A nação necessita de servidores públicos dedicados, que cuidem da administração dos bens comuns e sirvam à sociedade. Sem eles é difícil imaginar a paz pública. E há, nos quadros gerais do Estado, os mais necessários, como os que cuidam da saúde, da educação e da segurança. No passado, estavam proibidos de paralisar as suas atividades – e em muitos países essa interdição é mantida. A primeira razão é a de que são servidores do povo. Além disso, a ordem social não pode ser quebrada, sob pena de a sociedade correr o risco da anarquia.
Quando a greve é exercida pelos militares e policiais, esse risco passa a ser iminente, com a exacerbação dos ânimos. Nos hospitais, muitas pessoas morrem, quando, em situação normal isso não ocorreria. E, no ensino, perdem-se anos de desenvolvimento nacional com a interrupção do aprendizado.
Sobre essas razões, as mais importantes, se acrescem outros argumentos contra o direito de greve dos servidores do Estado. O primeiro deles é de ordem moral. Os funcionários do Estado gozam de privilégios negados aos trabalhadores comuns. De forma geral, dispõem de estabilidade no emprego e ganham mais, e se encontram protegidos por um regime previdenciário especial. Essa situação deveria pesar no momento em que decidem recorrer à greve.
A filosofia do atual governo é a de reduzir as desigualdades sociais. Se o Estado não tem como obrigar os empresários privados a pagar mais aos trabalhadores, cabe-lhe não conceder mais privilégios aos funcionários, que são mantidos pelos impostos retidos do trabalho produtivo. É necessário, no entanto, corrigir as distorções entre os servidores dos três poderes do Estado, como sabem os cidadãos mais atentos.
A presidente da República está resistindo ao movimento, que começa a ficar sério, com a manifestação de parcelas da Polícia Federal e de outros servidores dos serviços de segurança, militarizados ou não, em todo o país. O movimento dos servidores públicos foi precedido de estranha “greve de caminhoneiros”, ao que tudo indica insuflada por empresas transportadoras, o que a caracterizaria como “lock-out”. Na América Latina as greves no setor de transportes são sempre suspeitas de inspiração estrangeira, desde a que precedeu o golpe militar contra Allende, no Chile.
Outro sinal de falta de senso comum foi a aprovação, pelo Senado, em primeira discussão, da PEC que restabelece a exigência de diploma para o exercício do jornalismo. Conviria aos defensores dessa violação do direito secular da liberdade de imprensa definir, primeiro, o que é ser jornalista. Se o propósito é garantir o mercado de trabalho para assessores de imprensa das empresas públicas e privadas, tudo bem. Mas, se se pretende impedir aos não diplomados o acesso aos meios de comunicação de massa, a lei é ociosa. Hoje, qualquer pessoa que disponha de um terminal de computador é jornalista e editor.
Comecei a trabalhar em jornal muito jovem, sem dispor de qualquer diploma. Como jornalista, tenho participado da vida política de meu país, como dela participam - disso se dêem conta ou não - todos os jornalistas, não importa o universo de sua atuação. Não posso negar aos outros a possibilidade que tive. Em nenhum grande país do mundo há exigências dessa natureza. O acesso deve ser livre – a ascensão profissional vai depender da dedicação de cada um. Além de tudo, do ponto de vista técnico, as escolas de jornalismo, de modo geral, são deploráveis. A exigência só servirá para enriquecer, ainda mais, os industriais do ensino e povoar de ilusões inúteis os pobres que se sacrificam para pagar os cursos, sem encontrar, depois de formados, oportunidade em um mercado de trabalho saturado.
Como ficarão os “blogueiros” com a aprovação da lei? Irão fechar o acesso à internet aos não diplomados? Os tuiteiros serão amordaçados? Nisso também se revela a falta de senso da medida que se pretende. Isso só pode interessar aos que pretendem manter a iniqüidade social de nossos tempos. Felizmente, como assegura o velho aforismo, nenhuma lei é capaz de revogar a realidade.
A liberdade de redigir e divulgar idéias e informações não é dos jornalistas, formados ou não, mas de todos os cidadãos, e isso desde agosto de 1789, quando os revolucionários franceses aprovaram a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão. Ao que parece, são esses direitos, obtidos graças à absoluta liberdade de imprensa naqueles anos que mudaram o mundo, que querem anular agora. É bom lembrar que essa ojeriza contra a Declaração dos Direitos de 1789 constituiu a essência ideológica do nacional-socialismo.
A PEC, se aprovada, violará as cláusulas pétreas da Constituição, que asseguram a plena liberdade de expressão do pensamento e da divulgação de informações. Sendo assim poderá, e uma vez mais, ser considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, a única instância autorizada em nosso sistema republicano, a dizer o que é e o que não é constitucional.
