28 de nov. de 2012

O BRASIL E A PEC DA INDÚSTRIA NACIONAL


  (Carta Maior) -       O deputado Assis Melo, do PCdoB do Rio Grande do Sul, conseguiu aprovar, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, proposta de emenda constitucional  que restaura o artigo 170, da Constituição Federal de 1988. É o dispositivo que define o que é empresa brasileira e o que é empresa nacional, distinguindo ambas das empresas estrangeiras e multinacionais.
         Nem todos se lembram, hoje, da Comissão de Estudos Constitucionais que, sob a presidência do professor Afonso Arinos, elaborou proposta de anteprojeto da Constituição de 1988. Poucos – e sou um dos privilegiados – têm em seu poder o texto entregue solenemente ao Presidente Sarney, em 1986. Nele se encontram os dispositivos mais importantes que os constituintes acolheriam no documento a que Ulysses Guimarães deu o nome de Constituição Cidadã.
        Como membro daquele grupo - e pelo dever de ofício, por ter sido seu secretário executivo -  registro que a defesa do interesse nacional prevaleceu, e de longe, nas discussões e na redação final do anteprojeto. E entre os mandamentos que propúnhamos, houve um contra o qual ninguém se opôs, ainda que houvesse entre nós conservadores notórios e empresários associados a empreendedores estrangeiros. Trata-se do artigo 323, de nossa proposta, assim como foi redigido, por Barbosa Lima Sobrinho e aprovado por todos:
        “Só se considerará empresa nacional, para todos os fins de direito, aquela cujo controle de capital pertença a brasileiros e que, constituída e com sede no País, nele tenha o centro de suas decisões”.
         Os constituintes partiram da sugestão de Barbosa Lima Sobrinho e aprovaram os seguintes dispositivos, no texto original, de 5 de outubro de 1988:
“Art. 171. São consideradas:
        I -  empresa brasileira a constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País;
        II -  empresa brasileira de capital nacional aquela cujo controle efetivo esteja em caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direito público interno, entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de seu capital votante e o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas atividades.
    § 1º A lei poderá, em relação à empresa brasileira de capital nacional:
        I -  conceder proteção e benefícios especiais temporários para desenvolver atividades consideradas estratégicas para a defesa nacional ou imprescindíveis ao desenvolvimento do País;
        II -  estabelecer, sempre que considerar um setor imprescindível ao desenvolvimento tecnológico nacional, entre outras condições e requisitos:
            a)  a exigência de que o controle referido no inciso II do caput se estenda às atividades tecnológicas da empresa, assim entendido o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para desenvolver ou absorver tecnologia;
            b)  percentuais de participação, no capital, de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou entidades de direito público interno.
    § 2º Na aquisição de bens e serviços, o poder público dará tratamento preferencial, nos termos da lei, à empresa brasileira de capital nacional”.

     Em obediência ao Consenso de Washington, uma das primeiras iniciativas do governo entreguista e antinacional de Fernando Henrique Cardoso foi a de promover, em agosto de 1995 – oito meses depois da posse – a supressão do artigo 170, acima transcrito, e que definia o que se poderia considerar empresa brasileira e empresa nacional. Com isso, qualquer empresa que se organizasse no Brasil, como tantas o fizeram, e continuam a fazer, como subsidiária de sua matriz estrangeira tem o mesmo tratamento das empresas realmente nacionais.
    O então presidente abria caminho, com essa emenda, para o crime maior, o da privatização das empresas públicas. Com criminoso cinismo, as empresas estrangeiras que adquiriram o controle das empresas estatais brasileiras foram financiadas com o dinheiro do FAT (Fundo de Amparo aos Trabalhadores) administrado pelo BNDES. A primeira providência dessas empresas foi o da “reengenharia” administrativa, com a demissão de milhares de trabalhadores. Eles haviam financiado, com o FAT, a sua própria miséria.
    Com o desastre que o neoliberalismo provocou no mundo e atinge agora os países centrais que supunham ganhar com a globalização, o Congresso tem a sua oportunidade de se redimir da vergonhosa capitulação de há 17 anos.
    O momento é favorável a que a emenda do deputado Assis Melo tenha trâmite rápido no Congresso, para que não ocorra, de novo aqui o que está ocorrendo com os povos europeus. É também um teste para a maioria parlamentar e para o próprio governo. Se a emenda do parlamentar gaúcho  for rejeitada, o grande vencedor virá a ser  o agente ostensivo, no Brasil,  da ordem neoliberal – Fernando Henrique Cardoso. 

