O dia de hoje deveria ser ocupado mais em reflexões do que nos desfiles cívicos e militares, ainda que eles tenham o seu forte simbolismo. A data lembra um dos momentos do processo de construção de nossa independência, que ainda não se completou. A própria proclamação, em si mesma, não a assegura; antes, a enuncia como um projeto. Como em outros episódios a ele contemporâneos, a frase forte registra o compromisso de conquistar a independência ou morrer na luta que se prevê. É o anúncio de um contrato com o destino.
A independência é movimento que implica, ao mesmo tempo, a consciência da vida e da responsabilidade coletiva, a aquisição, dia a dia, de parcelas crescentes de soberania, e a manutenção das posições que vão sendo, pouco a pouco, conquistadas. De certa forma, trata-se de processo teleológico, esforço permanente. Uma nação se liberta enquanto se constrói.
Infelizmente há pausas de desalento e recuos danosos nesse processo. Fenômeno inexplicável, apesar de todos os avanços da ciência, a inteligência humana nem sempre serve à razão, e costuma desviar-se seja na paranóia, seja no niilismo, e, ainda de maneira mais grave, no conformismo.
Nos últimos tempos, a idéia de pátria vem sendo esvaziada. De um lado, visionários consideram as fronteiras nacionais a causa de desgraças, como as guerras. Não é possível, porém, desfazer as linhas de ocupação territorial, riscadas pelas vicissitudes de uns e fortuna de outros. De outro lado, em nome da economia, os grandes decidiram, recentemente, que os governos nacionais são obstáculo a ser removido.
Para eles, a política – e esse é o catecismo neoliberal de que procuramos a dura custa nos livrar – deve estar submetida aos homens mais ricos do mundo, aos grandes banqueiros e titãs empresariais, não obstante as evidências de que alguns deles não passam de reles larápios. Fala-se hoje em “governança mundial”, com desfaçatez que assusta as pessoas lúcidas. Demolimos, em passado recente, grande parte do que havíamos edificado de nossa pátria. Houve, nessa renúncia aos nossos deveres, culpados tanto entre os que se identificam na esquerda, quanto na direita.
A Revolução Cubana foi uma idéia necessária, no processo de sua independência, que, apesar dos imensos sacrifícios e generosidade de seu povo, ainda não foi obtida. O colonialismo espanhol fora substituído pela Emenda Platt, imposta pelos norte-americanos em 1901, em troca do fim da ocupação do país por seus fuzileiros. A emenda, do governo de Ted Roosevelt, apresentada ao Congresso pelo senador Oliver Platt, determinava a soberania compartida da ilha pelos Estados Unidos, permitindo aos ianques a intervenção no território, durante os trinta anos seguintes. Em 1934, Roosevelt suspendeu os efeitos da Emenda, que eram o de um descarado estatuto de protetorado, mantendo o direito à base de Guantánamo – mas nada mudou na realidade. Com a reação infantil de Washington, na proteção das empresas petrolíferas contra uma decisão soberana de Castro, Cuba se voltou para a União Soviética que, apesar de divergências internas a respeito, decidiu ajudar o regime revolucionário. Passados mais de meio século, Cuba se vê obrigada a buscar nova forma de entendimento com os Estados Unidos, sem que o seu povo haja renunciado a obter a plena autodeterminação no futuro. As lições de Cuba recomendam a unidade política da América do Sul, em uma aliança contra a intervenção de um terceiro bem conhecido. O golpe branco contra Lugo é a mais recente advertência.
O processo de independência combina a ação política e diplomática com a luta armada, dependendo da situação histórica. Somos um país privilegiado. Fora a ocupação militar portuguesa em seu tempo, e a presença paraguaia na margem esquerda do Rio Paraguai por alguns meses, no início da Guerra da Tríplice Aliança, nunca tivemos o nosso país ocupado. A presença das bases americanas em território nacional, quando da Segunda Guerra Mundial, foi de nossa conveniência, na defesa comum contra o nazismo. A independência, sendo política, terá de ser também econômica. Continuamos a entregar aos estrangeiros o nosso subsolo, seguindo a decisão do governo neoliberal presidido por Fernando Henrique Cardoso. A Anglo-American está comprando todas as jazidas ferríferas disponíveis em Minas, e os chineses se preparam para entrar decisivamente na exploração de nosso subsolo.
O patriotismo não distingue as nações. As alianças são feitas quando há o interesse comum na luta contra terceiros. Mas na História sempre prevalece a constatação singela de Gilberto Amado, de que não há povos amigos de outros povos: os povos, como os indivíduos, são naturalmente egoístas. Ou, ainda mais dura, a afirmação atribuída a Sumner Welles e, mais tarde, repetida por Kissinger: “Os Estados Unidos não têm amigos; têm interesses”.
Podemos e devemos manter as melhores relações com todos os povos, sem esquecer que somos uma nação com sua própria identidade, e que não podemos delegar a defesa de nossa sobrevivência e a construção cotidiana da independência e da dignidade. Como dizia Renan, a pátria é a solidariedade entre os seus filhos. Entre todos eles, ricos e pobres, intelectuais e trabalhadores braçais. Em certo sentido, a nossa verdadeira independência ocorrerá quando todos nos sentirmos cidadãos iguais, sem que nenhuma etnia, ou nenhuma classe social, se considere melhor ou com mais direitos do que qualquer outra.
É com essas reflexões que podemos comemorar o 7 de setembro.
Tanto é verdadeira esta lógica que foi assim desde o princípio no Brasil. Em 7 de setembro de 1822 Pedro I pronunciou o 'brado heróico' da Independência e somente em 2 de julho do ano seguinte é que as tropas portuguesas foram efetivamente expulsas do Brasil, majoritariamente pelo povo baiano e Exército Imperial, saindo pelo mar de Salvador, depois de 10 meses de guerra.
ResponderExcluirVai defender esses movimentos separatistas também?
ResponderExcluirAssim como no Brasil, nações indígenas da Austrália também exigem independência
o Brasil, o governo assinou a Declaração da ONU, no primeiro mandato de Lula, quando o ministro do Exterior era Celso Amorim. Logo a seguir, devido à forte reação das Forças Armadas, o governo Lula recuou e jamais enviou esse tratado da ONU para ratificação pelo Congresso, condição indispensável para que possa efetivamente entrar em vigor.
Para desestimular as lideranças indígenas e as ONGs a elas ligadas, o governo Dilma Rousseff não somente mantém engavetada a Declaração da ONU, sem enviá-la ao Congresso, como também baixou recentemente uma portaria, através da Advocacia-Geral da União (AGU), destinada a deixar bem claro que será mantida a soberania da União sobre todas as reservas indígenas brasileiras.
Essa portaria, de nº 303, estrategicamente foi baixada a pretexto de estender a todas as terras indígenas do país as 19 condicionantes definidas pelo Supremo Tribunal Federal no caso da reserva Raposa Terra do Sol, em Roraima. Na verdade, os termos do documento vão muito além e derrubam qualquer possibilidade de serem aceitas as normas liberalizantes da ONU, que visam a conceder às chamadas nações indígenas autonomia total em termos territoriais, políticos, econômicos e culturais. Segundo o tratado internacional, nem mesmo as Forças Armadas brasileiras poderiam ingressar nos territórios indígenas, que passariam a ter fronteiras fechadas.