Este texto foi publicado também nos seguintes sites:
http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2012/08/10/a-demolicao-do-bom-senso/
http://democraciapolitica.blogspot.com.br/2012/08/santayana-e-as-greves-de-servidores.html
http://contextolivre.blogspot.com.br/2012/08/a-demolicao-do-bom-senso.html
http://opensanti.dihitt.com.br/n/opiniao-e-noticias/2012/08/11/a-demolicao-do-bom-senso
http://www.dignow.org/post/a-demoli%C3%A7%C3%A3o-do-bom-senso-4417720-89284.html
http://www.vox-brasil.com/noticia.asp?id=255373&t=A-demoli%C3%A7%C3%A3o-do-bom-senso
http://advivo.com.br/blog/luisnassif/a-falta-de-reajuste-do-funcionalismo
http://opensanti.blogspot.com.br/2012/08/a-demolicao-do-bom-senso.html
Aquele "repórter" registrado nas várias gravações da PF teria diploma? Se tiver, vemos que ética não é matéria do curso. Tendo filosofia, Maquiavel seria livro de cabeceira. Serve também para as outras carreiras,lógico,mas,nesse nosso Brasil, o poder econômico e pressões conservadoras estão fazendo muitos "repórteres" venderem a ética jornalística e se portarem como assessores de imprensa de grupos nada confiáveis aos interesses da nação ou se portarem como negociadores de xepas jornalísticas produzidas por boateiros de mercado ou articuladores periódicos de golpes.
ResponderExcluir“Cabe (ao Estado) não conceder mais privilégios aos funcionários, que são mantidos pelos impostos retidos do trabalho produtivo.”
ResponderExcluirSr. Mauro Santayana,
É por respeitá-lo e estimá-lo que lhe escrevo pedindo sua reflexão acerca dessa errônea ideia (a meu ver) de que os funcionários públicos têm privilégios; têm garantias constitucionais para desempenho de suas funções. O servidor contribui, relativamente a seu salário, muito mais para a previdência que o trabalhador do setor privado. Além disso, há idade mínima para sua aposentadoria, o que significa uma sobrecarga àquele que superou o tempo de contribuição e, mesmo assim, continuará tendo pagar a previdência. Há limitações para acúmulo de atividades e outras restrições que constituem desvantagem ser funcionário público.
Outra ressalva: sua frase, da forma como redigida, induz o leitor a pensar que o funcionário público não desempenha trabalho produtivo. Tenho certeza que o Sr. não pensa que atividades em áreas como saúde, educação e segurança sejam “improdutivas”. Ainda nessa linha, não penso (e o Sr. concordará) que jornalismo seja trabalho “improdutivo”?
Acompanho sua trajetória e também tenho certeza que o Sr. valoriza o Estado, no seu mais amplo conceito. Sendo assim, a ideia de um Estado forte e atuante não se coaduna com a desvalorização e enfraquecimento dos funcionários públicos.
Um abraço,
Leninson
Prezado Leninson,
ResponderExcluirdefendo um estado fortee atuante, como você pode ver por recentes posts, como AS ESTATAIS NECESSÁRIAS,por exemplo. O que não concordo, é que se aprofunde cada vez mais o fosso que separa, em várias funções, a remuneração de várias categorias do funcionalismo público e a da imensa maioria da população. Isso só ajuda aqueles que querem enfraquecer a posição do Estado e o seu papel no desenvolvimento nacional, e aqueles que querem transformar, aos olhos da população, o funcionalismo público em uma casta privilegiada, em um país em que tudo que é público já está mais do que propositalmente coberto de um manto de suspeição pela imprensa conservadora e de oposição. O que se pede a todos os setores da população, e não apenas aos funcionários públicos, é bom senso. O mundo vive uma situação de crise, e não podemos jogar pela janela as conquistas alcançadas a duras penas nos últimos anos, porque quando uma categoria de base reivindica, e com justiça, melhorias salariais, as categorias que ocupam o topo da escala de remuneração se acham no direito de aceder, automaticamente, ao mesmo percentual de aumento. Ou se para com esse gatilho, ou se inviabiliza, progressivamente, o setor público aos olhos da sociedade brasileira. O que será péssimo para o próprio funcionalismo público, e terrível para o futuro da Nação.
Obrigado pela consideração e as observações, um abraço,
Referente à questão do diploma para o exercício do jornalismo: O fato é que, ante a decadência intelectual de nossos dias, onde o a leitura de um livro de 50 páginas torna-se um fardo para muitos universitários (que de suas faculdades só levarão, de fato, o diploma), esta parece ser a única forma de garantir, ainda que de certo modo ilusoriamente, uma oportunidade futura de trabalho. Jornalistas recém-formados saem para o mercado sem dominar o básico da língua portuguesa. Professores, por sua vez, fazem vistas grossas para as limitações dos seus alunos, muitos daqueles por serem, eles próprios, farsantes a ostentar títulos acadêmicos a obscurecer sua incompetência. Nesta era, qualquer mérito soa como ofensa, qualquer prazer pela erudição torna-se alvo de escárnio. Ou convivemos com isso ou combatemos. A questão é sopesar a situação e ver o que vale a pena fazer.
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