27 de dez. de 2011

A TRÉGUA DE NATAL

(JB) - Mesmo nas guerras mais duras, é comum, no Ocidente cristão, que haja uma trégua no Natal, ainda que limitada a algumas horas. Na política, atividade que existe exatamente para impedir as guerras sangrentas, esses dias de fim de ano induzem à interrupção dos embates, retóricos ou não, e é normal que os adversários se congratulem mutuamente. Ainda que seja pelos ritos de cortesia, impera a idéia de que somos iguais, portadores da mesma humanidade daquele rapaz de Nazaré, que maravilhava, quando menino, os doutores do templo e conduzia multidões pela força de sua doutrina - a de absoluta igualdade entre todos os homens.

Mas não devemos confiar muito em que a paz prevaleça nas próximas horas. Há sempre o perigo de algum desatino. Já tivemos fins de ano encharcados de sangue inocente – e não foram poucos. É de se recordar que havia, no fim de 2008, uma trégua entre Israel e os palestinos de Gaza, quando, às 11.30 do dia 27 de dezembro, o governo de Tel-Aviv iniciou o bombardeio da cidade. Era a hora em que a maioria da população se encontrava nas ruas, por ser sábado, e em que menos se esperava uma ação dessa natureza, porque o sábado é sagrado para os judeus. Em quatro minutos caíram mais de cem bombas sobre o centro de Gaza. As revelações posteriores trouxeram mais susto do que as imagens das explosões, transmitidas em tempo real pela televisão. Os agressores usaram munições especiais, à base de tungstênio, e não hesitaram em usar fósforo branco contra a população civil.

Antes, em 30 de dezembro de 2006, quando todos festejavam o fim de ano, o governo títere do Iraque recebia um presente de George Bush: o prisioneiro Saddam Hussein, para ser enforcado, depois de um julgamento parcial, sem direito a uma defesa conforme os costumes internacionais. Hussein talvez tenha sido tudo o que dele disseram seus inimigos, internos e externos, mas seu regime sempre foi visto como o menos sectário de sua área. Depois dos dez anos de bombardeio sistemático do Iraque pelos governos do primeiro Bush e de Clinton – nisso, republicanos e democratas sempre se entendem – o país não constituía qualquer ameaça a seus vizinhos, e como o mundo veio a saber, tampouco dispunha das tão denunciadas armas de destruição em massa.

Os que viram as imagens de Saddam, ao ter a corda atada a seu pescoço, a queda do alçapão e seu corpo estirado depois da morte, não podem negar que a sua atitude foi de absoluta dignidade. Ele não tinha os olhos de quem pedisse piedade, mas de quem desdenhava os seus carrascos que, não obstante toda a proteção americana, pareciam amedrontados. A face de Saddam, diante da morte, não era a de um homem com medo.

Em Gaza, dois anos depois, milhares de pessoas, mas principalmente as mais indefesas, como os velhos, as mulheres e as crianças, foram mortas e mutiladas. E tal como ocorrera antes, nos dez anos de bombardeio contra o Iraque, as crianças foram as mais sacrificadas, acometidas de enfermidades, como a leucemia, provocadas pelas munições especiais, ao que se informa, fornecidas a Tel-Aviv pelos norte-americanos.

Israel não se contentou com pouco: as ações militares duraram 22 dias. E, em coerência com o ódio com que foram desfechadas, receberam a denominação de Operação Chumbo Fundido pelos agressores. Tratou-se de arrogante forma de acrescentar o tripúdio à brutalidade.

O mundo assistiu, estarrecido, àquelas cenas, que chocaram também grande parte da população israelense. Houve a decisão deliberada de arrasar a parcela do território palestino destinada a amontoar um povo confinado e submetido às mais terríveis condições de sobrevivência.

Na Europa, o clima é também de confronto. Escaldados por três guerras sucessivas, no curso de setenta anos (a de 1870, com a Guerra Franco-Prussiana, a de 1914-18 e, finalmente, a Segunda Guerra Mundial, de 1939-45) os franceses e alemães se unem, com a presunção de que podem dominar o continente. A Europa que era dos seis, e chegou a ser dos 27, passa a ser a Europa dos dois. Embora esteja sendo contestado até mesmo por muitos de seus cidadãos, o conservador David Cameron (em todo o resto, governante menor) parece ter razão. Sua moeda não é o euro; não tem, portanto, que submeter sua política fiscal aos interesses de Berlim e de Paris.

Quando passarem estas semanas, e a vida voltar a seu curso, será difícil impedir a emersão das divergências, e novas dificuldades para a região, que sempre se considerou o centro do mundo e da civilização.

No Brasil o fim de ano está um pouco inquieto. A probabilidade de que, a pedido do deputado Protógenes Queiroz, se convoque uma Comissão Parlamentar de Inquérito para reexaminar o processo da privatização das empresas estatais, faz subir a tensão dos meios políticos. A essa tensão se acrescenta outra, a da reação corporativa do poder judiciário a que seus membros tenham a vida investigada por uma instituição criada legalmente para isso. É difícil aceitar que a transparência seja danosa, a não ser para aqueles que preferem a opacidade. De qualquer forma, o recesso parlamentar servirá para a preparação do novo ano, e dará à Presidente da República o tempo necessário à meditação e à escolha de novos ministros de Estado.

Nota: Retribuo aos leitores os votos de boas festas recebidos e desejo a todos muita paz, muita alegria, muita fraternidade.

A VERDADE, A JUSTIÇA E O PERDÃO

(Carta Maior) - Quando se discute sobre a responsabilidade e os limites da Comissão da Verdade, as razões e as emoções de todos se dirigem ao ponto mais doloroso daqueles tempos: a tortura. Por ser tão anti-humana, e nem mesmo corresponder ao instinto animal da caça, que recomenda a rapidez do golpe, a fim de eliminar qualquer reação, o ato da tortura é incompreensível. Só um torturador poderia explicar a natureza de seu comportamento. Os torturados lembram o prazer dos algozes e a sua frustração animalesca, quando encontram a resistência das vítimas.

Ao se referir à violência da extrema-direita na Europa, Theodor Adorno dá uma explicação, que já se encontrava no núcleo do pensamento freudiano : o fascista é, na verdade, um masoquista, que só a mentira transforma em sádico, isto é, em agente da repressão.

Em um de seus inquietantes relatos sobre o auge do totalitarismo nazista, Arthur Koestler – o mesmo autor de “O Zero e o Infinito” – conta, em “Ein Mann springt in die Tiefe (“Um homem salta no abismo”) uma história de torturas na Hungria, sob a ditadura de Miklós Horthy. Um jovem prisioneiro é torturado sempre à mesma hora da tarde, e sua astúcia para a resistência é a de masturbar-se várias vezes ao dia. Estando debilitado pela subnutrição, o esforço reduz a resistência física ainda mais: assim, aos primeiros golpes do torturador, desmaia – e é devolvido à cela com o seu silêncio.

