31 de out. de 2012

OS NAVIOS ENCALHADOS


             
           (JB) -  Severo Gomes - sua morte prematura, há 20 anos, ao lado de Ulysses Guimarães, foi lembrada estes dias - era uma inteligência peregrina. Sabia quase tudo do Brasil e não escondia sua ação em favor do golpe em 1964; explicava-a como desvio político equivocado. Mais tarde, conforme dizia sorrindo, transformara-se em um democrata infiltrado no governo autoritário. Ministro de Agricultura do governo Castello Branco e, mais tarde, de Indústria e Comércio de Geisel, tinha uma visão desolada do sistema administrativo brasileiro.
       Getúlio agira bem, ao tentar construir uma burocracia de Estado, com o Dasp e os concursos públicos – mas se esquecera de que não tínhamos, no subdesenvolvimento de que padecíamos, de onde retirar um corpo de bons gestores da coisa pública. Bem que ele tentou, mais tarde,  suprir essa dificuldade, com a criação da Fundação Getúlio Vargas, mas os seus sucessores não insistiram nessa necessária formação de quadros.
       Severo gostava de contar a sua amarga experiência como Ministro da Agricultura e, mais tarde, da Indústria e Comércio. No Ministério da Agricultura, ele levou todos os meses de gestão sem saber exatamente quantos departamentos havia, nem o que realmente faziam os seus funcionários. Pelo que vira, dizia, o governo se parece a uma frota de navios encalhados, cada um deles preso ao próprio banco de areia, e no meio de denso nevoeiro. Da nave capitânea à última embarcação, os comandantes gritam, da ponte, as ordens, determinando rumo e velocidade, mas os navios permanecem parados. Como os tripulantes sabem que os barcos não se movem, jogam cartas e alguns enchem a pança, porque os celeiros estão cheios de ração.
      A imagem é irônica, no estilo de Severo, e  exagerada. Há sempre, em qualquer repartição pública, geralmente entre os mais modestos, aqueles que tentam trabalhar com zelo – e, às vezes, com excesso de zelo. Graças a eles, as coisas funcionam, ainda que devagar. Mas, funcionam em que sentido? Os barcos que avançam, avançam para qual destino? O fato é que temos, hoje, no Brasil, um governo que se identifica na esquerda, mas a máquina administrativa, com seus executivos médios, continua empenhada na prática do neoliberalismo.
     O presidente Fernando Henrique Cardoso tratou de colocar, nos postos de decisão (no governo e  nas agências reguladoras) homens convencidos de que, fora da submissão à nova ordem internacional, não há salvação. São esses homens que controlam a máquina do Estado. Acusa-se o governo do PT de “aparelhar” o Estado. A diferença é aquela apontada por Nelson Jobim saudando Fernando Henrique: os apparatchíki de antes – e que, na sombra, continuam mandando - pertencem às elites, conhecem línguas estrangeiras, seguem com atenção os movimentos do mercado, de que são fundamentalistas fanáticos, e se vestem com esmero.
      Enfim, esses que remanescem são competentes naquilo que pretendem. Sendo assim, foram eficientes na transferência maciça de dinheiro, pela ponte internacional do Paraná: emitiram, antes, portaria do Banco Central, que isentava da fiscalização da Receita Federal os carros fortes que iam e vinham do Paraguai. Souberam manipular, com as sutilezas das engrenagens financeiras, as contas CC-5, e, mediante fundos marotos, transferir dinheiros mal havidos ao Exterior, a fim de ali serem lavados e aromatizados. E agora se encontram entre os que aprovam financiamentos do BNDES a empresas estrangeiras, como é o caso da  Telefónica da Espanha e perdoam a sonegação bilionária do Banco Santander, calculada em 4 bilhões – cobrada pela Receita Federal.
      Os que conhecem os mecanismos do poder sabem que não é fácil governar. A leitura das melhores biografias de grandes governantes mostra como é difícil tomar decisões das quais depende a salvação ou perdição dos povos. É sempre atual citar Richelieu, quando diz que os homens, em sua vida pessoal, quando erram, podem contar com a salvação eterna. Os Estados, que só têm vida temporal, não dispõem desse consolo: eles se salvam ou se perdem na decisão de um segundo. É sobre esse fio de navalha que devem caminhar todos os dias os governantes.
      Para chegar ao poder, Lula teve que negociar com os empresários, e contou com a ajuda inteligente de José Alencar. Com isso, elegeu-se e empossou-se, mas ele e sua sucessora não conseguiram que o governo assumisse o pleno controle da máquina administrativa.
       É inegável que houve avanços consideráveis no caminho da emancipação de milhões de famílias, mediante as políticas compensatórias do governo, e que essas ações favoreceram a economia como um todo, e que – apesar de sua fragilidade essencial – a educação deu grandes passos, com o Enem, o Prouni e o programa nacional de formação técnica. Mas são apenas algumas naves que, com a tripulação mudada em boa parte, conseguem avançar no rumo escolhido, vencendo os encalhes e devassando o nevoeiro. As outras avançam com as luzes apagadas, na rota contrária ao interesse nacional.  

