua própria infância. Ouvirá a mulher, com sua voz magnífica, cantar-lhe as mais belas berceuses. E quando ela ficar mocinha, se enlevará com as canções de sua mãe, como “Quelqu’un m’a dit”, e seus versos abertos: “Alguém me disse que nossas vidas não valem grande coisa/ Passam em um instante, como fenecem as rosas”.
A idéia que associa a morte das crianças – no caso, uma menina – à brevidade das rosas, é de Malherbe, o grande poeta francês dos séculos 16 e 17, a quem se atribui a invenção do francês literário. Ele escreveu seu famoso poema para consolar um amigo que perdera a filha de seis anos, e resume a homenagem à menina, que se chamava Rose, no verso conhecido: “E, rosa, ela viveu o que vivem as rosas, o espaço de uma manhã”.
Uma criança morta, muçulmana ou judia, negra ou nórdica, de fome, de endemias ou de acidentes, em qualquer parte do mundo, é uma violência insuportável contra a vida. As crianças mortas em guerras são insulto às razões da vida, e uma grande dúvida sobre a existência de Deus – a não ser a do Deus dos Exércitos.
David Cameron, parceiro e competidor de Sarkozy na aventura líbia, é um pai que sofreu a dolorosa perda de um filho, Ivan, também aos seis anos – em fevereiro de 2009, acometido de uma forma rara de epilepsia. Não é possível que, diante das cenas de Sirte, e na lembrança do filho, não sinta, no coração, o peso de sua culpa, ao usar as armas britânicas, nos bombardeios sistemáticos contra as cidades líbias – entre elas, Sirte, a que mais sofreu, e sem trégua, com as bombas e mísseis. A Líbia e as outras nações da região foram bombardeadas e ocupadas pelas nações mais poderosas do Ocidente porque têm suas areias encharcadas de petróleo. O petróleo, na visão dessas nações, é um dos direitos humanos dos ricos e bem armados.
A espécie humana só sobrevive porque ela se renova em cada criança que nasce. Como nas reflexões de Riobaldo, em uma vereda do grande sertão, diante da paupérrima mulher que dá à luz: não chore não, dona senhora; uma criança nasceu, o mundo começou outra vez.
Os doutores em jornalismo atual, que recomendam textos frios, podem ver nessas reflexões o inútil sentimentalismo de um veterano - diante da realidade do mundo. Mas houve um tempo, e não muito distante, em que o jornalismo era solidário com o sofrimento dos mais débeis, com os perseguidos e famintos de pão e de justiça.
Enfim, God bless America. E God save the Queen.
Este texto foi publicado também nos seguintes sites:
http://fichacorrida.wordpress.com/2011/11/11/mensagem-aos-hericos-trucidadores-de-crianas/
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Excelente texto!!!
ResponderExcluirExcelente texto!!!
ResponderExcluirO texto e o vídeo me causaram profunda comoção. Não pude conter minhas lágrimas.
ResponderExcluirFiquei famoso... muito me honra o Senhor ter lido meu humilde comentário. Tenho por Vossa senhoria o mais profundo respeito, sempre li TODOS as suas postagens no Conversa Afiada.
ResponderExcluirEugênio
4 de novembro de 2011 às 15:03
O Jornal Nacional não mostrou. Mas aconteceu. As imagens duras e horríveis que a mídia-empresa esconde para que você não veja o resultado das “guerras limpas”, dos “bombardeios cirúrgicos”, da guerra para garantir o lucro das grandes corporações. OTAN assassina!!!
http://www.conversaafiada.com.br/politica/2011/11/04/santayana-israel-na-rota-de-um-holocausto-nuclear/
P.S. Probus, meu nick, eu derivei do latim PROBO (justo, honesto)
Sou seu fã, seu leitor,
Eugênio Kishi
Obrigado, Eugênio Kishi, pelos links e por sua mensagem.Um forte abraço.
ResponderExcluirMeu deus, que coisa horrenda!!! Imagens tenebrosas. Quantas e quantas vezes não terá se repetido nessas tristes guerras que assistimos à distância.
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