Um dos aspectos menos discutidos da Revolução Francesa é o da ausência de atos de tortura. Houve a violência no ato de prisão de algumas personalidades, por ordem do Comitê de Salvação Pública e dos reacionários termidorianos, como foi o caso de Robespierre, alvejado e ferido na mandíbula, na noite de 27 de julho de 1794, ao resistir na Prefeitura de Paris. No dia seguinte sem ter sido ultrajado, foi guilhotinado.

A tortura sempre fora empregada na História, e tivera seu momento mais forte durante a Inquisição e a Reforma Protestante. A hierarquia católica e os reformistas luteranos e calvinistas (sobretudo os calvinistas) nada ficaram devendo a seus inimigos teológicos. A partir da Revolução Francesa, ela foi virtualmente abandonada pela repressão, até ressurgir durante a Primeira Guerra Mundial.

Em um de seus escritos, Hélio Pellegrino define a tortura como uma tentativa do torturador em colocar o corpo do torturado em conflito com a sua alma: o objetivo da dor é o de vencer o espírito. Antes do poeta e psicanalista mineiro, Albert Camus usaria a mesma imagem, a do conflito entre o corpo e o espírito, em um de seus mais incisivos libelos contra a barbárie dos ocupantes alemães. Na série dos artigos que escreveu, logo depois da libertação, para Le Combat, destacam-se os dedicados aos torturados e mortos pelos colaboracionistas franceses, a serviço dos ocupantes. No texto publicado em 30 de agosto de 1944 – quando se refere a uma das muitas denúncias de tortura daqueles quatro anos de abjeção – Camus se espanta de que torturadores e torturados tivessem a mesma face humana. E lembra a figura de Himmler, que fizera da tortura uma ciência e um ofício, e que entrava em silêncio em sua casa à noite, depois dos crimes perpetrados durante o dia, para não acordar o canarinho amado, que serenamente dormia em sua gaiola.

E descreve os torturadores, os torturados, a natureza justa do castigo e do perdão:

“Eles acreditavam que há sempre uma hora do dia ou da noite na qual o mais valente dos homens se sente covarde. Souberam sempre esperar essa hora. E nessa hora, buscaram a alma, por meio das feridas do corpo, e a tornaram selvagem e demente, e, às vezes, traidora e mentirosa. Quem se atreveria a falar, aqui, de perdão? Já que o espírito compreendeu por fim que só podia vencer a espada com a espada, já que tomou as armas e obteve a vitória, quem lhe queria pedir que esqueça? Amanhã não falará o ódio, senão a justiça mesma, baseada na memória. E é justiça, a mais eterna e sagrada, perdoar, talvez em nome de todos os que, entre nós, morreram sem ter falado, com a paz superior de um coração que jamais traiu: mas também é justiça castigar terrivelmente, em nome dos mais valentes de nós, que foram convertidos em covardes, quando degradaram sua alma, e morreram desesperados, levando em seu coração, devastado para sempre, seu ódio aos torturadores e seu desprezo por si mesmos”.

Em nome dos homens firmes e honrados, que não conseguiram resistir, e falaram, mais do que daqueles que foram capazes de suportar a tortura, é que a verdade deve ser conhecida. Essa verdade redimirá a alma dos que já se foram e aliviará o peso dos que conduzem, ainda vivos, sua alma dilacerada. Uns por terem sido capazes de resistir, apesar da cicatrizes no espírito, e os outros, por haverem sucumbido ao flagelo da tortura.

Lembrar Camus e seu texto pungente, nestes dias de Natal, pode não ser adequado, mas essas reflexões tristes são necessárias. Ocorre que Cristo foi também torturado - por interesse do Império daquele tempo – até o momento da morte, quando o sofrimento do corpo fez com que a alma perguntasse, na agonia: “Pai, por que me abandonaste?”

