As notícias de que tribos indígenas estão cedendo os direitos sobre suas terras a empresas estrangeiras e de que o Governo Federal pretende entregar, à iniciativa privada, um milhão e quatrocentos mil hectares de território amazônico para a exploração legal de madeira, de forma sustentável e controlada, nos conduzem a algumas reflexões.
Em primeiro lugar, como no caso clássico do marido traído que resolve o problema tirando o sofá da sala, trata-se de uma confissão explícita do governo – e da Nação, diante de outros países - de que não temos competência para cuidar da questão amazônica.
Em segundo lugar, o problema dessa vasta região não se resume à exploração ilegal de madeira, embora essa atividade possa ser vista como a ponta do iceberg da verdadeira casa de mãe joana em que se transformou a maior selva tropical do planeta.
Como vamos resolver o problema do garimpo e da mineração ilegal? Do garimpo e mineração legalizados, que descumprindo normas, atentam contra o meio ambiente? E o do roubo de espécimes animais e vegetais para a pesquisa biotecnológica em terceiros países? Entregando também essas áreas para empresas privadas? Se o Estado, hoje, não consegue controlar o que ocorre nessas imensas áreas, como ele o fará depois que elas forem transferidas oficialmente para particulares pelo prazo de 40 anos ?
Quem vai impedir que a empresa que recebeu uma concessão para retirar madeira não se sinta tentada a exercer outras atividades, se ao abrigo das copas das árvores, um funcionário topar com uma jazida de nióbio, ou de terras raras, com depósitos de petróleo, com um veio de ouro, ou com esmeraldas ou águas marinhas, ou com fósseis pré-históricos?
Como o Estado vai evitar que pesquisadores estrangeiros se associem a essas empresas para explorar, com a proteção de seus donos e seus seguranças, a biodiversidade local?
Como se assegurará a garantia dos direitos de posseiros ou da população ribeirinha dos cursos de água localizados nesse um milhão e quatrocentos mil hectares de solo ?
Muitos podem alegar que o governo não tem recursos para fazer valer a sua presença e exercer a sua responsabilidade na Amazônia. Que esse tipo de coisa, como costuma dizer a velha cantilena privatizante, não é obrigação do Estado, que deve, prioritariamente, se preocupar com a educação, com a saúde, com a segurança.
A verdade, no entanto, é que não podemos aceitar que a Amazônia seja transformada em um problema incômodo do qual o país tenta se livrar – e livrar-se da sua responsabilidade – empurrando-o para as mãos de terceiros.
A Amazônia, assim como o pré-sal, é um imenso patrimônio econômico e estratégico, que precisa ser racionalmente explorado, com participação direta do Estado, em benefício de todo o povo brasileiro.
Como conseguir dinheiro para fazer isso, ou seja, fiscalizar o que se passa nessa imensa região, e, ao mesmo tempo, gerar milhões de empregos, na exploração de seus imensos recursos florestais, minerais, hídricos, biotecnológicos ?
O governo poderia pensar em constituir, por meio do BNDES, uma empresa chamada Amazônia Brasileira S.A, e dentro dela, ao mesmo tempo uma holding e um guarda-chuva institucional, divisões independentes para cuidar das diferentes áreas de interesse, como biotecnologia, mineração, pesca e aquicultura, turismo, etc.
O segundo passo o de lançar uma OPA na Bolsa de Valores de São Paulo, para levantar, como ocorreu com a capitalização da Petrobras, 20 ou 40 bilhões de reais necessários para iniciar o projeto, com base em participação do Estado, de capitais privados nacionais e de participação de capitais estrangeiros, assegurando-se ao governo a palavra final, na direção da empresa, e por meio de uma golden share.