Este texto foi publicado também nos seguintes sites:
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5877
http://valdecybeserra.blogspot.com.br/2012/11/o-brasil-e-pec-da-industria-nacional.html




27 de nov. de 2012

JUÍZES POR TEMPO DETERMINADO


         O exame, sereno, mas rigoroso, do que foi o julgamento da Ação 470, mostra que o sistema judiciário, como um todo, e a sua mais elevada instância, o STF, de modo particular, reclamam  reforma profunda. Não obstante a oratória de alguns juízes, e a erudição de outros, os observadores mais atentos perceberam que a razão lógica não esteve presente no resultado final do julgamento. Houve sinuosos silogismos para justificar o apelo, apressado e desengonçado, a uma teoria, a do domínio do fato, prontamente desautorizado pelo seu mais eminente expositor, o jurista Claus Roxin. Segundo Roxin, ela só vale onde há ordem comprovada para a ação delituosa.
        O ato de julgar não é técnico, como proclamam alguns, nem subjetivo, de acordo com outros: deve ser expressão de sabedoria e de humanismo. Ao condenar um réu, o juiz não deve fazê-lo em nome da vingança da vítima ou do Estado, mas em defesa da sociedade. Os mais antigos buscavam seus juízes entre os mais  velhos, não porque a  idade lhes conferisse o senso de justiça, mas também porque, tendo vivido mais, a sua reputação era consolidada, suas paixões vencidas, seu medo domado.
       Isso não impedia, no entanto, clamorosas injustiças, sobretudo quando os juízes atuavam sob a chancela religiosa. Saramago, quando alguém o recriminou pela sua opção ideológica, e lembrou os crimes do stalinismo (como os do Processo de Moscou, de 1938), retrucou, lembrando que as vítimas da Inquisição foram muitíssimo mais numerosas e seu sofrimento maior. Giordano Bruno caminhou até a fogueira, onde o queimaram vivo, levando, pelas ruas de Roma, em uma espécie de gaiola, sua língua amputada. Ele poderia ter acrescentado que não  só os católicos e os protestantes foram responsáveis pela carnificina daqueles que consideravam hereges ou bruxos.
      Matar em nome de Deus é uma desculpa sórdida e comum a todos os fanatismos – desde o registro bíblico de que Jeová, o Senhor dos Exércitos, entregava ao povo de Israel os seus inimigos, para que fossem passados ao fio da espada os vencidos, sem poupar as crianças.
       Não parece bom o sistema de escolha dos juízes do tribunal supremo da República. Há casos em que os indicados são desconhecidos dos meios jurídicos. O Senado atua quase como repartição protocolar. E, uma vez nomeado, o juiz permanecerá no cargo até os 70 anos – limite que muitos desejam ultrapassar.

25 de nov. de 2012

O MÉXICO É AQUI. O INFERNO EM SÃO PAULO.