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20 de dez. de 2011

A JUSTIÇA E OS SEUS PARADOXOS

O Ministro Marco Aurélio de Mello contestou, emdecisão liminar, os poderes do Conselho Nacional de Justiça, exatamente noúltimo dia de trabalho normal do STF, antes do recesso de fim de ano. Se oMinistro, conhecido por suas resoluções inusitadas, escolheu esta véspera deNatal, terá tido suas razões. Em política – e é de política que se trata, porquetudo é política – não há coincidências. Há circunstâncias. Só o ministro sabequais são as suas, e todas as especulações se fazem ociosas.
Sua excelência é daquelesmagistrados que não se escondem das luzes. É de seu costume opinar sobre todasas coisas, e nisso não está só no mais alto tribunal do país. O mundo mudou,estamos na época em que todos desejam comunicar-se com todos, e a nova Babel seergue em tijolos de quilobaites. Houve um tempo em que os juízes só semanifestavam nos autos. É certo que em todos os tempos e em todos os lugares, oato de julgar tem sido difícil. Os juízes não são infalíveis. Nada há deperfeito no mundo, e por mais isentos queiram ser os magistrados, eles sãofeitos do mesmo barro de que se fazem os outros homens. De qualquer forma, comseus erros, quando os há, e seus acertos, que são mais importantes, a sociedadeprecisa de juízes e de tribunais. Deles não pode prescindir.
O que faz democráticas associedades é o sistema de múltiplo controle de seus membros e de suasinstituições. A consciência da vida, de que só os seres humanos são dotados,reclama regras de convivência e sua observância, ou seja, as leis. Oshomicídios, por exemplo, devem ser punidos, para impedir que o instinto derépteis, que ainda atua no fundo do cérebro, prevaleça. Em 2007, segundo dadosoficiais, havia 90.000 casos de homicídios não resolvidos, ou seja, sem puniçãopara os seus autores. Em conseqüência daineficácia da polícia e da morosidade da justiça, somos um dos países maisinseguros do mundo. Os que furtam para comer - e os códigos penais de quasetodos os países civilizados aceitam a condição atenuante – devem ser perdoados,o que não tem ocorrido aqui. O direito à vida é anterior ao direito àpropriedade, como os princípios éticos reconhecem.
Os julgamentos não são equaçõesmatemáticas, em que para tais e quais fatores só pode haver uma conclusão(embora haja teorias que admitem mais de uma resposta, ou nenhuma resposta,para alguns problemas). Os juizes são pessoas que julgam atos pessoais, ejulgam com seus próprios instrumentos intelectuais e éticos. A balança pode serprecisa, mas os pesos, como sabemos, costumam variar. E chegamos a uma penosaconclusão: a de que há juízes que cometem atos ilícitos. No passado, era quaseimpossível conhecer seus desvios e puni-los, mas nos últimos anos alguns delesforam denunciados, indiciados, processados e condenados.
Todos sabemos que há conflito entrea Ministra Eliana Calmon, Corregedora Nacional de Justiça, e alguns membros doSupremo Tribunal Federal, entre eles o Ministro Marco Aurélio, a propósito doConselho Nacional de Justiça. É normal – e até desejável – que os altosmagistrados brasileiros divirjam: na justiça, como em todas as outras atividadeshumanas, toda ortodoxia, todos os dogmas – mesmo os tidos como clássicos emDireito – merecem ser vistos com sábioceticismo. O conhecimento – e nele se reúnem os do saber jurídico, o dos fatosem si, o do peso das circunstâncias – é sempre uma possibilidade, jamais umacerteza. Todos os juízes, diante dos autos, são acometidos da razão socrática:sabem que conhecem pouco do que vão julgar. Antes de uma decisão, os bonsjuízes refletem muito, apelam para a razão e, aqueles que nele crêem, suplicampela ajuda de Deus.
Mas é preciso que haja instituiçõesque zelem pela retidão dos juízes. Que o juiz se equivoque, por falta deinformações completas, ou por não encontrar a relação do delito com as leispenais, não o faz passível de reparos ou punição. O que os torna delinqüentes éo dolo. Para os equívocos existem as instâncias de apelação, mas, para ocomportamento doloso, devem atuar órgãos como o Conselho Nacional de Justiça. OCNJ é composto por magistrados escolhidos, em sua maioria, pelos tribunais e,em minoria, pela OAB e pelo Parlamento. Em sua composição, de 15 membros, todossão profissionais do Direito, com a exceção de “dois cidadãos”, de notóriosaber jurídico e reputação ilibada, conforme o artigo 102-B, da Constituição.
Os juízes, mediante sua associaçãocorporativa, contestam esse poder do CNJ – e preferem que o órgão não avoque oexame das denúncias, antes que elas sejam investigadas no âmbito do tribunal emque ocorram. Trata-se de uma posição corporativa, que não deve prevalecer. Épreciso que haja instituição distanciadadas relações pessoais com os acusados, para que o exame dos atos imputados sefaça com a imparcialidade possível, ainda que sujeita à condição humana dosinvestigadores e julgadores.
Se a sociedade for consultada, ela diráque, sim, que é preciso que os juízes sejam fiscalizados e investigados e, sefor o caso, processados. Nesse caso, não há dúvida de que a opinião nacionalestá com a Ministra Eliana Calmon. Enfim, como advertiam os latinos, corruptiooptimi pessima est.

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16 de dez. de 2011

UMA RETIRADA SEM GLÓRIA E SEM HONRA


Mais uma vez, os Estados Unidos concluem uma guerra sem ganhá-la, ao não conseguir impor sua plena vontade aos agredidos. Os soldadosnorte-americanos não saem do Iraque como saíram de Saigon, em 30 de abril de1975, escorraçados pelas tropas de Hanói e pelos vietcongs. Desta vez, elesprimeiro arrasaram o Iraque, durante uma década de bombardeios constantes.

O despotismo de Saddam não incomodava antes os EstadosUnidos, quando coincidia com o interesse de Washington. Tanto era assim, que osnorte-americanos estimularam a guerra contra o Irã, e lhe ofereceram suportebélico e diplomático, mas seu objetivo era o de debilitar os dois países. Nomomento em que — cometendo erro político elementar — Saddam pretendeu restauraras fronteiras históricas do Iraque, ao invadir o Kueit, Washington encontrou,com o primeiro Bush, o pretexto para a agressão aérea a Bagdad, a criação dachamada zona de exclusão, em que o bombardeio aéreo era indiscriminado, e obloqueio econômico.

Foram dezenas de milhares de mortos durante os dez anosde ataques aéreos, prévios à invasão. Entre os sobreviventes da agressão, houvemilhares de crianças, acometidas de leucemia pela radiação das muniçõesamalgamadas com urânio empobrecido.

Assim, ao invadir o país por terra, os americanosencontraram um exército debilitado, parte do território arrasado e um governona defensiva diplomática. O pretexto, que os fatos desmoralizaram, era o de queSaddam Hussein dispunha de armas de destruição em massa.


Ontem, o presidente Obama disse que o Iraque é hoje um“país independente, livre e soberano, muito melhor do que era com Saddam”.Saddam, sabem os observadores internacionais, era muito menos obscurantista doque os príncipes da Arábia Saudita.

Seu povo vivia relativamente bem, suas mulheres não eramtratadas com desrespeito e frequentavam a universidade. Algumas ocupavam cargosimportantes no governo, na vida acadêmica e nos laboratórios de pesquisas.Havia tolerância religiosa, não obstante a divergência secular entre os sunitase os xiitas, que ele conseguia administrar, a fim de assegurar a paz interna.

O vice-primeiro-ministro Tarik Aziz era católico, do ritocaldeu. País de cultura islâmica, sim, mas talvez o mais aberto de todos eles aoutras culturas e costumes. O país se encontrava em pleno desenvolvimentoeconômico, com grandes obras de infraestrutura, e mantinha excelentes relaçõescom o Brasil, mediante a troca de petróleo por tecnologia e serviços deengenharia, quando começaram os bombardeios.

Depois disso, nos últimos nove anos, a ocupaçãonorte-americana causou a morte de mais de 100 mil civis, 20 mil soldadosiraquianos e 4.800 militares invasores, dos quais 4.500 ianques. Milhares emilhares de cidadãos iraquianos ficaram feridos, bem como soldados invasores, amaioria deles mutilados. As cidades foram arrasadas — mas se dividiram os poçosde petróleo entre as empresas dos países que participaram da coligação militarinvasora.


Hoje não há quem desconheça as verdadeiras razões daguerra, tanto contra o Iraque, quanto contra o Afeganistão: a necessidade dosuprimento de petróleo e gás, do Oriente Médio e do Vale do Cáspio, aos EstadosUnidos e à Europa Ocidental. Daí a guerra preemptiva e sem limites, declaradapelo segundo Bush, que se dizia chamado por Deus a fim de ir ao Iraque matarSaddam Hussein. Não só os mortos ficam da agressão ao Iraque. Os americanossaem do país, deixando-o sem energia elétrica suficiente, sem água potável, com15% de desempregados e, 85% dos que trabalham estão a serviço do governo.

