11 de set. de 2012

UM CÓDIGO SEM PRUMO


André Wurmser foi um dos melhores jornalistas franceses, embora só tenha trabalhado para um jornal, L’Humanité, órgão do Partido Comunista. Em uma de suas crônicas, dos anos 60, ele conta ter recebido correspondência da Associação Francesa de Proteção aos Animais, pedindo-lhe ajuda para cuidar dos cães e gatos abandonados nas ruas de Paris.
Em seu texto, Wurmser diz sentir muito a sorte dos bichos nas ruas, mas explica que não os iria ajudar. Pensava mais nos seres humanos sem teto que passavam também as noites frias nas ruas. “Quanto a mim, faço parte da Associação Francesa da Proteção aos Homens, o Partido Comunista”.
Lembrei-me de Wurmser e sua resposta aos piedosos protetores de gatos e cachorros, ao saber que o novo Código Penal Brasileiro, em tramitação no Senado, prevê a pena de um a quatro anos de prisão para o abandono de incapazes, e de dois a quatro anos para quem tocar em um ninho de espécies silvestres e alterá-lo. Quem comprar um animal silvestre pode ficar seis anos preso. Se um ninho de pássaro viesse a valer mais do que um ser humano, seria a hora de entregar o planeta aos animais.
O mesmo Código estabelece a pena mínima de um mês para quem deixar de prestar socorro a uma pessoa, adulto ou criança, ferida ou enferma, e de um ano a quem deixar de ajudar um animal na mesma situação. A agonia de animais nos matadouros não sensibilizou os estudiosos.
A OAB pediu o prazo de 60 dias para examinar o texto proposto, mas vários juristas, entre eles Miguel Reale Júnior, já chamaram a atenção para o que, em eufemismo explicável, chamam de “desproporcionalidade” das penas. Outro absurdo, segundo a professora Janaína Conceição Paschoal, da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, é a proposta do aumento da pena para os crimes de difamação a até quatro anos de reclusão, o que é pesada ameaça aos jornalistas. A professora observa que nem a legislação do regime militar previa tais penas contra os profissionais de imprensa.
Esse episódio, como outros recentes, demonstram que estamos perdendo a capacidade de pensar, de refletir. Está faltando inteligência até mesmo entre os homens escolhidos para ajudar o Parlamento a legislar. Em entrevista à televisão sobre as amarras que dificultam o nosso desenvolvimento, o professor José Pastore disse que não temos trabalhadores qualificados, porque o ensino básico é precário, e os alunos não aprendem a pensar. Não aprendendo a pensar, são incapazes de realizar os trabalhos mais elementares.
Não só de trabalhadores que pensam estamos necessitados. Precisamos, com urgência, de juristas e de parlamentares que também aprendam os rudimentos da razão lógica – e da ética humanista.

Este texto foi publicado também nos seguinte sites: 

http://www.interjornal.com.br/noticia.kmf?cod=18900187
http://poyastro.blogspot.com.br/2012/09/um-codigo-sem-prumo.html
http://www.tribunadaimprensa.com.br/?p=47500
http://gilsonsampaio.blogspot.com.br/2012/09/um-codigo-sem-prumo.html
http://www.debatesculturais.com.br/um-codigo-sem-prumo/
http://www.idadecerta.com.br/blog/?p=40726
http://www.minhocanacabeca.com/noticia/22482/um-co-sem-prumo
http://nilsonsa.blogspot.com.br/2012/09/um-codigo-sem-prumo.html
http://militanciaviva.blogspot.com.br/2012/09/um-codigo-sem-prumo.html
http://www.idadecerta.com.br/blog/?tag=ibama



3 comentários:

maria disse...

maria disse...
Santayana: costumo ler e apreciar seus artigos como inteligentes e sensíveis. Enganei-me: neste tu demonstras que o humanismo a que te referes é capenga porque incapaz de compaixão pelos animais. E quanto à sensibilidade, sequer és capaz de sentires/perceberes que uma sociedade que não se recente contra os mau tratos com os irracionais, sempre será incapaz de olhar com respeito e carinho para os seus iguais. Que os juristas erram ao demarcar condenações injustas, sem dúvida. Pecas, no entanto, com as justificativas que apresentas. Deverias refletir melhor e condicionar tua interpretação para a injusta penalização de crimes menores, cometidos, em geral, pelos pobres, interesse maior do encarceramento numa sociedade de controle. Te faltou a inteligência que eu pensava que abundava em ti, que pena!!

12 de setembro de 2012 19:01

Mauro Santayana disse...

Maria, tenho grande respeito pela natureza, mas jamais colocaria um animal acima ou no mesmo patamar de um ser humano. Em um naufrágio, eu jamais hesitaria entre salvar uma criança ou um cachorro. Da mesma forma que acho perfeitamente justificável que os russos e os norte-americanos tenham utilizado cães e macacos nas primeiras viagens espaciais ou que, quando isso ainda era necessário, que se sacrificassem animais para realizar experiências médicas para salvar milhões de vidas humanas. Os nazistas, que sempre dedicaram um verdadeiro culto aos seus animais de estimação, preferiam fazer experiências médicas – sem anestesia e que na maioria das vezes terminavam com a morte de seus pacientes – com crianças judias e ciganas, a inocular bacilos ou mergulhar no gelo, ou servir apenas água salgada, a uma cobaia canina ou a um roedor. Também não considero o mesmo comer um belo bife, do que soltar a coleira de um doberman ou de um pastor alemão da SS para que ele estraçalhe e se alimente da carne e do sangue de uma criança viva, de dois ou três anos de idade, como acontecia quando alguma delas, dominada pelo terror, tentava escapar das filas que as conduziam às câmaras de gás e aos fornos crematórios de Auschwitz, Maidanek ou Birkenau. Para que esse tipo de situação aconteça, é preciso, primeiro, que as sociedades e os indivíduos percam a noção da diferença fundamental que existe entre um animal e um ser humano.

Mauro Santayana disse...

Acho que um ser humano que maltrata um animal pode ser punido, mas nunca menos ou em menor proporção do que um ser humano que tortura outro ser humano. E concordo com você, quanto à injusta penalização de crimes menores, que, infelizmente, tornou-se quase uma doutrina no judiciário brasileiro.