      (JB) -       As elites paulistanas e sua representação política queriam que o Brasil fizesse parte da Alca, o mercado comum hemisférico. Não entramos no Acordo que, por nossa oposição, implodiu - mas os americanófilos de São Paulo podem comemorar: já estamos no Nafta, ao lado do México. São Paulo voltou a ser o inferno de há alguns anos, com a morte ceifando nas ruas. Os fatos fazem  lembrar os fortes versos de Edgar Allan Poe, em The City in the sea, que Bárbara Tuchman usou como epígrafe ao seu livro, The Proud Tower: “Assim, tudo parece pendente no ar, enquanto de uma orgulhosa torre na cidade, a morte olha com gigantesco desdém”.
           Ao contrário do que nos quiseram fazer acreditar os perturbados teólogos medievais, os infernos (sempre plurais) não são maldição divina, a nos esperar na Eternidade, mas construção humana. Os infernos se fazem sobre o chão da injustiça, e injustiça é sinônimo de desigualdade. O mais dramático na matança em São Paulo é que, na guerra entre os criminosos e os policiais, são soldados pobres os que morrem. Os soldados do PCC e os soldados da Polícia Militar. Não há heroísmo nem romantismo nessa guerra cotidiana, mas sim a brutal expressão da violência, sem nenhum sentido, sem nenhum proveito.
         Chegamos a um extremo que só outro extremo poderá resolver. Ainda que haja outras organizações de delinqüentes (como a do goiano Carlos Cachoeira, colocado em liberdade pela mesma Justiça que a outros condena sem provas), a criminalidade mais brutal é a que se relaciona com o tráfico de drogas. Não há outra saída para o problema, senão a de permitir o uso de drogas a quem quiser, e colocar o comércio de narcóticos no sistema das atividades organizadas e fiscalizadas pelo Estado. Em uma visão radical, mas necessária, podemos concordar com Stuart Mill, em seu ensaio clássico On Liberty: o indivíduo é livre para fazer tudo o que quiser com ele próprio, até mesmo matar-se, desde que não prejudique os outros. A sociedade não pode intervir nas decisões que só a ele concernem. Sendo assim, as pessoas devem ter o direito de se drogarem, desde que não induzam outras a fazê-lo, nem, sob o efeito do narcótico, venham a cometer qualquer crime. Nesse caso, devem ser punidos conforme as leis.
         Se o uso de drogas fosse legalizado, muitos usuários continuariam a morrer de overdose, é certo; e muitos continuariam a agredir e a matar, como se agride e se mata por outros motivos, mas não haveria organizações criminosas para produzir e distribuir entorpecentes, e não haveria grandes bancos para administrar esse dinheiro imundo, como fazem hoje grandes instituições financeiras internacionais. Não havendo tão fortes interesses, não teríamos as guerras entre bandos rivais de facínoras e entre eles e a polícia (na qual há também grupos criminosos, como as milícias cariocas).
         Há, no entanto, os que cruzam os braços e, sob a ilusão de que estão protegidos e invulneráveis, parecem regozijar-se no íntimo, com o extermínio mútuo de delinqüentes perigosos, que podem tornar-se, amanhã, invencíveis. Mas não há, nessa guerra, escudos contra o chumbo.
         As leis penais brasileiras são, elas mesmas, construtoras do crime. Como bem apontou, recentemente, o médico Dráusio Varela, um dos homens que mais conhecem o desespero dos presídios, é uma estupidez colocar, nas mesmas celas em que se encontram os grandes assassinos e assaltantes ousados, os pequenos traficantes de drogas e  trombadinhas. Além do duplo castigo – o da prisão em si e o da violência dos mais fortes, que horroriza os que conhecem a realidade infernal da cadeia – os pequenos delinqüentes alimentam, ali, o seu ódio natural contra a sociedade e, ao sair do presídio, já saem vinculados a um bando qualquer.  
        O medo já começa a atingir a alta classe média e os ricos de São Paulo. Muitos dos que têm recursos para fazê-lo  mudam-se da cidade,  mandam os seus filhos  para a Europa. Constroem em condomínios fechados e guardados por exércitos de “seguranças”,  eufemismo inexato para designar os antigos capangas dos meios rurais – e se deslocam aos seus escritórios em helicópteros, de forma a evitar o risco das ruas. São tão prisioneiros quanto os capitães do PCC que se encontram entre as grades: não conhecem a liberdade das ruas.
        Outra coisa: o Estado, em nome da sociedade, tem o dever de segregar os criminosos punidos pela Justiça, mas não tem o direito sádico de os meter em celas superlotadas, infectas, sórdidas, deixando-os ali a se entrematarem sem qualquer proteção, principalmente quando pelo menos a metade sequer foram ainda julgados.
        Esta guerra não será amainada, enquanto não houver lucidez e solidariedade para com a espécie humana. Se não houver coragem de se resolver o problema da desigualdade – desigualdade diante da justiça, desigualdade diante da vida – daqui a pouco os criminosos serão a maioria absoluta da população. Se isso vier a ocorrer, como será?
        Uma coisa é certa: jamais haverá paz, onde não houver a verdadeira justiça.