Toda a história dos Estados Unidos — ao lado de méritosfantásticos de seu povo — foi construída no afã da conquista e da morte. Desde aocupação da Nova Inglaterra, não só os índios conheceram a sua fúriaexpansionista: na guerra contra o México, o país vencido perdeu a metade doterritório pátrio, o que corresponde a quase um terço do atual espaçonorte-americano no continente.

Uma das desgraças da vitória americana foi a ruptura doCompromisso do Missouri, com a ampliação do escravagismo aos novos territórios,que seria — pouco mais de dez anos depois — uma das causas do grande confrontointerno, entre o Sul e o Norte, a Guerra da Secessão. Lincoln, que a enfrentou,havia sido, em 1847, um dos poucos a se opor ao conflito contra o México.


A partir de então, a ânsia imperialista dos EstadosUnidos não teve limites. Suas elites dirigentes e seus governantes, salvoalguns poucos homens lúcidos, moveram-se convencidos de que cabia a Washingtondominar o mundo. Ainda se movem nessa fanática determinação. Agora, saem doIraque e anunciam que deixarão também o Afeganistão, no ano que vem. Mas, aomesmo tempo, dentro da doutrina Bush da guerra sem fim, preparam-se para novaagressão genocida contra o Irã.

Os Estados Unidos nunca conheceram a presença deinvasores estrangeiros. Sua guerra da independência se fez contra tropasbritânicas, que não eram invasoras, mas sim ocupantes da metrópole na colônia.As poucas incursões mexicanas na fronteira, de tão frágeis, não contam. Mas háuma força que cresce, e que não poderão derrotar: a do próprio povonorte-americano, cansado de suportar o imperialismo interno de seus banqueirose das poucas famílias bilionárias que se nutrem da desigualdade.

O povo, mais do que tudo, se sente exaurido do tributo desangue que, a cada geração, é obrigado a oferecer, nas guerras sem glória, contrapovos inermes e quase sempre pacíficos, em nome disso ou daquilo, mas sempreprovocadas pelos interesses dos saqueadores das riquezas alheias.


A situação tomou rumo novo, a partir dos anos 80, comoapontou, em artigo publicado ontem por El Pais, o biólogo e filósofo catalãoFederico Mayor Zaragoza, ex-ministro da Educação de seu país e, durante 12anos, diretor-geral da Unesco. A aliança de interesses entre Reagan e MargarethThatcher significou a capitulação do Estado diante do mercado, e se iniciou aera do verdadeiro terror, com 4 bilhões de dólares gastos a cada dia, emarmamentos e outras despesas militares, e, a cada dia, 60 mil pessoas mortas defome no mundo.

Mayor lembra a que levou o novo credo das elites, queCelso Furtado chamou de “fundamentalismo mercantil”: a melancólica erosão daONU e sua substituição por grupos plutocráticos, como o grupo dos 7, dos 8 e,agora, sob a pressão dos emergentes, dos 20. E na pátria da nova fé nas “razõesdo mercado”, os Estados Unidos, há hoje 20 milhões de desempregados, 40 milhõesde novos pobres e 50 milhões de pessoas sem qualquer seguro de saúde.

A Europa assediada e perplexa, com a falência de suasinstituições políticas, está presa na armadilha do euro, que não tem comoconcorrer com o dólar nem com o yuan, porque yuan e o dólar são emitidos deacordo com a necessidade dos Estados Unidos e da China. Disso conseguiu escapara Inglaterra, que mantém a sua moeda própria.

Os Estados Unidos, se não houver a reação, esperada, deseu povo, se preparam para manter o terror no mundo, mediante suas armaseletrônicas de alcance global, entre elas os aviões não tripulados. Seudestino, se assim ocorrer, será o do atirador solitário, que se compraz emassassinar os inocentes à distância, até que alguém consiga, com o mesmométodo, abatê-lo. E não faltam os que se preparam para isso.

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http://www.viomundo.com.br/politica/mauro-santayana-uma-retirada-sem-gloria-e-sem-honra.html

http://www.rededemocratica.org/index.php?option=com_k2&view=item&id=1006:uma-retirada-sem-gl%C3%B3ria-nem-honra

http://bbs.chinadaily.com.cn/thread-723738-1-1.html

http://english.pravda.ru/archive/2011-12-20/

http://www.buzzbox.com/news/2011-12-19/iraq:saigon/?clusterId=7321725

http://www.mynewsreader.com/9903/hanoi/#2559680

http://radiocirandeira.wordpress.com/2011/12/19/iraque-uma-retirada-sem-gloria-e-sem-honra/#comment-157

http://correiodobrasil.com.br/iraque-uma-retirada-sem-gloria-e-sem-honra-2/344161/

http://www.correioprogressista.com.br/cache/72997

http://rodolfovasconcellos.blogspot.com/2011/12/eua-deixam-para-tras-um-iraque-arrasado.html

http://www.colunaonline.com.br/coluna_ler.asp?id=5902

http://www.tribunadaimprensa.com.br/?p=28182

http://www.formadoresdeopiniao.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=15366:uma-retirada-sem-gloria-e-sem-honra&catid=77:politica-economia-e-direito&Itemid=132

http://www.riplastel.com.br/blog/

http://bloganacletoboaventura.blogspot.com/2011/12/politica-internacional-e-economia.html

http://www.ujccuritiba.info/2011/12/uma-retirada-sem-gloria-nem-honra.html

http://minutonoticias.com.br/iraque-uma-retirada-sem-gloria-e-sem-honra

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14 de dez. de 2011

A ESPANHA E OS REIS DO BARALHO

Si tu padre quiere un rey, la baraja tiene cuatro; rey de copas, rey de oros, rey de espadas, rey de bastos”. A velha canção dos republicanos espanhóis volta à atualidade, com o escândalo envolvendo o marido da Duquesa de Palma, a infanta Cristina, filha de Juan Carlos. É certo que o Rei não é culpado de ter o genro que tem, e era, até agora, mais conhecido como ex-excelente jogador de handebol.

O Rei e a Rainha Sofia não têm tido sorte com seus genros. O primeiro deles, Jaime de Marichalar, foi casado com a infanta Elena por 13 anos, dez dos quais perturbados pelas seqüelas de um derrame sofrido em 2001. O casal se divorciou no ano passado.

Os espanhóis começam a perguntar-se se a restauração da Coroa, na pessoa do então jovem príncipe Juan Carlos de Borbón, foi uma boa saída para o impasse institucional surgido com a doença e a morte de Franco. Talvez tivesse sido o melhor caminho, a fim de evitar novo confronto entre as duas idéias de Espanha: a da liberdade e da igualdade, e a do obscurantismo medieval; a de Cervantes e seu D. Quixote, e a da Inquisição de Torquemada. Enfim, era preciso ganhar tempo, mas esse tempo já se cumpriu.