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28 de out. de 2012

POR QUE HADDAD SERÁ ELEITO


       A menos que haja um terremoto de oito pontos na escala Richter, ou os céus derramem de novo o dilúvio – e desta vez só sobre São Paulo  -Fernando Haddad deverá ser eleito hoje prefeito da maior cidade do Hemisfério Sul.
       O ex-ministro da Educação não é ainda uma figura carismática da política, mas sendo homem jovem, não lhe foi difícil comunicar-se com a população. Homem de boa formação, soube dialogar com os auditórios de classe média e, não sendo de postura arrogante, tampouco teve dificuldades em conversar com os que sofrem na periferia. Além disso, a candidatura de seu adversário, fora outras dificuldades, arrastava o fardo da administração Kassab. Os paulistanos queriam mudança.
      A cidade de São Paulo é, em si mesma, realidade política própria – pela densa população, pela identidade cultural, e pela  economia que, há quase cem anos, é a mais importante da federação. Os poderes de fato da grande cidade raciocinam com pragmatismo e, em certo momento da campanha do primeiro turno, perceberam que não deviam ver o candidato do PT como ameaça aos seus interesses. Contra os seus interesses, sim, seria a eventual vitória de Russomano, comparável a uma caixa preta  indevassável.
      É certo que esses poderes não decidem, por eles mesmos, uma eleição desse porte, mas ao reduzirem seu apoio a Serra – que já iniciara a corrida com os pés amarrados a uma rejeição pesada – favoreceram, de alguma maneira o candidato do PT. Essa postura se deve à circunstância de que, nas duas vezes em que o Partido dos Trabalhadores administrou a cidade – com Luísa Erundina e com Marta Suplicy – seu desempenho foi excelente. Com todos os problemas crônicos da cidade, que se explicam no mau planejamento do passado e a conseqüente expansão urbana desordenada, e a manifestação aguda dessas dificuldades - sobretudo com as enchentes, apagões e violência -, o PT agiu com zelo e prudência quando governou a capital. Essa prudência e esse zelo contrastam com os últimos oito anos de governo dos tucanos, que transformaram São Paulo em uma cidade inabitável, conforme denunciam os mais conhecidos e respeitáveis  intelectuais brasileiros, que redigiram e assinaram o manifesto em favor de Haddad - que pode ser lido nesta Carta Maior. Como se sabe, e o Manifesto destaca, o programa de governo de Haddad nasceu dos encontros com a população e com ela foi discutido exaustivamente. Seu propósito é o de devolver São Paulo ao humanismo e ao sentimento de solidariedade de todos para com todos os seus habitantes.
      Esse passado a ser corrigido, somado às condições conjunturais da política, deu impulso à candidatura proposta por Lula. Houve também o convencimento político de Marta e de Erundina, de que não podiam fazer da presença do tempo de televisão de Maluf a razão para entregar a Serra a prefeitura. As duas engoliram em seco o que lhes pareceu demasia, e ajudaram a campanha, exatamente ali onde seus conselhos são mais ouvidos: na periferia.
      Tempos novos pedem homens novos. Estas eleições são as primeiras que se disputam sob a vigência da Ficha Limpa. E, ao contrário do que muitos temiam, o julgamento da Ação 470, pelo STF, em nada influiu sobre o comportamento dos eleitores. Em todos os lugares, em que ganhou e perdeu e em que ganhará ou perderá hoje, o PT esteve e está sujeito ao seu desempenho próprio na circunscrição eleitoral em questão. Os eleitores, ao contrário do que, de um lado e do outro, podem pensar candidatos e partidos, está, sim, aprendendo a votar de acordo com os seus interesses e os interesses da comunidade.
     Por tudo isso, pela sua gestão como Ministro da Educação, em que atuou decididamente para levar os pobres à Universidade,  e mais o prestígio de Lula e Dilma, o que não é pouco, Haddad deve ganhar, e com folga, as eleições de hoje em São Paulo. 
      
