(Carta Maior) - Os cidadãos da
Islândia referendaram, ontem, com cerca de 70% dos votos, o texto básico de sua
nova Constituição, redigido por 25 delegados,
quase todos homens comuns, escolhidos pelo voto direto da população, incluindo
a estatização de seus recursos naturais. A Islândia é um desses enigmas da
História. Situada em uma área aquecida pela Corrente do Golfo, que serpenteia
no Atlântico Norte, a ilha, de 103.000 qm2, só é ocupada em seu litoral. O
interior, de montes elevados, com 200 vulcões em atividade, é inteiramente
hostil – mas se trata de uma das mais antigas democracias do mundo, com seu
parlamento (Althingi) funcionando há
mais de mil anos. Mesmo sob a soberania da Noruega e da Dinamarca, até o fim do
século 19, os islandeses sempre mantiveram confortável autonomia em seus
assuntos internos.
Em 2003, sob a pressão neoliberal, a Islândia
privatizou o seu sistema bancário, até então estatal. Como lhes conviesse, os
grandes bancos norte-americanos e ingleses, que já operavam no mercado
derivativo, na espiral das subprimes, transformaram Reykjavik em um grande
centro financeiro internacional e uma das maiores vítimas do neoliberalismo. Com
apenas 320.000 habitantes, a ilha se tornou um cômodo paraíso fiscal para os
grandes bancos.
Instituições como o Lehman Brothers usavam o
crédito internacional do país a fim de atrair investimentos europeus, sobretudo
britânicos. Esse dinheiro era aplicado na ciranda financeira, comandada pelos
bancos norte-americanos. A quebra do Lehman Brothers expôs a Islândia que
assumiu, assim, dívida superior a dez
vezes o seu produto interno bruto. O governo foi obrigado a reestatizar os seus três bancos, cujos executivos foram
processados e alguns condenados à prisão.
A
fim de fazer frente ao imenso débito, o governo decidiu que cada um dos
islandeses – de todas as idades -
pagaria 130 euros mensais durante 15 anos. O povo exigiu um referendum e, com 93% dos
votos, decidiu não pagar dívida que era
responsabilidade do sistema financeiro internacional, a partir de Wall Street e
da City de Londres.
A dívida externa do país, construída
pela irresponsabilidade dos bancos associados às maiores instituições
financeiras mundiais, levou a nação à insolvência e os islandeses ao desespero.
A crise se tornou política, com a decisão de seu povo de mudar tudo. Uma
assembléia popular, reunida espontaneamente, decidiu eleger corpo constituinte de 25 cidadãos, que não
tivessem qualquer atividade partidária, a fim de redigir a Carta Constitucional
do país. Para candidatar-se ao corpo legislativo bastava a indicação de 30
pessoas. Houve 500 candidatos. Os escolhidos ouviram a população adulta, que se
manifestou via internet, com sugestões para o texto. O governo encampou a
iniciativa e oficializou a comissão,
ao submeter o documento ao referendum realizado ontem.
Ao ser aprovado ontem, por mais de
dois terços da população, o texto
constitucional deverá ser ratificado pelo Parlamento.
Embora a Islândia seja uma nação
pequena, distante da Europa e da América, e com a economia dependente dos
mercados externos (exporta peixes, principalmente o bacalhau), seu exemplo pode servir aos outros povos, sufocados
pela irracionalidade da ditadura financeira.
Durante estes poucos anos, nos quais os
islandeses resistiram contra o acosso dos grandes bancos internacionais, os meios de comunicação internacional fizeram conveniente silêncio sobre o que vem ocorrendo
em Reykjavik. É eloqüente sinal de que os islandeses podem estar abrindo
caminho a uma pacífica revolução mundial dos povos.
Este texto foi publicado também nos seguintes sites:
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Um comentário:
Parece que os países onde o povo vive sob as maiores dificuldades ambientais tende a gerar civilizações mais evoluídas.
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