Esperava-se que a monarquia reabilitada em 1975 se comportasse como outras casas reais da Europa, cujos príncipes se alheiam, como chefes de estados em regimes parlamentaristas, dos conflitos políticos e administrativos eventuais. Durante algum tempo, o jovem rei parecia ausente do dia-a-dia da política. Mas, em fevereiro de 1981, com a tentativa de golpe desfechado pelo coronel Tejero, da Guarda Civil, sob o comando do general Milans del Bosch, sua majestade ficou ao lado dos golpistas, das seis e meia da tarde, até uma hora da manhã. Só então, diante da pouca adesão militar à intentona, decidiu falar à nação em defesa dos poderes constituídos. Mas os que conhecem os fatos, não têm dúvida de que o rei sabia da conjura e, discretamente, a apoiava. Não fosse isso, teria cortado o golpe em marcha, sem esperar seis horas para fazê-lo.

O marido de dona Cristina, a infanta mais jovem do rei, Iñaki Undargarin, dirigia um Instituto “sem fins lucrativos”, enfim, uma ong, e recebia dinheiro público, das Ilhas Baleares e de outras regiões autonômicas da Espanha, a fim de promover o turismo e atividades esportivas. Milhões de euros foram desviados para os bolsos do genro do Rei e de seus sócios, segundo a denúncia de um juiz de Palma de Mallorca, que trabalha contra a corrupção, divulgada por El Pais.

O que se teme, na Espanha, é que as investigações avancem e alcancem outros membros da Casa Real. É sabido que o monarca tem ligações íntimas com as grandes empresas financeiras e conglomerados industriais e de serviços na Espanha, entre elas o Banco Santander e a Telefônica. A Telefônica, emprega até agora, em elevadíssimo e altamente remunerado cargo, esse genro do rei envolvido na falcatrua de Palma de Mallorca. Iñaki Undargarin é Alto Conselheiro para os Assuntos Internacionais da empresa, com escritório em Washington e especial preocupação com seus investimentos na América Latina (leia-se Brasil).

O que tem impedido movimento articulado contra a monarquia na Espanha é o medo da classe média conservadora de que eventual volta à República estimule o velho espírito libertário e igualitário dos trabalhadores, e estes retomem a plataforma revolucionária da Frente Popular, de 1934 a 1936. Enfim, que a esquerda conseqüente volte a atuar no país.

Mas se os escândalos - que, ao que se supõe, não se restringem ao caso do Instituto Nóos - chegarem diretamente à Sua Majestade, essa inibição se reduzirá, e é provável que a reivindicação republicana cresça – e apareça. Como os povos já se deram conta, o neoliberalismo não globalizou a prosperidade, mas universalizou o sistema de drenar recursos públicos mediante o chamado terceiro setor, constituído de ongs e institutos disso e daquilo. Trata-se de uma invenção do Consenso de Washington, a fim de esvaziar os estados nacionais de seu poder, e apodrecê-los, mediante a corrupção.

Por falar nisso, está nas livrarias o livro A Privataria Tucana, de Amaury Ribeiro Jr., publicado pela Geração Editorial, de São Paulo, sobre o processo das privatizações, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Os fatos denunciados já eram conhecidos, mas o livro reproduz alguns documentos até agora inéditos. Eles são o relato de uma época tão recente e, ao que parece, já esquecida.

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13 de dez. de 2011

O BRASIL E OS TEMPOS DE CRISE


Sarkozy teme que a Europa exploda, e quer uma solução urgente para o problema econômico do continente. O Tratado de Roma, de março de 1957, envelheceu. As confederações, e a Europa Unida é uma delas, têm a vigência das circunstâncias, amarradas ao perigo ou à esperança, mas se dissolvem quando um estado ou um grupo de estados pretendem nelas exercer a hegemonia. Assim ocorreu com a Confederação de Delos, que havia unido o mundo grego contra os persas. Ela sucumbiu diante do imperialismo ateniense, que levou à Guerra do Peloponeso. A definitiva dissolução ocorreu com a invasão de Filipe da Macedônia, em 378 a.C. – e a Grécia, também nisso, foi um modelo de todas as confederações e impérios do Ocidente.
O mundo chegou a essa exasperação da crise por falta de estadistas. Chegamos a uma situação na qual Ângela Merkel e Sarkozy resolvem ditar o comportamento dos demais países da Europa, e encontram o contraponto de um velho rival histórico, a Inglaterra – também sob o poder nominal de outro governante medíocre, David Cameron. Todos eles estão fazendo de conta, porque quem está mandando não são eles: é o quase senhor do mundo, o Goldman Sachs Bank que, neste momento, exerce o poder de fato e de direito na Itália, com Mário Monti; na Grécia, com Lucas Papademos; e dirige a economia de todo o continente, mediante o Banco Central Europeu, com Mário Draghi. Todos os três são empregados do Goldman.
Houve, ontem, importante encontro no Itamaraty, promovido pelo Embaixador Gilberto Sabóia, presidente da Fundação Alexandre de Gusmão, para discutir a atualidade das relações internacionais. Foram convidadas personalidades do mundo acadêmico, para tratar do assunto, sob o foco da crise política e econômica mundial. Na parte da manhã, que se concentrou nas relações diplomáticas e no estado político do mundo, intervieram os professores Carlos Milani, da Uerj; João Daniel de Almeida, da Universidade Cândido Mendes; Alcides da Costa Vaz e José Flávio Saraiva, da UNB. Na parte da tarde, dedicada aos aspectos econômicos da crise, falaram Antonio Correa de Lacerda, da PUC, de São Paulo; Antonio Jorge Ramalho Rocha, da UNB; Ricardo de Medeiros Carneiro, da Unicamp, e Márcio Pochmann, presidente do IPEA. Mas, mesmo as análises econômicas foram, como é natural, conduzidas pelas preocupações políticas.
A conclusão de quase todos os expositores é preocupante: temos que mobilizar a nação inteira, a fim de nos confrontar com o futuro em que todos os cenários de catástrofe são prováveis – entre eles os da guerra em prazo curto ou, se dela escaparmos, de nova configuração do poder que não nos serve – se a inteligência do mundo não optar pelo multilateralismo e a autodeterminação dos povos, como regra para a arbitragem dos conflitos.
O problema atual se iniciou com o fim da guerra fria, quando a desregulamentação transferiu para o poder financeiro as decisões políticas, com o esvaziamento dos estados nacionais. Para se ter uma idéia, o mercado de capitais, sob o domínio dos grandes bancos, movimenta hoje de 5 a 6 vezes o PIB mundial – e o de derivativos é também alucinante: seu volume é equivalente a 435 trilhões de dólares, ou seja cerca de 30 vezes o PIB dos Estados Unidos. As instituições criadas com o fim da 2ª Guerra Mundial perderam seu sentido, a partir do Acordo de Bretton Woods, que deixou de existir no momento em que se abandonou o padrão ouro como garantia do dólar norte-americano, por decisão unilateral de Washington. Isso trouxe, na definição de um dos participantes, tempestade de dólares sem lastro sobre o mundo.
A desregulamentação - com o fim do Welfare State - permitiu o desatino, de que hoje todos os povos são vítimas, entregues à voracidade do poder financeiro. Um poder financeiro ( e essa é a opinião do colunista, não do encontro) dominado por criminosos, como os já identificados de Wall Street, entre eles o ex-senador por Nova Iorque e ex-governador de Nova Jersey - depois de ter sido presidente do Goldman Sachs - Jon Corzine, que ontem pediu desculpas aos clientes de sua corretora MF Global. Diz não saber aonde foram parar mais de um bilhão de dólares dos recursos de seus clientes, que ele administrava.
As perspectivas não animam. No melhor dos cenários, como apontou o professor Medeiros Carneiro, a China e os Estados Unidos, em parceria, assumem o condomínio do mundo. No pior dos cenários, o futuro, como vem sendo, será decidido pelas armas.
De um modo geral todos concordaram que nós, brasileiros, temos agido no caminho certo. Mas ainda é pouco: é necessário investir pesado na educação. Temos muitas universidades e muitos alunos, mas, com a exceção dos centros de excelência das universidades públicas, a qualidade do ensino é lastimável. Como assinalou Pochmann, só temos 5% dos jovens na idade própria freqüentando as universidades, enquanto no Vietnã – massacrado e arrasado pelos norte-americanos – essa relação é de 34%. Como sabemos, o problema é de base: a educação elementar, no Brasil, é das piores do mundo.
Pochmann demonstrou que as grandes corporações associadas ao capital financeiro, dominam hoje o mundo: os ativos dessas grandes empresas transnacionais correspondem a 47% do PIB mundial. Não se subordinam aos estados nacionais: os estados nacionais é que se subordinam aos seus interesses.
O Embaixador Baena Soares, que moderou o encontro da manhã, lamentou a ausência da imprensa, em dois encontros internacionais ocorridos recentemente em Manaus, um deles entre todos os paises que compartilham da soberania amazônica. Em tom bem humorado, lamentou que Lady Gaga ali não estivesse, para atrair todos os grandes meios de comunicação. No encontro de ontem, no Itamaraty, estava presente um atento jornalista chinês, o que não deixa de ser uma advertência.