A Amazônia Brasileira S.A, seguindo as experiências da TVA (Tennessee Valley Authority, criada por Roosevelt em 1933) e da nossa Petrobras, poderia abrigar o interesse nacional e o capital de grandes mineradoras, como a Vale, de empresas madeireiras, moveleiras e de celulose, de piscicultura, hotelaria, transporte fluvial, de laboratórios interessados em explorar o potencial ainda quase virgem da biodiversidade amazônica, aproveitando o momento de grande liquidez do mercado internacional e a disponibilidade de capital de nossos parceiros do BRICS, por exemplo.
Em poucos meses, poderiam ser criados, para a população amazônica e para brasileiros de todo o país, milhares de empregos diretos e indiretos, ocupando de simples vigias a cientistas e pesquisadores, na esfera de influência e nos diferentes ramais de atuação da Amazoniabras e implementação da infra-estrutura e da logística necessárias para atendê-la.
A presença de uma empresa desse porte, e com esse poder – o poder do Estado no seu controle – inibiria a atuação de garimpeiros e exploradores ilegais de madeira, o desmatamento seria mais eficazmente combatido, acabando com a cultura de impunidade e desatado “laissez-faire” que impera em imensas porções desse território.
Entregar a Amazônia a terceiros, porque se pensa que a Nação não tem condições de cuidar dela, é um crime e um absurdo. Para combater a exploração ilegal de madeira, basta decisão política, como uma lei proibindo o transporte de madeira por caminhões não monitorados por satélite . A criação de uma recompensa, de quarenta por cento do valor arrecadado com a venda da madeira apreendida, para o agente que fizer a apreensão. Outro recompensa, de dez por cento do valor arrecadado, para quem tiver denunciado o carregamento ilegal. Além disso, com meia dúzia de computadores na sede do Ministério do Meio Ambiente, ou do IBAMA, se faria o controle do tráfego desses veículos dentro de limites previamente estabelecidos para a extração legal de madeira, monitorados via GPS. Fora desse limite, qualquer veículo transportando madeira dentro da região amazônica seria imediatamente e legalmente apreendido e sua carga seria confiscada e doada a cooperativas moveleiras destinadas a agregar valor á madeira. Getúlio fez a Petrobras, Juscelino construiu Brasília. Se Dilma fundar uma grande empresa mista voltada para apoiar o desenvolvimento econômico e social da Amazônia, a marca do seu governo sobreviverá para sempre no futuro.
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3 comentários:
Excelente ideia. Parece-me, no entanto, que o atual quadro político-cultural não é propício a tal empreitada.
Financeira, econômica, científica e tecnologicamente o projeto é plenamente factível, mas a vulnerabilidade ideológica brasileira, de fácil exploração pelos detentores do poder informacional e psicológico, constitui, ainda, óbice intransponível a qualquer poítica autônoma de grande vulto.
A vulnerabilidade ideológica brasileira, tão habilmente descrita pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães no capítulo 7 de seu "Desafios brasileiros...", tem como um de suas facetas a crônica falta de poder informacional, o que faz do Brasil especialmente suscetível a operações psicológicas.
O povo brasileiro é facilmente jogado contra a sua própria nação. Não se trata, claro, de característica exclusivamente brasileira, mas, aqui, o questão ganha especial importância frente ao gigantesco potencial material do Brasil.
De qualquer maneira, brilhante a sugestão!
Excelente artigo e sugestões. Mais uma vez, parabéns ao jornalista Santayana
uma excelente proposta que deveria ser formalmente apresentada; discordo do comentario acima sobre a inviabilidade politica da proposta; dilma tem apoio popular suficiente pra aprovar qualquer projeto, desde que bem conduzido pelas lideranças competentes que ainda existem no congresso; a amazonia, como o pré sal, é um tema de interesse nacional, supra partidario, e assim como o congresso aprovou o sistema de partilha na exploração do pré sal, mais conveniente aos interesses país, aprovaria tambem a criação de uma estatal pra cuidar também da amazonia; quando nada porque se abririam novas areas de cobiça cobiça pros nobres parlamentares.
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