Fossem outros os tempos, e o ex-senador Demóstenes Torres estaria em casa, meditando sobre as inconstâncias do destino e as escolhas políticas e morais de seu passado. Os homens costumam errar por boa fé, é certo, quando buscam uma bandeira. Deixam-se iludir por certas doutrinas, para, mais tarde, descobrir que se haviam sacrificado para nada, ou quase nada, como os sedentos que buscam miragens no deserto. Mas o senador por Goiás, enquanto se fazia, com falsas catilinárias, o paladino da ética, agia mancomunado com os corruptores e corrompidos.
Como vivemos tempos modernos, o ex-senador esteve na noite de segunda-feira no emblemático – e eclético – Restaurante Piantella, de Brasília, cumprimentando efusivamente os advogados que atuam na defesa dos réus da Ação 470, no STF. Para o incômodo de nós, mineiros, a causa está amarrada a Belo Horizonte, onde atuaram algumas de suas personalidades principais, como Marcos Valério.
O Piantella é uma espécie de consulado de Minas, aberto a todos os brasileiros, uma vez que dois mineiros são seus proprietários, Marco Aurélio Costa, de Itambacuri, e o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, de Patos de Minas. Demóstenes estava, como diriam os franceses, a son aise, como se fosse um anônimo burguês em noite de sábado. Tanto se sentia tranqüilo e sem cuidados, que fez questão de pedir ao pianista os acordes de Let me try again, que a voz de Frank Sinatra imortalizou, e, com voz desafinada, a entoou, em discutível inglês. Um mineiro, que se distanciava do grupo de advogados, aos quais se incorporara o político goiano, lembrou o jornalista e acadêmico conterrâneo José Bento Teixeira de Salles, biógrafo de Milton Campos, e sua frase predileta para definir qualquer e eventual adversário político: além de mau cantor, vilão.
À margem do inusitado da cena, que surpreendeu os calejados observadores da vida política, o episódio evoca o mal-estar do homem comum, em nosso país e em outros países, com a crescente erosão dos sentimentos de responsabilidade política. O ex-senador goiano não percebeu que a sua presença em lugar público confrangia quase todos os que ali se encontravam. Ou, o que é ainda pior, mesmo sabendo disso, ousou afrontar os seus possíveis críticos, com a arrogância do gesto, coroado com o pedido, que o título da música indica, de que o deixem tentar outra vez.
Não há saída para os desajustes da política que não seja, e a cada vez mais, a ação política dos cidadãos. Só a política pode salvar a política.
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2 comentários:
Meu querido Mauro Santayana, só tenho dúvidas em relação ao "confrangia quase todos os que ali se encontravam"; precavidamente, eu substituiria o "quase todos" por "muitos dos que". Não que eu pense que o restaurante de mineiros apelos seja um ambiente mal frequentado, mas é que, em se tratando de nosso país, a confiabilidade nos indivíduos tem sido cada vez mais inversamente proporcional à conta do garçon.
Como demonstra o caso do próprio Cachoeira e outros, não necessariamente no mesmo restaurante, sou obrigado a concordar, Darcy.
Um abraço,
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