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10 de dez. de 2011

OS ESTADOS UNIDOS, O SOLDADO MANNING E O PROBLEMA DA LEALDADE


Os Estados Unidos se preparam para o julgamento do soldado Bradley Manning, que entregou ao WikiLeaks a correspondência diplomática secreta de seu país. A discussão transcende às leis penais, para situar-se na definição ética do que é lealdade e do que é traição.
É difícil estabelecer o ato de traição, sem que se identifique profundamente as razões do traidor e do traído, associadas aos sentimentos de um e de outro. Quando o traído é uma pessoa, é mais fácil entender as razões ou desrazões morais do ato. As traições amorosas se situam nesse campo. Até faz pouco tempo, em muitos países e no Brasil, o adultério era punido pela lei, mas a realidade superou o Código Penal. Só as sociedades teocráticas, como as islamitas, mantêm o rigor da lei mas, no caso, só contra as mulheres.
As traições pessoais, menos aquelas que envolvam dinheiro, e podem ser levadas aos tribunais, são resolvidas no mesmo plano. Os traídos perdoam ou não os traidores; os que se sentem mais feridos alimentam o ódio ou se refugiam no desprezo ao traidor. Mas quando se trata da traição às comunidades nacionais, a situação é de análise muito mais difícil.
O que separa o herói do traidor? Borges tem um conto muito interessante sobre o tema, com hipotética situação na Irlanda do século 19, que Bertolucci aproveitou, atualizando-o para os tempos de Mussolini, com o filme “A estratégia da aranha”. O escritor não toma partido, e deixa a dúvida se Fergus Kilpatrick fora herói ou traidor, mas deixa entender que na face do herói podem estar as marcas do traidor – ou o contrário.
Será traidor aquele que se orienta por sua consciência, e considera necessário sacrificar os planos de ação, a fim de evitar o sacrifício inútil de vidas? Como estabelecer essa diferença dramática entre o traidor e o herói? Tomemos dois casos conhecidos, o de Calabar, que ficou ao lado dos holandeses, e o de Tiradentes. Os defensores da memória de Calabar afirmam que, para o Brasil, melhor teria sido a colonização holandesa. A história lhes retira a razão: se os holandeses houvessem expandido sua presença a todo o país, o nosso destino teria sido, provavelmente, o da Indonésia. E outros seriam os habitantes de nosso país, não exatamente nós mesmos.
Tiradentes era sub-oficial da Cavalaria da Tropa Paga das Minas. Servia, assim, às forças armadas da Coroa Portuguesa. Para os julgadores de seu tempo, ele traíra a Rainha de Portugal e os seus companheiros de farda, ao participar da Conjuração que tinha como objetivo final a independência das Minas e do Brasil, e, como objetivo imediato, a prisão e a possível execução do governador da Capitania, o Visconde de Barbacena.
Poucos foram os habitantes da Capitania que, naquele momento, o viram como herói. Além dos intelectuais, sacerdotes e comerciantes que participaram da Conspiração, só lamentaram, no momento dos fatos, sua prisão e sua morte, com os requintes de crueldade física e moral conhecidos, homens do povo, que dele se lembravam em sua pregação nacionalista em suas viagens pelos sertões. O reconhecimento público do heroísmo de Tiradentes e de sua profunda razão ética na busca da independência, como realização da solidariedade nacional, só viria muitos anos depois.
O primeiro ato de reabilitação se deve a José Benedito Ottoni, pai dos irmãos Ottoni que, logo depois da Independência, e como vereador em Vila Rica, sugeriu e obteve a retirada do padrão de ignomínia que havia sido erguido na cidade, como repúdio à “traição” de Tiradentes. Recorde-se que a cabeça do Alferes, que deveria permanecer no alto desse poste, “até que a consumisse o tempo”, foi retirada de lá, poucos dias depois de colocada, por mãos até hoje desconhecidas e corajosas, e enterrada em algum lugar de Ouro Preto, não se sabe onde.
No raciocínio dos partidários de Portugal, o herói fora Joaquim Silvério dos Reis, que mantivera (pouco importa conhecer as suas razões) fidelidade à Rainha, em carta manuscrita de denúncia da conspiração, enviada ao Governador da Capitania. A reabilitação oficial da memória de Tiradentes viria, com a iniciativa de Mário Soares, que, presidente de Portugal – e em cerimônia no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte – decretou o fim do labéu de ignomínia que, imposto pelo Estado monárquico português, ainda pesava sobre o Alferes e seus descendentes.
Uma visão pragmática da História mostra que os heróis estão sempre no campo vitorioso, ainda que a vitória, como a liberdade que Tiradentes pretendia, tardasse no tempo. Os americanos têm um traidor exemplar, na figura de Benedict Arnold, que desertou as tropas revolucionárias, passando ao inimigo britânico. Os norte-americanos não conseguiram prende-lo e enforcá-lo, mas os próprios britânicos, passada a sua utilidade, deixaram-no morrer quase à míngua em Londres. É certo que, se os britânicos houvessem sido vitoriosos, o busto de Arnold estaria em algum lugar de Londres, como se encontram as estátuas de Nelson e Wellington.
Bradley traiu quem? O governo belicista dos Estados Unidos, servidor do famoso Complexo Industrial-Militar, denunciado pelo presidente Eisenhower, herói da 2ª Guerra Mundial, ou a nação americana que, em tese, o julgará? Traiu os seus companheiros de farda, ou um sistema de poder mundial responsável pela morte de centenas de milhares de pessoas inocentes, nos países mais pobres do mundo, mediante as guerras de conquista, os golpes de Estado, como os que sofremos na América Latina? Quem trai, trai sempre em troca de algum benefício. Bradley não agiu em benefício de si mesmo, desde que não recebeu qualquer compensação pelos seus atos, nem se pode dizer que tenha passado as informações de que dispunha, diretamente para os “inimigos” escolhidos pelo governo de seu país.
Um juízo rápido, provavelmente superficial, mas indicado pelas informações disponíveis, pode identificar Bradley como um jovem inquieto, preocupado com as crueldades da guerra de que participava, com a segurança real e a felicidade de seu povo. Em favor da Nação - essa é a idéia que se impõe no exame de seu caso - ele se colocou contra o Pentágono e contra a diplomacia cínica, hipócrita e prepotente de seu governo.
De acordo com os observadores, ele poderá ser condenado à prisão perpétua, mas, provavelmente, um dia, seus atos serão vistos como heróicos.

