(JB) - Mesmo nas guerras mais duras, é comum, no Ocidente cristão, que haja uma trégua no Natal, ainda que limitada a algumas horas. Na política, atividade que existe exatamente para impedir as guerras sangrentas, esses dias de fim de ano induzem à interrupção dos embates, retóricos ou não, e é normal que os adversários se congratulem mutuamente. Ainda que seja pelos ritos de cortesia, impera a idéia de que somos iguais, portadores da mesma humanidade daquele rapaz de Nazaré, que maravilhava, quando menino, os doutores do templo e conduzia multidões pela força de sua doutrina - a de absoluta igualdade entre todos os homens.
Mas não devemos confiar muito em que a paz prevaleça nas próximas horas. Há sempre o perigo de algum desatino. Já tivemos fins de ano encharcados de sangue inocente – e não foram poucos. É de se recordar que havia, no fim de 2008, uma trégua entre Israel e os palestinos de Gaza, quando, às 11.30 do dia 27 de dezembro, o governo de Tel-Aviv iniciou o bombardeio da cidade. Era a hora em que a maioria da população se encontrava nas ruas, por ser sábado, e em que menos se esperava uma ação dessa natureza, porque o sábado é sagrado para os judeus. Em quatro minutos caíram mais de cem bombas sobre o centro de Gaza. As revelações posteriores trouxeram mais susto do que as imagens das explosões, transmitidas em tempo real pela televisão. Os agressores usaram munições especiais, à base de tungstênio, e não hesitaram em usar fósforo branco contra a população civil.
Antes, em 30 de dezembro de 2006, quando todos festejavam o fim de ano, o governo títere do Iraque recebia um presente de George Bush: o prisioneiro Saddam Hussein, para ser enforcado, depois de um julgamento parcial, sem direito a uma defesa conforme os costumes internacionais. Hussein talvez tenha sido tudo o que dele disseram seus inimigos, internos e externos, mas seu regime sempre foi visto como o menos sectário de sua área. Depois dos dez anos de bombardeio sistemático do Iraque pelos governos do primeiro Bush e de Clinton – nisso, republicanos e democratas sempre se entendem – o país não constituía qualquer ameaça a seus vizinhos, e como o mundo veio a saber, tampouco dispunha das tão denunciadas armas de destruição em massa.
Os que viram as imagens de Saddam, ao ter a corda atada a seu pescoço, a queda do alçapão e seu corpo estirado depois da morte, não podem negar que a sua atitude foi de absoluta dignidade. Ele não tinha os olhos de quem pedisse piedade, mas de quem desdenhava os seus carrascos que, não obstante toda a proteção americana, pareciam amedrontados. A face de Saddam, diante da morte, não era a de um homem com medo.
Em Gaza, dois anos depois, milhares de pessoas, mas principalmente as mais indefesas, como os velhos, as mulheres e as crianças, foram mortas e mutiladas. E tal como ocorrera antes, nos dez anos de bombardeio contra o Iraque, as crianças foram as mais sacrificadas, acometidas de enfermidades, como a leucemia, provocadas pelas munições especiais, ao que se informa, fornecidas a Tel-Aviv pelos norte-americanos.
Israel não se contentou com pouco: as ações militares duraram 22 dias. E, em coerência com o ódio com que foram desfechadas, receberam a denominação de Operação Chumbo Fundido pelos agressores. Tratou-se de arrogante forma de acrescentar o tripúdio à brutalidade.
O mundo assistiu, estarrecido, àquelas cenas, que chocaram também grande parte da população israelense. Houve a decisão deliberada de arrasar a parcela do território palestino destinada a amontoar um povo confinado e submetido às mais terríveis condições de sobrevivência.
Na Europa, o clima é também de confronto. Escaldados por três guerras sucessivas, no curso de setenta anos (a de 1870, com a Guerra Franco-Prussiana, a de 1914-18 e, finalmente, a Segunda Guerra Mundial, de 1939-45) os franceses e alemães se unem, com a presunção de que podem dominar o continente. A Europa que era dos seis, e chegou a ser dos 27, passa a ser a Europa dos dois. Embora esteja sendo contestado até mesmo por muitos de seus cidadãos, o conservador David Cameron (em todo o resto, governante menor) parece ter razão. Sua moeda não é o euro; não tem, portanto, que submeter sua política fiscal aos interesses de Berlim e de Paris.
Quando passarem estas semanas, e a vida voltar a seu curso, será difícil impedir a emersão das divergências, e novas dificuldades para a região, que sempre se considerou o centro do mundo e da civilização.
No Brasil o fim de ano está um pouco inquieto. A probabilidade de que, a pedido do deputado Protógenes Queiroz, se convoque uma Comissão Parlamentar de Inquérito para reexaminar o processo da privatização das empresas estatais, faz subir a tensão dos meios políticos. A essa tensão se acrescenta outra, a da reação corporativa do poder judiciário a que seus membros tenham a vida investigada por uma instituição criada legalmente para isso. É difícil aceitar que a transparência seja danosa, a não ser para aqueles que preferem a opacidade. De qualquer forma, o recesso parlamentar servirá para a preparação do novo ano, e dará à Presidente da República o tempo necessário à meditação e à escolha de novos ministros de Estado.
Nota: Retribuo aos leitores os votos de boas festas recebidos e desejo a todos muita paz, muita alegria, muita fraternidade.
Prezado jornalista.
ResponderExcluirSou leitor assíduo de seus escritos e por isso mesmo tenho-lhe um imenso respeito como ser humano e como jornalista. Discordo no entanto pela sua comiseração em relação a Saddam Hussein. Foi um carniceiro e mereceu o fim que teve. Depois de ler o livro do jornalista Robert Fisk não há como ter a menor compaixão pelo abutre. Só lamento não ter havido um julgamento internacional para todo o mundo ficar sabendo do papel desempenhado pelos governos ocidentais em apoio ao carniceiro de Tikrit, fator fundamental na rapidez do seu julgamento e morte.
Um grande abraço e felizes anos novos.
Saddam cometeu seus erros, meu caro Luiz Carlos. Mas o seu país não precisava ser destruído, com mais de 100.000 mortos civis, para que pagasse por eles. E, como você mesmo lembra, por inimigos hipócritas que o apoiaram durante tantos anos, enquanto isso lhes foi conveniente. Tudo isso feito, em cima de falsos pretextos, como o da existência no Iraque de armas em destruição em massa.
ResponderExcluirGrande abraço também, e saúde e paz em 2012.
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