Este texto foi publicado também nos seguintes sites:





















24 de nov. de 2012

A MARCA DA MALDADE


       No sábado, dia 17, um Policial Militar de Goiânia foi preso por matar um morador de rua e sob suspeita de tráfico de drogas. Com 38 anos e 20 de corporação, ele já fora indiciado por dois homicídios contra mendigos, em 2006 e 2008; por uma tentativa de homicídio; pelo espancamento de uma mulher, também em 2008, e pelo assassinato de  William Pereira Nunes.
     Mesmo assim, o soldado Rogério Moreira da Silva, o “Xaropinho”, só chamou realmente a atenção da Corregedoria, quando, acusado de  extorquir mendigos, armado de uma pistola, e à paisana, resistiu à abordagem de seus colegas de farda.
     Nos últimos meses, como ocorreu em 24 de outubro, com Aucinéia da Silva, de 34 anos, em Contagem, Minas Gerais, moradores de rua têm sido  assassinados, por espancamento, por fogo e à bala, em todo o Brasil, como se a questão social pudesse ser resolvida pelo extermínio dos miseráveis.
     Os nazistas, tecnicamente melhor organizados,   começaram sua tentativa de “limpar o mundo”, justamente pelos moradores de rua. Depois passaram aos portadores de síndrome de Down, aos esquizofrênicos, aos maníaco-depressivos,  aos anões e os corcundas, os mutilados em defesa da Alemanha, na 1ª Guerra Mundial,  os comunistas, os socialistas, os democratas. Finalmente, construíram esquemas de aniquilar milhares de homens, mulheres,  crianças e velhos por dia, como em Auschwitz ou Maidanek, na Polônia.  Chegaram  à  marca de 6 milhões de judeus, mais de um milhão de ciganos, e vários milhões de  russos, ucranianos, letões, moldavos, eslovacos.
       Se tivessem vencido a Segunda Guerra - da qual participamos lutando na Itália,com a FEB – teriam feito o mesmo aqui. Como nutriam desprezo  pela nossa miscigenação, teriam assassinado quase todos, misturando, nos mesmos fornos crematórios, os ricos e os pobres, os metidos a besta e os moradores de rua.
     Os nazistas marcavam suas vítimas, na chegada aos campos de extermínio, com um número tatuado  no braço. O bando de covardes que atacou um morador de rua, na madrugada de anteontem, em uma Praça de Presidente Wenceslau, em São Paulo, levando-o para um banheiro e o espancando brutalmente com um tampo de pia de concreto, preferiu prestar homenagem a seus inspiradores, marcando-o, nas costas, quando já estava sangrando e desacordado, com uma cruz suástica, símbolo nazista, riscada com um caco de vidro.
      Não precisavam ter recorrido à marca da maldade para nos lembrar que não existe nenhuma diferença entre quem ataca um mendigo indefeso e os nazistas que faziam experiências médicas dissecando  crianças vivas. 
      Esta semana, o Brasil lembrou Zumbi dos Palmares, comemorando o Dia Nacional da Consciência Negra.
      Que cor terá a pele do morador de rua atacado em Presidente Wenceslau pelo bando de neonazistas?