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5 de dez. de 2011

A EUROPA E AS LIÇÕES DA HISTÓRIA - NOVO MOVIMENTO NA ESCALADA DA GUERRA.


“A Primeira Guerra Mundial foi um trágico e desnecessário conflito” – assim se abre o excelente estudo do historiador britânico John Keegan sobre aquele confronto. Todas as guerras são uma só e permanente, iniciada não se sabe quando. Os raros períodos de paz têm sido os das tréguas impostas pela exaustão.
Em 1922, desmobilizado depois da derrota de seu país, o cabo Adolfo Hitler conclamaria a Alemanha à desforra: “não é possível que dois milhões de alemães tenham sido mortos em vão. Não podemos perdoar, nós queremos vingança”.
O confronto de 1914-1918 teve sua origem em outra guerra ocorrida quatro décadas antes, entre a França e a Alemanha. Como a mentira e a provocação são sempre instrumentos do poder, a guerra de 1870 fora provocada pela jogada de Bismarck, falsificando um telegrama que narrava encontro entre o embaixador da França, Conde Benedetti, e o rei Guilherme I, no balneário de Bad Ems. A conversa ocorrera em termos corteses, com o soberano alemão se negando a aceitar uma reivindicação da França. Bismarck mudou os termos do telegrama, afirmando que o embaixador e o rei se haviam insultado mutuamente, chegando quase aos bofetões. Divulgado o texto fraudado, a opinião pública dos dois paises exigiu a guerra – e a França caiu na armadilha, declarando-a em primeiro lugar, em julho de 1870.
A Alemanha em pouco tempo levou suas tropas a Paris. Bismarck se apossou logo da Alsácia e da Lorena, com a desculpa de que necessitava proteger-se no futuro contra o inimigo vencido. Lord Salisbury, depois primeiro ministro da Inglaterra, fez o alerta contra tal pretensão, em artigo publicado no calor dos fatos, em outubro de 1870, na famosa Quarterly Review. Escreveu o estadista que “as outras nações da Europa são levadas a deduzir que devem temer mais a intoxicação de uma Alemanha triunfante, do que uma França diante da violência e da Revolução. Uma Alemanha pacífica é apenas conversa de diplomatas. Nada existe na História para justificar semelhante situação”.
“Dia virá – diz Salisbury em outra passagem – no qual os sonhos ambiciosos da Alemanha virão chocar-se, em seu caminho, com um povo suficientemente forte para por os seus ressentimentos à prova. Esse dia será, para a França, o da restituição e o da revanche”.
Por duas vezes, em 1918 e em 1945, a Alemanha pagou pelas suas ambições. Na Primeira Guerra Mundial, a aliança entre a França e a Inglaterra, com a contribuição norte-americana, levou-a ao chão. Os sentimentos de revanche, capitalizados por Hitler, conduziram-na novamente ao desvario. Desta segunda vez, não obstante a brava resistência da Grã Bretanha e a ação interna dos patriotas dos países ocupados - além da contribuição de países como o Brasil, que enviou 25 mil homens para combater os nazistas e fascistas na Itália - o povo mais forte foi o da União Soviética. Quem derrotou a Alemanha foi o Exército Vermelho, a partir da heróica reviravolta de Stalingrado, até sua chegada a Berlim.
A Europa atual, em lugar de ter aprendido com o passado, parece ter perdido de vez a lucidez. Não há mais Salisbury, Disraeli, ou Churchill, entre os ingleses, mas pigmeus, como David Cameron e seus antecessores imediatos. No resto da Europa, o cenário é o mesmo. Incapazes de governar, posto que desprovidos de inteligência política, os simulacros de governantes entregam o poder aos banqueiros e a consultores empresariais. Como comediantes, lêem discursos que correspondem aos interesses dos reais donos do poder, e se reúnem com seus pares, fazendo de conta que lideram: não passam de meros delegados dos grandes banqueiros.
Ao mesmo tempo, cresce, na França e na Inglaterra, mas também na Itália e na Espanha, uma tendência a retomar, assimilar e assumir o espírito germânico de conquista e domínio, tão bem identificado por Salisbury há 140 anos. É assim que podemos ver a mobilização acelerada de Paris e Londres, sob o patrocínio norte-americano, contra o Irã e a Síria. Não é a violação dos direitos humanos, que eles mesmos desrespeitam em seus países, a movê-los – mas a hipótese, cada vez mais provável, de que as manifestações de inconformismo dentro de suas próprias fronteiras passem do protesto à revolução.
A deplorável e estranha invasão da embaixada britânica em Teerã, não era de interesse de Ahmadinejad. O governo inutilmente pediu desculpas e prometeu punir os responsáveis - mas isso não bastou. O tom irado e belicoso subiu nas chancelarias da Europa Ocidental. Repete-se a mesma história: a fim de obter a coesão interna, diante da insatisfação crescente de seus povos contra o neoliberalismo, apela-se para o falso patriotismo e a xenofobia. A guerra de agressão pode ser o passo seguinte.
É nesse cenário que vemos a alteração geopolítica do mapa mundial, com suas perspectivas e prováveis conseqüências. Os grandes países emergentes – China, Rússia (que reemerge) Brasil e Índia – deixaram claro que não admitem a intervenção na Síria, nem no Irã, fora dos mandamentos da Carta das Nações Unidas. Os russos mantêm uma base militar no porto sírio de Tartus – equipada com foguetes de defesa aérea de alta eficiência – e naves militares bem equipadas para uma guerra no Mediterrâneo. Os chineses têm também navios de guerra patrulhando aquele grande mar interior.
Os norte-americanos, em sua velha insensatez, parecem desafiar Moscou, ao anunciar que deixarão de cumprir certas cláusulas do Tratado das Forças Militares na Europa, no que se refere à Rússia. Esse tratado reduzia a presença de exércitos e armas convencionais no Continente, e o aviso prévio e recíproco entre Washington e Moscou de seu deslocamento militar na região. O tratado foi cumprido rigorosamente pelos russos, que fizeram recuar grande parte de suas tropas para além dos Urais.
Um ataque à Síria exigiria neutralizar o poder russo na base de Tartus, e é quase certo que haveria retaliação. Por outro lado, o Irã está muito perto da Rússia, e uma ação da Otan naquele país ameaçaria diretamente a segurança de Moscou.
Essa razão levou os Brics a aconselhar negociações com o governo de Teerã, em busca da paz na região, e a condenar qualquer iniciativa que viole os princípios da Carta das Nações Unidas. Um desses princípios é o da autodeterminação dos povos. O entendimento desses países, no encontro de Moscou, revela uma entente bem clara entre a China, a Rússia e a Índia, no espaço eurasiático, com todo o seu poderio militar (incluídos os arsenais atômicos), ao lado do Irã e da Síria.
A declaração oficial da diplomacia russa sobre a ameaça à Síria não poderia ter sido mais explícita, quando afirma que “ a situação dos direitos humanos em um ou em outro país pode ser, evidentemente, objeto de preocupação internacional, mas em nenhum caso se pode admitir que questões de direitos humanos sejam usadas como pretexto para qualquer tipo de intervenção nos assuntos internos de estados soberanos, como se vê hoje, no caso da Síria. Cabe aos sírios decidir sobre o próprio destino, sem qualquer ‘empurrão’ vindo do exterior. A Rússia de modo algum aceita cenário que inclua a intervenção militar na Síria”.
Por detrás da Europa, há a ação permanente dos Estados Unidos, a proteger Israel e a instigar Londres e Paris à agressão, na esperança de, como das outras vezes, impor sua “paz” ao mundo. Uma paz que, em 1945, lhes trouxe o controle das matérias primas mundiais, entre elas, o petróleo, e a cômoda situação de únicos emitentes de moeda no planeta.
Estamos à margem de um conflito que, se ocorrer, será tão trágico, ou mais trágico, do que os outros. Enfim, a paz sempre depende da vontade de que haja paz para todos - com equidade e justiça.