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25 de out. de 2012

O ESCÂNDALO SCAJOLA NA ITÁLIA E O FUTURO DA ÁREA DE DEFESA NO BRASIL



O La Stampa, italiano, compara a uma “Caixa de Pandora” a investigação em curso naquele país, iniciada nesta semana, sobre o “canal direto” que  existiria entre o ex-ministro do Desenvolvimento do Governo Berlusconi, Claudio Scajola – acusado de propósito de corrupção em uma malograda venda de fragatas italianas ao Brasil – e o então Ministro da Defesa do Governo Lula em 2010, Nelson Jobim.
Naquele ano – em que a Itália insultava publicamente o Brasil devido ao Caso Battisti – já causara estranheza a  carona aceita pela Marinha Brasileira, ao embarcar, em Fortaleza, em um navio aeródromo italiano, helicópteros e marinheiros brasileiros destinados ao Haiti.
Agora, estoura na imprensa italiana, com grande destaque, a investigação sobre a projetada venda de fragatas FREMM, franco-italianas, ao Brasil. Além da busca, autorizada pela justiça, em vários endereços de Roma e Nápoles, foi efetuada também a prisão de um funcionário de alto escalão da Finmeccanica (grupo estatal italiano fabricante de armamentos), Paolo Pozzessere, envolvido em outra ponta do caso - a venda de armas e helicópteros ao Panamá.  
O escândalo Scajola-Finmeccanica evidencia, mais uma vez, em que plano se coloca a colaboração entre as empresas ocidentais de defesa   – a maioria delas controladas por seus respectivos governos – e o nosso país.
A idéia é, sempre, a de obter a fabricação, lá fora ou aqui mesmo, de encomendas destinadas às Forças Armadas brasileiras, desde que não se transfira tecnologia e que se assegure  baixíssimo índice de  conteúdo nacional.  
Para isso, sempre que necessário, adquire-se o controle de empresas brasileiras, algumas detentoras de projetos já desenvolvidos com as nossas forças armadas, para entrar com mais segurança no mercado. 
Em caso de conflito futuro do Brasil com algum país da OTAN ou com os Estados Unidos, bastará usar a tática do “último tango no front”, aplicada exemplarmente à Argentina em seu conflito com a Inglaterra nas ilhas Malvinas. Suspende-se a fabricação de armamento e a reposição de peças e munição para as armas e para os aviões e navios vendidos anteriormente, já que  a lealdade dessas empresas sempre estará com seus donos, os governos de seus respectivos países.   
Devemos seguir o exemplo europeu, que ancorou  sua estratégia de defesa em empresas estatais como a DNCS francesa (que nos vendeu os submarinos Scorpéne), a BAE britânica (que nos vendeu três fragatas recentemente) e a franco-alemã-espanhola EADS (que controla a Helibrás, e que nos prometeu  passar a tecnologia de construção de helicópteros a partir de 2020). O Brasil precisa - quem sabe usando a AMAZUL como base - constituir  estrutura pública própria para a pesquisa, o desenho e a construção de material bélico.
     Com essa empresa, nacional e estatal, teríamos escala para aproveitar
a tecnologia desenvolvida pelas nossas próprias indústrias de armamento, que estão sendo adquiridas a ritmo avassalador por multinacionais estrangeiras. E poderíamos  estabelecer, finalmente, parceria estratégica com os BRICS para o desenvolvimento de toda uma nova geração de armamentos.

Na terça-feira, mesmo dia em que estourou o escândalo Scajola na Itália, o presidente russo Vladimir Putin declarou, à saída da reunião de uma comissão governamental, que Moscou tomou a decisão de estreitar sua cooperação técnica e militar com os outros países dos BRICS:  “nossa cooperação militar e técnica com essas nações deverá atingir  patamar mais elevado, que leve em consideração o alto do potencial tecnológico, industrial e científico dessas nações. A cooperação com a Índia, por exemplo, não se limita à venda de armamento russo. A pesquisa e a concepção conjunta e a produção sob licença de material destinado a terceiros países é cada vez mais freqüente.”