Este texto foi publicado também nos seguintes sites        Com a intenção de “normalizar e simplificar a governança estratégica” do gigantesco grupo de armamentos EADS, assegurando, ao mesmo tempo, que a Alemanha, a França e a Espanha, protejam os seus legítimos “interesses estratégicos”, os governos dos três países acabam de fechar  acordo para manter 24 por cento das ações  nas mãos dos estados francês e alemão e 4 por cento sob propriedade do estado espanhol. Mantêm, assim, o domínio do grupo, que controla, direta e indiretamente várias empresas prestadoras de serviços na área de defesa, no Brasil, como é o caso da Cassidian.
       Enquanto no Brasil é pecado o Estado meter-se em outras áreas que não sejam segurança, saúde e educação, países admirados por muitos como paradigmas de capitalismo avançado e do livre-mercado, asseguram a propriedade  do Estado em áreas estratégicas da economia - e nem por isso o mundo vem abaixo.
       Vamos aos fatos. A participação da Espanha no capital da EADS (abreviatura da denominação, em inglês, da European Aeronautic Defense Space Company), mediante a CASA (Construcciones Aeronauticas S.A) deve ser conhecida. Embora tenha nascido da iniciativa privada, em 1923, a empresa foi sendo absorvida pelo estado espanhol, a partir de 1943, e, desde 1992, a participação estatal é de 99,2%.
       Além da construção aeronáutica, o estado espanhol comanda as empresas ferroviárias, de construção, navais e de armamento. É com essas empresas que a Espanha quer invadir o mercado brasileiro, aproveitando o financiamento farto e barato no BNDES.
     O instrumento dessa operação é uma instituição chamada SEPI - Sociedade Estatal de Participações Industriais. E atentem bem para a palavra estatal, A SEPI - a exemplo de organizações congêneres como as existentes na Alemanha, na França, ou na Itália, com o IRI -  não está presente apenas como sócio temporário, mas exerce sua tarefa permanente de controle nacional dos setores estratégicos da atividade econômica.
           No Brasil, esse é um assunto tabu. O BNDES pode financiar empresas estrangeiras, e até mesmo estatais, como é o caso da DCNS, que constrói o estaleiro onde serão montados os submarinos que compramos à França. No entanto, não admitem que o Brasil possa ter uma empresa estatal para assegurar diretamente a presença do Estado onde ela é necessária, seja como controlador, seja como indutor do processo de desenvolvimento, como ocorre lá fora.
       O temor da opinião dos "analistas" do "mercado" e de certa parcela dos meios de comunicação, já totalmente entregue aos interesses estrangeiros, chegou a um ponto que nos humilha.
         É o caso, por exemplo, da projetada concessão operacional do Aeroporto do Galeão.  Uma empresa controlada pelo Estado francês, a ADP (Aeroports de Paris) disse, claramente, que só entra no negócio se a INFRAERO (ou seja, o estado brasileiro) estiver em posição minoritária. E o governo brasileiro, como mostra a mudança no formato do modelo, obedece.
        É preciso definir o modelo correto, para que o Brasil possa se desenvolver em ritmo acelerado e garantir sua autonomia, agora e no futuro, e o respeito aos princípios de não alinhamento e não ingerência nos assuntos internos de qualquer nação. 
       Ao contrário do que aconteceu no passado, o BNDES só deve financiar empresas autenticamente brasileiras. Os estrangeiros que quiserem entrar no Brasil, principalmente no filé das obras de infraestrutura, que se submetam às nossas leis e condições - e tragam o seu próprio dinheiro. :



21 de nov. de 2012

O BRASIL PREPARA A SUA DEFESA - ENTREVISTA COM CELSO AMORIM.