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1 de dez. de 2011

A REY MUERTO, REY PUESTO.O ENTERRO DA “IBEROAMERICA” E O BATISMO DA CELAC.

Não faz mais de um mês, em Assunção, no Paraguai, foi sepultado, sem choro e sem velas, o projeto neocolonial que embalou os sonhos da Espanha, nos anos 90, de voltar a exercer, com a ajuda de conhecidos neoliberais de plantão, algum poder real na América Latina.



Naqueles anos nefastos, de submissão e desnacionalização da economia, os espanhóis, do alto da ilusão conquistada pelo dinheiro recebido a fundo perdido dos países mais ricos da Comunidade Européia - e graças aos baixos juros cobrados pelos bancos europeus, quando comparados com o preço do dinheiro na América Latina - compraram dezenas de nossas empresas, e tentaram institucionalizar o termo “iberoamérica” para referir-se a este pedaço do planeta. Acreditavam que eram a oitava economia do mundo e que iriam sentar-se à mesa do G-7.



Hoje, o G-7, substituído de fato pelo G-20 - clube do qual a Espanha não faz parte - é uma ficção estratégica. O grupo do qual mais se fala, na mídia internacional, atende pelo nome de BRICS. Consolidaram-se, na América do Sul, o Mercosul, a UNASUL e o Conselho de Defesa Sulamericano. A Espanha está a dois passos de falir, com uma dívida externa de 165% do PIB e mais de 22% de desemprego.



Foi nessa situação, de duro aprendizado histórico, que os espanhóis insistiram em organizar, nos últimos dias de outubro, na capital paraguaia, mais uma cúpula “iberoamericana”.



Para a reunião, trouxeram o então primeiro-ministro José Luis Zapatero, e o Rei Don Juan Carlos, que ficaram – como bons navegantes – a ver navios, já que os presidentes da Argentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Honduras, Nicarágua, República Dominicana, Uruguai e Venezuela não compareceram.



Trinta dias depois, o Presidente Hugo Chaves (a quem o Rei da Espanha ousou lançar, com arrogância, a ofensa de um por que no te callas ? ) exercita, com prazer, a oportunidade de colocar - com um belíssimo tapa de luvas - sua majestade em seu devido lugar, recebendo, com pompa e circunstância, entre hoje e terça-feira, 32 Presidentes e Chefes de Estado de paises ao sul do Rio Grande, para a reunião de fundação, em Caracas, na Venezuela, da CELAC - Comunidade dos Estados da América Latina e do Caribe.



A organização da CELAC mostra que no início deste século XXI, nós já estamos maduros para discutir nossos próprios assuntos e forjar, com base na cooperação e no respeito mútuo, nosso destino, sem a presença incômoda, quando não constrangedora, dos Estados Unidos, de Portugal e da Espanha.



O slogan da cúpula de Caracas já diz tudo: CELAC - El camino de nuestros Libertadores. O sonho de Simon Bolivar e do brasileiro Abreu e Lima, que foi seu general na gesta libertadora por uma América Latina livre e mais unida, estará, a partir da próxima semana, mais perto de se realizar.

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