O veto da Presidente Dilma Rousseff a alguns
dispositivos do Código Florestal provocou a reação irada dos representantes do
agronegócio no Congresso e na imprensa. A questão, além de sua atualidade,
retorna à velha discussão sobre o problema crucial do Estado moderno, que
surgiu das duas grandes revoluções políticas de nossa idade, a de 1789 e a de
1844. Trata-se da natureza e dos valores da democracia, e das dificuldades do sistema parlamentar
representativo, segundo os dois magníficos ensaios de Hans Kelsen, “Da
natureza e dos valores de democracia” e “O problema do parlamentarismo”, ambos
editados nos anos 20.
Kelsen mostra as dificuldades do
sistema baseado na representação popular, para demolir a atração pela
representação “orgânica”, que foi a essência do fascismo corporativista, em
ascensão naquele tempo e que retorna, solerte, nos estados republicanos
modernos – de maneira nem sempre embuçada. É o que ocorre também no Brasil.
As
representações corporativas penetram nos partidos, como infecção fatal para a democracia, e os
dominam, para além de seus órgãos dirigentes. Preocupados, na maioria das vezes,
com o varejo da política, os estudiosos e analistas desprezam essa deformação
do sistema político nacional, que ofende os princípios democráticos e faz do
parlamento uma câmara corporativa, no modelo do fascismo italiano.
O corporativismo, no Brasil, não se
limita aos interesses econômicos, embora neles encontre seus esteios mais
sólidos. As representações parlamentares se dividem entre as sindicais (de
patrões, como a CNI, a CNA, a CNT, e a Febraban
e de empregados, sem nenhum poder de fogo econômico), as religiosas e
empresariais. Os banqueiros, os industriais, as empresas multinacionais, os
barões do agronegócio, os grandes mineradores, os exportadores e importadores,
mantêm, encabrestadas, suas bancadas particulares, tanto no Senado como na Câmara dos Deputados.
Isso
não significa que todos os parlamentares estejam a serviço de tais corporações
ou empresas em
particular. Há parlamentares escolhidos
pela vontade soberana do povo, não conspurcada pelo que Serge Tchakhotine
definiu como Le viol des foules par la propagande
politique – a violação das massas pela propaganda, maciça e impostora. São
minoria, mas é graças à sua presença nas casas parlamentares que se preserva um
pouco de lucidez nos meios políticos nacionais.
A
propaganda política – como deixa claro Tchakhotine – não se limita aos tempos e
processos eleitorais. Ela é permanente e insidiosa, valendo-se de
especialistas, como é o caso notório de Edward Bernays, um dos pioneiros na
utilização do noticiário dos jornais para a defesa dos grandes negócios (entre
eles, os dos cigarros), mediante a criação de hábitos de consumo, e – é claro –
na influência política sobre as massas.
É
uma guerra de todos os dias, entre o controle dos corações e mentes, para
lembrar a expressão conhecida, e a reação da autonomia de pensamento e da
liberdade política, por parte não só de poucos intelectuais, mas, a cada dia mais intensa, da cidadania em geral. A internet, para o
bem e para o mal (e esperamos que a prazo maior, seja só para o bem) está
quebrando o monopólio dos que acreditam ser possível impor para sempre o
“pensamento único”, parido pelo conúbio entre o poder financeiro mundial, a
indústria bélica e os enlouquecidos generais que dominam o Pentágono, a Otan e
Israel.
O agronegócio, como mostra a experiência, e
estudos recentes de conhecidos especialistas, ao levar as relações cruéis entre
o capital e o trabalho para o campo, está aumentando a criminosa desigualdade
na sociedade brasileira. As máquinas
lavram a terra, irrigam as glebas imensas e colhem os grãos; os herbicidas
assassinos limpam as eiras, para plantar as sementes geneticamente modificadas,
a fim de resistir aos agrotóxicos, que envenenam a terra, as águas e a
produção.
Os pequenos e médios lavradores são expulsos. Vão se amontoar, com sua miséria, sua revolta e seu sofrimento,
na periferia das cidades. O que já era péssimo, há décadas, tornou-se ainda mais brutal, com a submissão
do país ao Consenso de Washington.
A lição maior de Kelsen, nos ensaios
citados, é a de que não há sistema que possa substituir o da verdadeira representação
popular. Só com a participação igualitária e consciente de
todos os cidadãos pode haver democracia.
Livramo-nos, graças ao instituto de
legislação participativa (que Kelsen defendia há mais de 80 anos), dos
candidatos de ficha suja. Temos que nos livrar, agora, do poder nefasto do
corporativismo. Como disse, em 1934, Ortega y Gasset,
em discurso no Parlamento da Espanha, “lo corporativo no resiste al vigor de las
ideas y de la pasión política: la política, en la Historia , es el macho”.
Vale.
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Um comentário:
Prágrafos iniciais do clássico "Propaganda" (1928), do Edward Bernays:
"The conscious and intelligent manipulation of the organized habits and opinions of the masses is an important element in democratic society. Those who manipulate this unseen mechanism of society constitute an invisible government which is the true ruling power of our country.
We are governed, our minds are molded, our tastes formed, our ideas suggested, largely by men we have never heard of. This is a logical result of the way in which our democratic society is organized. Vast numbers of human beings must cooperate in this manner if they are to live together as a smoothly functioning society."
É essa democracia falsificada o principal produto de exportação dos centros hegemônicos. Como, em nome da "liberdade", não há aduana intelectual, a vulneráveis mentes dos países dependentes são manipuladas cotidianamente pelo tal "governo invisível" ao qual se refere Bernays.
A primeira participação de relevo do sobrinho de Freud no âmbito da propaganda política política deu-se durante a 1ª Guerra Mundial, no "Comitê Creel", então a agência de progaganda de guerra dos EUA. Bernays participou, encerrada a conflagração, da comitiva americana que negociou o Tratado de Versalhes.
A soldo da United Fruit Company e em conluio com as agências de inteligência norte-americanas, Bernays trabalhou na deposição do governo reformista de Arbenz, na Guatemala.
O propagandeiro-mor também ajudou a difundir o consumo do bacon no café da manhã, vinculou o consumo de cigarros ao movimento de libertação feminina - foi dele a ideia de descrever os cigarros como "tochas da liberdade" -, colaborou nas campanhas governistas para fluoretar a água. Sobre este último tópico (fluoretação),recomendo o livro "The Fluoride Decepttion", do jornalista britânico Christohper Bryson.
Para uma visão sistêmica do fenômeno 'propaganda", indico "Propaganda - the formation of men's attitudes", do francês Jacques Ellul.
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