         Sobre a mesa de centro da sala de espera há dois quepes militares, sendo estrangeiro um deles. Isso explica porque o Ministro da Defesa, Celso Amorim, me atenda  alguns minutos depois da hora marcada: ele se despedia do Comandante da Marinha do Senegal, contra-almirante Mohamed Sane, que  recebera meia hora antes.
       O ex-chanceler é homem de boa biografia para ocupar o cargo, porque sempre foi afirmativo em suas posições. Em 1982, presidente da Embrafilme, teve a coragem de financiar, com dinheiro do Estado, a primeira denúncia cinematográfica das torturas cometidas pelos agentes da Ditadura, com o filme “Pra Frente, Brasil!”, de Roberto Farias. Foi, é claro, demitido.
        Ao assumir o cargo de Chanceler, no governo Lula, Amorim – na presença da Embaixadora dos Estados Unidos – recomendou aos jovens diplomatas que, acima de tudo, não tivessem medo. E mostrou a que viera, ao nomear, para a Secretaria-Geral do Itamaraty, o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, que fora ostensivamente hostilizado durante o governo anterior, em razão de sua firme atitude nacionalista. Conduziu política externa de afirmação nacional, coerente com a de alguns de seus antecessores, também do regime militar, que foi oposta à dos oito anos anteriores, os de Fernando Henrique Cardoso, e bem próxima de sua atuação quando, no governo Itamar Franco, ocupou pela primeira vez a Secretaria de Estado.
        A nossa conversa começou com uma olhada ao mundo. Se, de acordo com a visão de Clausewitz, política internacional e guerra se complementam, com os embates armados se seguindo à movimentação diplomática, Amorim está no lugar certo. Ele, diplomata atento, conhece bem a história política internacional – e não só a partir do Tratado de Westphalia, que é tido como o alicerce do poder mundial de nosso tempo. Seus olhos vão mais atrás, na longa crônica dos conflitos planetários, desde que deles há registros. Enfim, o mundo é da forma que é. Sendo assim, temos que nos preparar, e conviver com a realidade - não com o sonho.
        Todos os países têm uma estratégia de poder, e a mais conhecida delas, no mundo contemporâneo, é a dos Estados Unidos. Os norte-americanos nunca esconderam o seu projeto expansionista, exposto a partir de 1845 – quando se preparavam para a guerra com o México, com a doutrina do Destino Manifesto. A frase foi criada pelo jornalista John Sullivan, ao exigir, em artigo, a anexação do Texas: a “divina providência”  dotara o país da missão de dominar o mundo.