      Esse assunto poderá ser abordado na visita que a Presidente Dilma Roussef fará a Moscou, em dezembro. O governo russo estaria disposto a reabrir  seu mercado para as carnes brasileiras em troca da exportação ou da produção conjunta de armamentos. Para voltar a participar do Programa FX, de aquisição de caças para a Força Aérea, os russos aceitariam compartilhar a tecnologia dos aviões Sukhoi 35, venderiam a Brasília seus  mísseis anti-aéreos Tor, e renovariam o convite para que o Brasil participe do acordo do PAK-FA T-50, como sócio pleno do caça-bombardeio de quinta geração que estão desenvolvendo junto com a Índia, para entrar em operação por volta de 2018.

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CAVALOS E BAIONETAS


O terceiro e último debate entre Mitt Romney e Obama teve um bom momento de risos, mas traz reflexões. Quando o candidato republicano, notório belicista, reclamou contra a fragilidade da defesa do país, ao afirmar que a Marinha tem menos navios do que os tinha em 1916, foi contestado com ironia por Obama: mas, governador, também temos menos baionetas e menos cavalos.
             Ter menos navios, menos cavalos e menos baionetas não torna os Estados Unidos um país militarmente débil. Como sabemos, eles continuam sendo a maior potência militar do mundo, a que dispõe de mais efetiva tecnologia para a destruição e a morte. Além de seus mísseis, capazes de atingir com precisão qualquer ponto do planeta, e de seus artefatos nucleares, com o poder de arrasar o mundo, os arsenais ianques dispõem de armas novas, já testadas, movidas a propulsão magnética, e  de aviões não tripulados que identificam eletronicamente os alvos e os atingem sem interferência humana. A cada dia mais, a tecnologia   dispensa os soldados nas operações destrutivas, e os reserva para tarefas de ocupação.
           Quando qualquer nação não consegue defender seus interesses, legítimos, ou não, mediante a diplomacia - o meio mais antigo e efetivo da política externa - apela para as armas. O uso da força é proporcional à debilidade do convencimento político. Na maioria das vezes, como demonstra a história, as nações com ambição imperial combinam  pressões diplomáticas e ameaça militar, antes do uso efetivo das armas. Nesse particular, os Estados Unidos são exemplo mais duradouro, desde que surgiram como estado independente.
          Ao mesmo tempo, a guerra pode ser vista como expediente do medo. É preciso, nesta razão zarolha, destruir o inimigo, antes que ele ameace a nossa existência. Não foi a coragem germânica que fez Hitler, mas o medo. E o medo cresce, na medida em que se acumulam os atos de violência bélica contra os outros. Sempre se teme a possível retaliação. 
           Outro problema é o desgaste do poder militar, quando lhe falta o apoio moral dos povos a que pretende servir. Sem convicção é difícil vencer os conflitos armados.  É o que ocorreu na guerra do Vietnã, e volta a ocorrer hoje, com relação ao Oriente Médio, não só nos Estados Unidos, mas também na Europa. Ainda assim, os analistas consideram que o debate sobre política internacional interessa menos aos eleitores norte-americanos de hoje. O que os move é a situação econômica, com o empobrecimento da maioria da população, e o enriquecimento, sempre mais atrevido, dos rentistas. O predomínio da ganância, na estrutura do poder nos estados modernos, está – mais uma vez – dividindo as sociedades nacionais. Isso tanto pode conduzir às revoluções libertadoras, quanto à apatia e ao conformismo, sob a tirania plutocrática.

