8 de mar. de 2012

VOZES DO PASSADO, DESAFIOS DO PRESENTE


Os militares queassinaram manifesto de insubmissão ao governo parecem perdidos no passado, mastambém presos ao passado se encontram algumas personalidades políticas civis.Os oficiais da reserva, que acompanham os presidentes dos clubes das trêsarmas, não podem contestar a autoridade do Ministro Celso Amorim. Ele tem todaa legitimidade constitucional para exercer o cargo em sua plenitude. Foinomeado por uma presidente, eleita pelos cidadãos brasileiros, não só para a chefia de governo, mas, principalmente, comoChefe de Estado. Mesmo que não pertençam mais aos quadros da ativa, osmilitares estão sujeitos ao dever de obediência ao comandante supremo dasForças Armadas, e esse comandante é Dilma Roussef. Sua autoridade é a de todo opovo brasileiro, conforme o sistema republicano que a Constituição Federalconsagra.
É hora de entender-se uma coisasingela: os militares não são os tutores políticos e ideológicos da nação. Elessão servidores do povo, e servidores com uma responsabilidade ainda maior,decorrente, mesmo, da grandeza de sua missão. Ao ingressar nas academiasmilitares e alistar-se nos exércitos de terra, mar e ar, os jovens secomprometem a defender o país e suas instituições. Infelizmente essecompromisso foi violado em tempos passados.
A nação reagiu contra o regime militar de 1964. A partir de pacientetrabalho em favor da democracia, que envolveu civis e militares, foi possível a transição de 1985 ea nova Carta Política de 1988.
Tratou-se, sim – e não nosenvergonhemos, de um lado e de outro – de exaustivas e pacientes conversações,discretas ou públicas, que levaram à anistia recíproca, em 1979, como oprimeiro passo para o retorno ao estado de direito. O ato de 1979 levou àrestauração das eleições diretas para os governos dos Estados, em 1982, com avitória da oposição nos mais importantes deles. A partir de então – e isso éHistória – Tancredo Neves pôde conduzir o processo, tecendo, com habilidade, aaliança política que atraía para o centro os setores mais lúcidos da esquerda edas forças conservadoras. Ele mesmo, em mais de um discurso, deixara claro quenão se pretendia a construção de um movimento que fosse governar para sempre.Tratava-se de construir um governo de conciliação e de transição: quando o paísse estabilizasse politicamente, com novaconstituição, cada um dos grupos políticos da aliança, com suas idéias econvicções, buscaria seu próprio curso.
A oposição, embora tivesse a plenaconsciência de que não cometera qualquer crime, mas, apenas, exercera o sagradodireito da resistência, anuiu na solução política de que a anistia consistiriano esquecimento dos atos de violência cometidos dos dois lados. As negociaçõespolíticas se exercem no campo da possibilidade. O propósito era o de fechar umcapítulo penoso da História e dar oportunidade para a conciliação, como, deresto, outros capítulos difíceis haviam sido fechados com o mesmo tirocínio, nopassado, desde as insurreições do século 19, com as anistias concedidas por sugestãodo maior chefe militar do Império, o Duque de Caxias.
Vale a pena, para entender as razões políticas do pactoque se estabeleceu, ler o item 17, do parecer que o futuro Ministro do STF,José Paulo Sepúlveda Pertence redigiu, em nome da Ordem dos Advogados doBrasil, sobre a lei de anistia proposta pelo Governo:
“Nem a repulsa que nos merece atortura impede reconhecer que toda amplitude que for emprestada ao esquecimentodesse período negro de nossa História poderá contribuir para o desarmamentogeral, desejável como passo adiante no caminho da democracia”. O Brasil não se podia dar o luxo de viver emsobressaltos institucionais em cada geração, como vinha ocorrendo em nossahistória republicana.
A lei da anistia, examinada eaprovada pelo Congresso Nacional, pode não ter sido a melhor para nenhumadas partes, no momento em que foipromulgada. Tratou-se de um pacto, e nos pactos, cada um dos pactuantes perde,para que todos ganhem. Nós estávamos construindo a paz, e a paz tem os seuscustos. É melhor que esses custos tenham sido e continuem sendo políticos. OSupremo Tribunal Federal, como o guardião da nossa Carta Política, confirmou,pçor 7 votos a 2, a constitucionalidadeda anistia, ao aprovar o voto do relator da Adin proposta pela OAB, o MinistroEros Grau. Grau se lembrou que a anistia de 1979 fora aprovada pela mesma OAB,que vinha refutá-la em abril de 2010.
Há, e respeitemos as suas razões, quempretenda revogar uma lei, resultado de compromisso político nacional, negociadopor quem tinha o poder de fato, por um lado, e o poder político, do outro. Aspessoas, atingidas pela repressão, diretamente, ou em seus familiares e amigos,têm, em seu sofrimento, o direito sagrado de exigir a punição dos culpados,diretos ou indiretos, pela tortura e a morte das vítimas. Mas o Estado, em suaperenidade como organização política das sociedades nacionais, não tem, nempode ter, emoções. As ideologias e doutrinas se alternam nos sistemasrepublicanos, mas a república deve ser, em si mesma, uma realidade blindadacontra as paixões.
Sendo assim, embora as organizações sociais epartidos políticos possam, dentro das liberdades civis de um país democrático, pedira revogação de uma ou outra lei, os servidores do Estado, que participem damesma opinião, estão obrigados ao obsequioso silêncio. Eles acompanham, em seusdeveres, o juramento prestado pelo Chefe de Estado, que é o de cumprir e fazercumprir a Constituição e as leis.
Alega-se que outros países – e, nocaso, o exemplo maior é o da Argentina – já revogaram leis semelhantes, mastemos que examinar as nossas próprias razões e interesses. Desde aIndependência, mesmo com os embates sangrentos internos, nós sempre nosorientamos pela idéia de que o papel da política é o de construir a paz, e que– para lembrar uma frase de Tancredo – a lei deve ser a organização social da liberdade.Foi com o propósito de assegurar a liberdade permanente do povo brasileiro quese negociou a anistia. Tampouco podemos admitir a interferência da OEA – amesma OEA que bem conhecemos – e de órgãos secundários da ONU, em nossosassuntos internos. A OEA, como todos sabemos, autorizou a invasão de paíseslatino-americanos soberanos, a serviço de Washington, e a ONU autorizou ainvasão do Iraque pelos Estados Unidos. Assim como repudiamos a intervençãodesses organismos internacionais em outros países, com razões muito maisfortes, não admitimos que venham impor suas decisões contra a soberanianacional. E mesmo que houvesse todas as razões para essa interferência – o quenão é o caso – não podemos admitir a violação do princípio da auto-determinaçãodos povos. Quando admitimos essa violação por um bom motivo – e repetimos, nãoé o caso – temos que admiti-la sob qualquer pretexto.
Reabrir um confronto entre militarese civis, que se fechou com os entendimentos de há 33 anos, é um erro que, nestafase de turbulência histórica no mundo, não nos podemos permitir. Permiti-loserá enfraquecer-nos no momento em que devemos reunir todos os esforços a fimde garantir a soberania nacional, diante da escancarada cobiça externa sobre osnossos imensos recursos, naturais e humanos. Mordendo os próprios dentes dentrodos lábios fechados, temos que pensar nisso, e ver o Brasil para além de nosso efêmero tempo de vida.