        -- Ministro, qual é a estratégia de poder do Brasil?
        -- O Brasil – e isso não é só uma convicção nossa, mas é também do conhecimento da comunidade internacional – não tem o objetivo estratégico de expansão de seu poder no mundo. O que a natureza e a história nos deram é bastante. Não queremos outro poder que não seja o de garantir a nossa soberania territorial e o respeito internacional à nossa autodeterminação. Para isso, é claro, devemos dispor de suficiente capacidade militar de defesa. A nossa estratégia pode ser resumida em uma idéia básica: cooperação ativa com os nossos vizinhos continentais, a fim de manter a paz e a defesa de nossos interesses comuns, e capacidade bélica a fim de dissuadir a agressão de eventuais adversários externos à nossa região, por mais poderosos sejam. Não nos amedrontamos: estamos dispostos a resistir a qualquer agressão com determinação e bravura.  É nesse duplo movimento que o Brasil vem agindo e continuará a agir.  
       O Ministro lembra que a situação geopolítica do Brasil, com a nossa extensa costa atlântica, vis-à-vis com a África Ocidental, traz-nos responsabilidade e preocupação com essas águas, que sempre singramos, em nossas relações seculares com o outro grande continente meridional. Temos excelentes relações, também de natureza militar, com as novas nações, e não as limitamos àquelas que, tendo sido colonizadas por Portugal, são nossas irmãs históricas. A propósito, faz menção à visita de cortesia do contra-almirante Mohamed Sane, do Senegal, que acabara de receber. No decorrer do encontro o contra-almirante referiu-se a uma ação da Marinha Brasileira, em Cabo Verde, de treinamento de tripulações para atendimento médico e social das populações litorâneas e ribeirinhas, e mostrou interesse em receber a mesma colaboração.
        Nesse particular, recordou que, terminado o regime de apartheid na África do Sul, tão logo a última nave de guerra sul-africana deixou o porto da Baía de Walvis, na Namíbia, nele encostou uma fragata brasileira. O Brasil está presente na Namíbia, ajudando seu povo a construir a nação, depois de dura dominação européia, iniciada pelos holandeses, há mais de 200 anos. Está presente na Namíbia, como está na Guiné, em Cabo Verde, em São Tomé e Príncipe e, naturalmente, em Angola. E em Moçambique – do outro lado do continente – isso sem falar em Timor Leste. Enfim, o Brasil não está ausente do mundo.
       Amorim é cuidadoso nas respostas. Como Ministro da Defesa cabe-lhe preparar as forças militares a fim de cumprir as decisões tomadas pela Chefia do Governo e do Estado, a partir de uma visão conjunta do país e do planeta. Esse cuidado é ainda mais nítido, quando fala na geopolítica brasileira, a fim de não entrar nas atribuições do Itamaraty – que conduziu por mais de onze anos. Não lhe é difícil, no entanto, manter, como diretriz mental,  a linha básica da política externa que vem sendo a mesma, desde a Independência, mas de forma mais nítida com a República e com Rio Branco: a da permanente e pragmática defesa da soberania nacional, a do não alinhamento automático a essa ou àquela potência,  e da autodeterminação dos povos, dentro das condições objetivas de seu tempo - ainda que eventualmente desprezada por certos governantes, como ocorreu com a doutrina das fronteiras ideológicas da Ditadura. Amorim, como bom diplomata, faz silêncio, quando lembro o alinhamento constrangedor do governo de Fernando Henrique a Washington.
     Conversamos dias depois de terminada a Operação Ágata VI, que teve ampla repercussão internacional, mas foi pouco divulgada pela imprensa brasileira. O ministro está satisfeito com o desempenho das três forças no exercício de patrulhamento intensivo da fronteira. Ao mesmo tempo em que as tropas se preparam para eventuais combates na defesa do território – não contra os vizinhos, dos quais nada temos a temer – realizam a necessária coerção contra o contrabando, de armas e de drogas. E presta assistência médica e social às populações que vivem quase isoladas nos confins do Oeste e do Norte. Nossas fronteiras terrestres são extensas, e não há como delas cuidar apenas com as corporações policiais. É preciso, assim, ter tropas adestradas para intervir, sempre que necessário.
      -- Temos convidado os países vizinhos para enviar observadores a essas operações. Alguns os enviaram, outros, não. Houve ainda os que, decidiram realizar operações semelhantes e simultâneas em seu próprio território, e isso tornou a nossa tarefa ainda mais fácil – disse o Ministro.
      Amorim, que é homem de formação intelectual inclinada para a cultura, como cineasta que foi (e pai de cineastas), não se sente deslocado entre os militares. Sempre entendeu que a ordem é a razão dos corpos armados, o que significa absoluto respeito à hierarquia. Na verdade, disciplina e hierarquia são atributos profissionais dos soldados, o que não impediu que houvesse sempre chefes militares que atuassem como  homens de Estado.     Amorim cita Caxias, um clausewtziano, que, obtida a vitória sobre o Paraguai, com a tomada de Assunção, sugeriu o armistício generoso e o fim das hostilidades – e foi substituído no comando pelo Conde d’Eu. O genro do Imperador, impelido pelo ânimo vingador do Trono, atuou ali com os exageros que conhecemos e ainda nos constrange. Antes disso, na repressão aos movimentos libertários e descentralizadores das províncias, o Duque sempre promovera a anistia aos revoltosos, no momento em que as armas silenciavam.