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23 de out. de 2012

A ANATEL E OS BENS DA TELEBRAS


Nos últimos anos, os ministérios do Planejamento e das Comunicações, a ANATEL e o BNDES têm sido pródigos com as empresas privadas de telefonia, concedendo empréstimos de bilhões de dólares a juros subsidiados para multinacionais como a VIVO. Apesar disso, ou exatamente por isso, elas continuam enviando para o exterior, todos os anos, bilhões de dólares e de euros em remessas de lucro.
Segundo informa a jornalista Mariana Mazza, do portal especializado Teletimes, alguns setores do governo estariam pretendendo “flexibilizar” as normas contratuais, a fim de que as operadoras, continuem usufruindo e, provavelmente, alienando os bens que devem voltar às mãos do Estado em 2025.
Na última sexta-feira, a ANATEL finalmente divulgou, com 14 anos de atraso, uma lista desses bens, que pertencem a todos nós, cidadãos brasileiros. Quando houve a privatização do Sistema Telebrás no Governo FHC o BNDES, que leiloou a empresa, nem a ANATEL, se preocuparam em levantar o que constituía e quanto valiam esses ativos.
Agora, quando se divulga a lista, por pressão da sociedade, ficamos sabendo que a lista foi elaborada com informações encaminhadas livremente pelas próprias empresas, o que lhes permitiria – em tese - manipular e distorcer os dados, assim como o histórico e o valor de cada propriedade.
Ninguém sabe dizer quanto valem esses bens, cuja descrição ocupa, até agora, cerca de 360.000 páginas. A quantia poderá variar, segundo Mariana Mazza, entre 17 e 80 bilhões de reais.  Há ainda denúncias de que parte desse patrimônio já foi alienada a terceiros, de forma sub-reptícia.
Com a indicação – até mesmo no Governo Lula – de gente que participou ativamente da privatização do Sistema Telebrás para o conselho da ANATEL ( e com a presença de antigos dirigentes dessa agência no comando de operadoras estrangeiras, como ocorre com a própria VIVO), a área de telecomunicações transformou-se no paradigma da promiscuidade entre os interesses “públicos” e privados em nosso país. É preciso que uma auditoria, independente da Anatel e das teles, levante, com base em documentos da época, os bens que compunham o patrimônio da antiga Telebrás. Se algo foi indevidamente vendido pelas operadoras desde a privatização, que se indenize o Estado, com as atualizações necessárias e, se for o caso, que se mova contra os responsáveis o devido processo criminal.
Melhor seria que não esperássemos mais 13 anos, e que o Estado recuperasse, já, o patrimônio transferido de forma irresponsável aos particulares. E, a partir de 2025, se houver coragem e sensibilidade estratégica, é preciso fazer com que esse patrimônio retorne à Telebrás, para dar-lhe dimensão adequada a concorrer plenamente com as multinacionais em nosso território. Quem sabe, se isso vier a ocorrer, o consumidor brasileiro possa contar, finalmente, com um instrumento de regulação de fato do mercado nacional de telecomunicações. 

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22 de out. de 2012

O REFERENDUM ISLANDÊS E OS SILÊNCIOS DA MÍDIA


(Carta Maior) - Os cidadãos da Islândia referendaram, ontem, com cerca de 70% dos votos, o texto básico de sua nova Constituição,  redigido por 25 delegados, quase todos homens comuns, escolhidos pelo voto direto da população, incluindo a estatização de seus recursos naturais. A Islândia é um desses enigmas da História. Situada em uma área aquecida pela Corrente do Golfo, que serpenteia no Atlântico Norte, a ilha, de 103.000 qm2, só é ocupada em seu litoral. O interior, de montes elevados, com 200 vulcões em atividade, é inteiramente hostil – mas se trata de uma das mais antigas democracias do mundo, com seu parlamento (Althingi) funcionando há mais de mil anos. Mesmo sob a soberania da Noruega e da Dinamarca, até o fim do século 19, os islandeses sempre mantiveram confortável autonomia em seus assuntos internos.
          Em 2003, sob a pressão neoliberal, a Islândia privatizou o seu sistema bancário, até então estatal. Como lhes conviesse, os grandes bancos norte-americanos e ingleses, que já operavam no mercado derivativo, na espiral das subprimes, transformaram Reykjavik em um grande centro financeiro internacional e uma  das maiores vítimas do neoliberalismo. Com apenas 320.000 habitantes, a ilha se tornou um cômodo paraíso fiscal para os grandes bancos.
          Instituições como o Lehman Brothers usavam o crédito internacional do país a fim de atrair investimentos europeus, sobretudo britânicos. Esse dinheiro era aplicado na ciranda financeira, comandada pelos bancos norte-americanos. A quebra do Lehman Brothers expôs a Islândia que assumiu, assim,  dívida superior a dez vezes o seu produto interno bruto. O governo foi obrigado a reestatizar  os seus três bancos, cujos executivos foram processados e alguns condenados à prisão.
       A fim de fazer frente ao imenso débito, o governo decidiu que cada um dos islandeses – de todas as idades -  pagaria 130 euros mensais durante 15 anos.  O povo exigiu um referendum e, com 93% dos votos, decidiu não pagar  dívida que era responsabilidade do sistema financeiro internacional, a partir de Wall Street e da City de Londres.
         A dívida externa do país, construída pela irresponsabilidade dos bancos associados às maiores instituições financeiras mundiais, levou a nação à insolvência e os islandeses ao desespero. A crise se tornou política, com a decisão de seu povo de mudar tudo. Uma assembléia popular, reunida espontaneamente, decidiu eleger  corpo constituinte de 25 cidadãos, que não tivessem qualquer atividade partidária, a fim de redigir a Carta Constitucional do país. Para candidatar-se ao corpo legislativo bastava a indicação de 30 pessoas. Houve 500 candidatos. Os escolhidos ouviram a população adulta, que se manifestou via internet, com sugestões para o texto. O governo encampou a iniciativa e oficializou a comissão, ao submeter o documento ao referendum realizado ontem.
         Ao ser aprovado ontem, por mais de dois terços da população,  o texto constitucional deverá ser ratificado pelo Parlamento.
         Embora a Islândia seja uma nação pequena, distante da Europa e da América, e com a economia dependente dos mercados externos (exporta peixes, principalmente o bacalhau),  seu exemplo pode servir aos outros povos, sufocados pela irracionalidade da ditadura financeira.
       Durante estes poucos anos, nos quais os islandeses resistiram contra o acosso dos grandes bancos internacionais, os  meios de comunicação internacional  fizeram conveniente silêncio sobre o que vem ocorrendo em Reykjavik. É eloqüente sinal de que os islandeses podem estar abrindo caminho a uma pacífica revolução mundial dos povos.

