A morte de Neiva Moreira reclama algumas reflexões sobre o jornalismo e a política. A imprensa nunca foi inocente. Os donos de jornais – mas, da mesma forma, os jornalistas – atuam de acordo com seus interesses e suas idéias, e dessa atuação não se ausenta a questão fundamental do homem, a do poder.
A vida de Neiva Moreira foi a de excepcional jornalista engajado. Embora fosse de uma grande família no Maranhão, nascera em seu ramo menos afortunado, filho de modestíssimo comerciante, e em uma das mais pobres comunidades do Estado, embora com o nome de Nova Iorque. Como todo menino pobre que se torna órfão – em seu caso beneficiado pela sobrevivência da mãe professora, que incentivou suas leituras – Neiva teve que trabalhar tão logo o corpo permitiu. Vendedor de quitandas, ajudante de barqueiros, cobrador de mensalidades de pequena associação, ele se fez do melhor barro humano.
Como a maioria dos jornalistas daquele tempo, Neiva não chegou a concluir o curso médio. Desde a adolescência, sua formação se fez nas redações. Quando São Luís se tornou pequena para o jovem de 25 anos, que já se destacara como dos grandes redatores da cidade, Neiva buscou o Rio. Nos anos seguintes seu nome se firmaria como um dos mais atilados repórteres e analistas políticos brasileiros, preocupado com o inquietante jogo do poder, em seu estado, no país e no mundo.
Essa preocupação o levou de volta a São Luís, e à direção de um jornal diário, o Jornal do Povo, de oposição férrea ao então “dono” do Maranhão, Vitorino Freire. Tornou-se líder na cidade e se elegeu deputado estadual três vezes, antes de tornar-se deputado federal.
Conheci Neiva nos anos cruciais de
Neiva não pôde se desembaraçar de compromissos urgentes – entre outros, o de sua participação na assessoria de imprensa do presidente Paz Estenssoro, que ele conhecia havia anos. Eu - também com a agenda comprometida - retornei a Buenos Aires no prazo previsto.
Entre suas lembranças marcou-lhe o fato de eu haver deixado com ele uma pistola Luger, para que se protegesse em alguma eventualidade, durante seu futuro deslocamento ao Uruguai. Eu ainda possuía outras duas armas.
Meses depois, o golpe de estado de Barrientos levou-o, e a outros companheiros nossos que lá se encontravam, como José Serra, José Maria Rabelo, Marcelo Cerqueira, Joel Rufino dos Santos, Paulo Alberto (Artur da Távola), a deixar a Bolívia. O presidente Paz Estenssoro também foi obrigado a exilar-se. Três anos depois disso, Guevara morreria na Bolívia.
Um bom jornalista sempre encontra trabalho.
O cubano se afastou discretamente, e conversamos durante uns vinte minutos. Neiva só queria saber como nos encontrávamos, com os nossos filhos. Se eu estava bem, com meu trabalho como jornalista, se precisava de alguma coisa. Deu-me notícias dos outros companheiros e de nossa luta. Não, não precisávamos de nada: felizmente estávamos bem de saúde e no trabalho. Neiva era o amigo um pouco mais velho, com seu afetuoso cuidado para conosco.
Em Brasília, quando ele exerceu o mandato de deputado federal, a partir de 1991, víamo-nos sempre. Era homem alegre, cheio de esperanças, de amor a nosso país e de confiança em nosso povo.
Neiva Moreira sempre teve um lado. Como recomenda Ricardo Kotscho, todos os jornalistas devem ter seu lado. A narração fiel dos fatos não impede o compromisso do homem e do cidadão para com suas idéias e para com sua forma de ver e viver o mundo. Se houvesse – e felizmente não há, por mais que se proclame essa inverdade – absoluta imparcialidade em algum jornalista, ele não seria bom profissional, posto que desprovido de emoção, essa condição essencial de nossa espécie. Seria uma forma de andróide, não ser humano.
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É necessário ao ser humano uma posição definida. Ter um lado. Ter um ideal. Em "O Homem Medíocre", o filósofo argentino, José Ingenieros define bem esse posicionamento quando escreve: "O ideal é um gesto do espírito no sentido da perfeição".
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