No mundo só há passado,
e o passado cresce a cada dia, como resumiu o escritor argentino Macedônio
Fernandez: hoy hay más pasado que ayer.
O passado cresce, e o futuro, na vida dos homens e das nações, é uma vaga
hipótese. A morte do historiador Eric
Hobsbawm, ocorrida ontem, suscita uma curiosidade: se ele vivesse mais meio
século – e não sabemos como o mundo será então, se ainda houver o mundo – como ele
definiria essa segunda década do milênio novo? Ele não chegou a tratar do tema,
mas a sua formação marxista naturalmente o levaria a constatar, como outros
pensadores do fim do século passado, que a inteligência política está se
tornando escassa nestes anos.
O neoliberalismo - essa mancebia entre
o poderio militar dos Estados Unidos, os grandes bancos e a insensatez dos
governantes dos maiores países do mundo - continua indestrutível e indiferente
à crise que sua ganância provocou. Em Getafe, uma cidade ao sul de Madri,
ontem, 15 mil pessoas fizeram fila diante de uma empresa que necessita de 150
empregados: cem candidatos por vaga.
O recrutamento está sendo feito por uma
empresa terceirizada, que não explica de que trabalho se trata (em uma fábrica
de implementos agrícolas), não informa se o trabalho será permanente ou
temporário, nem qual será a remuneração.
O desemprego na Europa, mais grave nos países meridionais, ameaça
atingir as economias sólidas do
continente. Há dias, o New York Times noticiava que famintos buscam comida nas latas de lixo da Espanha –
e, em algumas cidades, as autoridades, com preocupação sanitária, colocaram
cadeados nas tampas. Mas as elites espanholas passeiam nas nuvens. Ainda agora,
houve quem dissesse, em Madri, que a Cúpula Iberoamericana de Cádiz, no mês que
vem, demonstrará a “presença
civilizatória da Espanha na América Latina”.
O problema mais grave é o do
desemprego. As medidas de austeridade só beneficiam os grandes credores dos
Estados, que são os banqueiros. Ora, todos os dias novas revelações demonstram
que as maiores instituições mundiais de crédito se tornaram quadrilhas de
bandidos. Os governos nacionais anunciam – como o da Inglaterra – legislações
reguladoras severas, mas não vão adiante. Enquanto isso, o Goldman Sachs
continua a governar diretamente a Itália, com Mário Monti, e a administrar as
finanças da União Européia, com Mario Draghi no BCE.
Nos Estados Unidos, as eleições de
novembro estão sendo disputadas polegada a polegada por Obama e Romney: desde
Eisenhower, a grande nação do Norte vem sendo governada por homens menores – e
Kennedy não escapa dessa definição. Para nós, da América Latina, Obama parece
melhor, mas, tratando-se da Casa Branca, nunca se sabe. Em seu segundo mandato,
ele poderá ser outro – e pior.
De qualquer forma, o grande país terá que
encontrar, e já, um líder como foram Andrew Jackson, Lincoln ou Roosevelt, a
fim de retornar aos princípios sob os quais conduziram o sistema. Do contrário
será difícil impedir o declínio, apesar de seu imenso poderio militar.
Esse poderio, no entanto, está sendo posto à prova no
Oriente Médio. Os Estados Unidos estão encontrando dificuldades em salvar a face
na retirada do Iraque e do Afeganistão,
por uma simples razão: eles já a
perderam, desde que Bush decidiu invadir os dois países. Como confessou Richard
Clarke, especialista em “contra-terrorismo” - desde o governo Reagan e encarregado do planejamento das operações de
combate aos muçulmanos desde o governo Clinton -, tudo começou com uma
deslavada mentira. Todos sabiam que o Iraque nada tinha a ver com a Al Qaeda e
menos ainda com a explosão das Torres Gêmeas. Mas era preciso mostrar o poderio
americano contra o Iraque (já debilitado pelos bombardeios cotidianos, durante
dez anos), o menos despótico dos países
do Oriente Médio.
Talvez
o historiador que vier a suceder Hobsbawm no futuro defina este nosso tempo
como “A Era Vazia”. Mas há sinais de que a resistência da razão humanística
pode vir a prevalecer. Os cidadãos começam a refletir e a ocupar as ruas das
grandes cidades do mundo. O neoliberalismo globalizador tem sido contestado,
desde seu início, pela lucidez de grandes pensadores, muitos deles europeus e
norte-americanos. Entre eles, o próprio Hobsbawm, que nunca renegou o marxismo,
mas soube repensá-lo, na análise da história e da sociedade dos homens.
Este texto foi publicado também nos seguintes sites:
Este texto foi publicado também nos seguintes sites:
Nenhum comentário:
Postar um comentário