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OS "TRÊS GRANDES" DO NOSSO TEMPO


                    (RB) - O Banco Itaú-BBVA promoveu, em São Paulo, um encontro dos dirigentes das 500 maiores empresas da América Latina –  as que faturam mais de 100 milhões de dólares por ano - com os senhores Tony Blair, Bill Clinton e Fernando Henrique Cardoso.
                        "Eles estiveram à frente de grandes potências mundiais e fizeram escolhas que mudaram a história. Agora eles vão ajudar a escrever novos capítulos” – diz o anúncio publicado nos jornais.  Tudo isso faz lembrar o iconoclasta Karl Kraus, que se dedicou, a vida inteira, a destruir os mitos de seu tempo. Um de seus ensaios, de 1918, tem o título de “Os últimos dias da Humanidade”.
                 É até estranho que Clinton faça parte da trinca. É certo que continuou no uso alternado dos bombardeios e das ameaças ao Iraque, de seu antecessor, o primeiro Bush, mas na administração interna, tendo bons assessores econômicos, como Joseph Stiglitz (nos primeiros dois anos), seu governo não foi exatamente igual ao de Blair.
                 Embora usando da mesma linguagem, e propondo medidas democráticas (como a abolição da Câmara dos Lordes e sua transformação em Senado, a ser eleito pelo voto), Blair, como Thatcher, foi parceiro incondicional do  governo norte-americano, também em matéria de política internacional - principalmente depois da eleição do segundo Bush. Tal como Bush Jr. ele  enganou o mundo sobre o Iraque e as armas de destruição em massa, levando os soldados ingleses a morrer por uma mentira. Sua atuação interna foi de demolição da política social do trabalhismo britânico, que vinha desde a criação do Labour Party, em 1906. Deixou o seu país arrasado pelo desemprego, pelo sucateamento da saúde pública, pela desesperança.
               Mas, dos três, quem mais merece a homenagem dos banqueiros e das 500 maiores empresas da América Latina é realmente Fernando Henrique Cardoso. O BBA foi fundado em 1988, numa associação de Fernão Bracher e Antonio Beltrán com o Banco Credistanstalt, de Viena, para operar no mercado de capitais. Em seguida, com a eleição de Collor e o início de seu programa de privatizações, o BBA se tornou a única instituição financeira a coordenar a participação de bancos estrangeiros no plano de privatização das empresas estatais  no Brasil. No governo FHC teve  situação privilegiada.
             Os três grandes líderes do século, conforme a convocação do encontro, foram responsáveis, cada um deles de uma forma diferente, pela maior contrarrevolução social da História, ao impor o ultraliberalismo ao mundo, conforme a decisão do Clube de Bilderberg. O plano – de que ainda não desistiram – é o de uma ditadura mundial, a ser exercida pelos homens mais ricos do planeta, por intermédio dos governos dos países ricos e com o retorno dos povos periféricos ao estatuto colonial.
         O sistema financeiro mundial, instrumento do projeto, está sendo julgado pela opinião pública, desde que muitos de seus crimes ficaram conhecidos. O Goldman Sachs, o Barclay’s, o HSBC e outros, da mesma dimensão, foram apanhados na manipulação de taxas básicas (a Libor), na especulação no mercado de derivativos e  na prática do crime de lavagem de dinheiro do narcotráfico.
         Enquanto Blair, Clinton e Fernando Henrique falam para os ricos, é dever dos trabalhadores exigir, do Congresso – como no caso da Ficha Limpa - legislação rigorosa de controle do sistema,  proibindo que bancos de depósitos operem como os de investimentos; que atuem nos paraísos fiscais, que funcionem sem  controle contábil rigoroso das autoridades nacionais.  
         Os governos europeus, para salvar seus banqueiros larápios, estão eliminando empregos, reduzindo os serviços de educação, de saúde e segurança. E se os trabalhadores brasileiros não mantiverem sua vigilância, essa nova onda em defesa dos ricos chegará até aqui. O encontro de São Paulo é um aviso do que nos espera.                                