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5 comentários:

Anônimo disse...

Mauro,
Parabens pelo artigo. Discussão politica do mais alto nível.
Ressalto, apenas, que os militares da reserva, por lei, são livres para a manifestação do pensamento.
Saudações
Vitor.

Mauro Santayana disse...

Obrigado, Vitor.

Anônimo disse...

Caro Mauro,´´Ainda aguardo o seu livro de crônicas!
E inclua essa!
Um abraço,

Sepé Tiaraju

Yacov disse...

Caríssimo amigo, Mauro, concordo discordando de suas palavras... em que pese o acordo feito entre as partes para construir a paz, não podemos conviver com os 'desaparecidos' e com nomes de notórios assassinos e torturadores em nossas praças, ruas e avenidas. Tampouco podemos incensar as ações tresloucadas das FA, que agindo como milícia armada das elites nacionais, nos sufocaram por longos 21 anos. A Anistia foi negociada com a faca no pescoço da oposição de então. Os ditadores ainda vivos estão no final de suas vidas, e não têm o direito de impôr ao BRASIL que os tenha na conta de 'heróis', e muito menos nos empurrar goela abaixo uma ditadura sangrenta como ditabranda ou revolução, e que até hoje influencia as relações autoritárias e ditatoriais de grande parte das autoridades com a população. Penso que a investigação e a possível condenação dos militares, mesmo que lhes custe a perda das patentes (pois me parece que com mais de 70 anos o sujeito não podem ser preso no Brasil) ainda é muito pouco perto das vidas que tiraram e das vidas que não deixaram florescer, nos impondo o subdesenvolvimento. E esta Justiça, mesmo que tardia, nos ajudaria muito a passar a nossa história a limpo e construir sua identidade de forma realmente livre e soberana. Grande abs.

“O BRASIL PARA TODOS não passa na gLOBo – O que passa na gloBO é um braZil para TOLOS”

Mauro Santayana disse...

Yacov, você tem razão. Talvez não devêssemos ter negociado naquelas circunstâncias, não sei, mas foi o possível a ser feito naquela época.Infelizmente, aqui não houve uma Malvinas, como aconteceu na Argentina, que permitiu o total isolamento da excrescência golpista pela sociedade. O que não podemos é facilitar o trabalho dos canalhas de sempre que, hoje mais do que nunca - ocultos na sociedade civil - se dedicam todo o tempo a sabotar e destruir a democracia brasileira.