21 de out. de 2012

O AGRONEGÓCIO E A DESIGUALDADE


              O veto da Presidente Dilma Rousseff a alguns dispositivos do Código Florestal provocou a reação irada dos representantes do agronegócio no Congresso e na imprensa. A questão, além de sua atualidade, retorna à velha discussão sobre o problema crucial do Estado moderno, que surgiu das duas grandes revoluções políticas de nossa idade, a de 1789 e a de 1844. Trata-se da natureza e dos valores da democracia, e  das dificuldades do sistema parlamentar representativo,  segundo os dois  magníficos ensaios de Hans Kelsen, “Da natureza e dos valores de democracia” e “O problema do parlamentarismo”, ambos editados nos anos 20.
           Kelsen mostra as dificuldades do sistema baseado na representação popular, para demolir a atração pela representação “orgânica”, que foi a essência do fascismo corporativista, em ascensão naquele tempo e que retorna, solerte, nos estados republicanos modernos – de maneira nem sempre embuçada. É o que ocorre também no Brasil.
    As representações corporativas penetram nos partidos, como  infecção fatal para a democracia, e os dominam, para além de seus órgãos dirigentes. Preocupados, na maioria das vezes, com o varejo da política, os estudiosos e analistas desprezam essa deformação do sistema político nacional, que ofende os princípios democráticos e faz do parlamento uma câmara corporativa, no modelo do fascismo italiano.
           O corporativismo, no Brasil, não se limita aos interesses econômicos, embora neles encontre seus esteios mais sólidos. As representações parlamentares se dividem entre as sindicais (de patrões, como a CNI, a CNA, a CNT, e a Febraban  e de empregados, sem nenhum poder de fogo econômico), as religiosas e empresariais. Os banqueiros, os industriais, as empresas multinacionais, os barões do agronegócio, os grandes mineradores, os exportadores e importadores, mantêm, encabrestadas, suas bancadas particulares,  tanto no Senado como na Câmara dos Deputados.
       Isso não significa que todos os parlamentares estejam a serviço de tais corporações ou empresas em particular.       Há parlamentares escolhidos pela vontade soberana do povo, não conspurcada pelo que Serge Tchakhotine definiu como Le viol des foules par la propagande politique – a violação das massas pela propaganda, maciça e impostora. São minoria, mas é graças à sua presença nas casas parlamentares que se preserva um pouco de lucidez nos meios políticos nacionais.
       A propaganda política – como deixa claro Tchakhotine – não se limita aos tempos e processos eleitorais. Ela é permanente e insidiosa, valendo-se de especialistas, como é o caso notório de Edward Bernays, um dos pioneiros na utilização do noticiário dos jornais para a defesa dos grandes negócios (entre eles, os dos cigarros), mediante a criação de hábitos de consumo, e – é claro – na influência política sobre as massas.
      É uma guerra de todos os dias, entre o controle dos corações e mentes, para lembrar a expressão conhecida, e a reação da autonomia de pensamento e da liberdade política, por parte não só de poucos intelectuais, mas, a  cada dia mais intensa, da cidadania em geral. A internet, para o bem e para o mal (e esperamos que a prazo maior, seja só para o bem) está quebrando o monopólio dos que acreditam ser possível impor para sempre o “pensamento único”, parido pelo conúbio entre o poder financeiro mundial, a indústria bélica e os enlouquecidos generais que dominam o Pentágono, a Otan e Israel.
     O agronegócio, como mostra a experiência, e estudos recentes de conhecidos especialistas, ao levar as relações cruéis entre o capital e o trabalho para o campo, está aumentando a criminosa desigualdade na sociedade brasileira.  As máquinas lavram a terra, irrigam as glebas imensas e colhem os grãos; os herbicidas assassinos limpam as eiras, para plantar as sementes geneticamente modificadas, a fim de resistir aos agrotóxicos, que envenenam a terra, as águas e a produção.
      Os pequenos e médios  lavradores são expulsos. Vão se amontoar,  com sua miséria, sua revolta e seu sofrimento, na periferia das cidades. O que já era péssimo, há décadas,  tornou-se ainda mais brutal, com a submissão do país ao Consenso de Washington.
       A lição maior de Kelsen, nos ensaios citados, é a de que não há sistema que possa substituir o da verdadeira representação popular. Só  com  a participação igualitária e consciente de todos os cidadãos pode haver democracia.           
     Livramo-nos, graças ao instituto de legislação participativa (que Kelsen defendia há mais de 80 anos), dos candidatos de ficha suja. Temos que nos livrar, agora, do poder nefasto do corporativismo. Como disse, em 1934, Ortega y Gasset, em discurso no Parlamento da Espanha,  “lo corporativo no resiste al vigor de las ideas y de la pasión política: la política, en la Historia, es el macho”. Vale.
    

18 de out. de 2012

DILMA EM CADIZ


Daqui a 30 dias, em 16 de novembro, será inaugurada, na Espanha, a Cúpula Ibero-americana de Cádiz.
O ibero-americanismo corresponde a uma tentativa – frustrada, diga-se de passagem – da Espanha, de desafiar e tentar sabotar a posição do Brasil que, por meio  de mecanismos como o Mercosul, a UNASUL e o Conselho de Defesa Sul-americano, se tornou o eixo da integração e da união continental.
Cádiz foi escolhida para o evento deste ano durante a Reunião Ibero-americana de Santiago do Chile, em 2007, quando o Rei Juan Carlos, ao lado de Zapatero, pronunciou o famoso “por que no te callas ?”  dirigido ao Presidente da Venezuela e ouviu  contundente resposta, que pode ser encontrada na internet, em vídeo, mas que não foi tão divulgada pelos meios de comunicação quanto foi a pergunta atrevida do Rei.
Em 2007, a Espanha, embalada pelo dinheiro farto, a fundo perdido, da Comunidade Européia, e pelos empréstimos conseguidos a juros baratos que lhe permitiram comprar várias empresas sul-americanas - na farra da privatização dos anos 1990 - acreditava que entraria para o G-8, como a oitava  economia do mundo.
Hoje, Madrid busca, com afã de sua diplomacia, contando nos dedos, a presença de mandatários sul-americanos na Cúpula de Cadiz, a fim de evitar que o “ibero-americanismo” morra ali, depois de quase  ter perecido no encontro de Assunção do ano passado, ao qual não compareceram os principais dirigentes latino-americanos - entre eles Dilma, Cristina Kirchner, e o próprio Chavez.
O México, que compartilha com a Espanha  incômodo cada vez maior com o crescimento econômico e geopolítico da América do Sul, enviou seu Presidente de então. E, não satisfeito, depois se aliou à Espanha, esta como “convidada”, para lançar, com o Chile de Piñera, a “Aliança do Pacífico”, uma organização que não consegue esconder seu verdadeiro objetivo – apoiado, entusiasticamente, pelos EUA – o de “rachar” a América do Sul, criando alternativas à UNASUL e ao Mercosul, para diminuir a influência brasileira no continente.
Hoje, a correlação de forças entre a Espanha e o Brasil mudou totalmente. Madrid – infelizmente para o povo espanhol, que está sofrendo muito  mais com a crise que suas “elites” – acumula uma enorme dívida pública, privada e financeira. O desemprego está em 26%, e calcula-se que, desde 2009, um terço do capital do país tenha deixado suas fronteiras, e um milhão de pessoas tenham feito o mesmo, a um ritmo, conforme divulgou a imprensa espanhola na semana passada, de 200 espanhóis por dia.
A Catalunha, e o país basco, querem votar sua independência. A Standard & Poors acaba de rebaixar de novo a nota da dívida soberana, e, ontem, fez o mesmo com um grupo de 19 instituições financeiras espanholas, inclusive dois grandes bancos que operam aqui no Brasil, no varejo. A Presidente Dilma já disse que vai a Cádiz em novembro. Sejamos solidários com o povo espanhol neste momento. Mas não deixemos de continuar defendendo – frente às suas “elites”-   nossos interesses.

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