      Amorim não diz nada, mas entende  a pausa de silêncio do entrevistador e a ela  responde com a frase lateral:
        -- As experiências mais recentes estão cimentando, nas Forças Armadas, a opinião de que devem profissionalizar-se ao extremo e  dispor dos mais avançados instrumentos de combate para a sua missão constitucional. Sempre repito  a idéia de que a nossa defesa é indelegável. Por melhores amigos tenhamos no mundo, não serão eles os responsáveis pela segurança de nossas fronteiras e de nossas razões. Essa é uma tarefa do povo brasileiro, tendo como vanguarda os corpos armados. As guerras modernas, sempre indesejáveis, mobilizam as nações em seu todo, e isso ficou bem claro na Segunda Guerra Mundial. Nenhuma política de defesa será eficaz se não houver o perfeito entrosamento patriótico entre os cidadãos uniformizados e os civis.
       Entramos na questão da tecnologia bélica, que Amorim prefere qualificar como “de defesa”. Reitero-lhe uma preocupação, exposta neste mesmo Jornal do Brasil, com a desnacionalização da já de si modesta indústria brasileira de armamentos.
       O Ministro procura tranqüilizar a inquietação nacional com relação ao problema. Reconhece que descuidamos um pouco do assunto e que as dificuldades econômicas nacionais, manifestadas na dívida externa que consumia a maior parte das receitas orçamentárias, impediram o desenvolvimento da indústria estatal de armamentos e munições, e que empresas estrangeiras acabaram se associando às indústrias privadas nacionais do setor, absorvendo algumas delas. Mas pondera que nenhuma nação do mundo dispõe de  indústria militar totalmente autônoma, mesmo que disponha de conhecimento para isso. Sempre compra alguma coisa que não consegue ainda produzir ou  porque há outras razões, entre elas as da reciprocidade no comércio exterior.
       - Já que temos de comprar, por que não comprar dos BRIC?
         O Ministro explica que estamos mantendo cooperação na área militar com a Índia, com aviões radares, que produzimos e os indianos equipam com os instrumentos eletrônicos. E que adquirimos helicópteros russos de ataque para a Força Aérea.   Quanto aos aviões de caça, que muitos davam como certa a aquisição dos Raffale, da França, nada está ainda decidido. Caberá à Presidente (ou presidenta, como prefere o Ministro) a palavra final.
       -- Creio, diz o Ministro, que nossa colaboração mais estreita se faz e se fará ainda mais no âmbito do IBAS – Índia, Brasil e África do Sul. Com esses países realizamos exercícios navais conjuntos e trabalhamos no desenvolvimento de equipamentos e petrechos de defesa. São paises democráticos, com problemas sociais internos semelhantes e desafios idênticos, cada um deles de grande importância em seus continentes respectivos. E todos os três situados politicamente no Hemisfério Sul, ainda que a Índia esteja acima do Equador.
       -- Nossa preocupação maior, no entanto, é com o máximo de autonomia na indústria da defesa. Tudo o que nos for possível fabricar em nosso país, devemos fabricar. Sabemos que, em caso de um conflito, nem sempre podemos contar com alguns fornecedores. A Embraer está vendendo supertucanos para o mundo inteiro e acaba de exportá-los para a Indonésia. Ainda que não estejamos mais produzindo os blindados Osório – que teve uma encomenda volumosa para um país árabe desfeita por pressão de terceiros - começamos a produzir os Guaranis em Minas Gerais. Estamos, com a Amazul, cuidando da modernização da Marinha, e queremos produzir nossas belonaves aqui mesmo. A Avibrás, por decisão da Presidenta, está fabricando lançadores de foguetes. Avançamos na produção de munições não-letais, e estamos na vanguarda dessa indústria, mas não descuidamos a produção de cartuchos convencionais, de que somos dos maiores produtores do mundo. A nossa indústria bélica se refaz, para chegar ao nível da necessidade. A indústria bélica é, sobretudo, tecnologia, que em nossos dias, significa eletrônica.
          E como uma idéia puxa a outra, entramos na questão da cibernética, como um dos modernos meios de guerra. Amorim diz que não estamos alheios ao problema. Cita uma reunião ocorrida recentemente em Brasília, da qual participaram militares e especialistas civis.
      -- Nesse encontro, diz o Ministro, um professor afirmou que a guerra cibernética já começou. Temos um Centro de Guerra Eletrônica em funcionamento e desenvolvemos pesquisas intensivas nesse campo de conhecimento. Em suma, não estamos desatentos. Sabemos que, sobretudo para a vigilância de nossos dois espaços mais vulneráveis, o da Amazônia, com seus imensos recursos naturais, e as águas atlânticas brasileiras, com o pré-sal, as armas eletrônicas têm prioridade absoluta.
       O Ministro está otimista. O Brasil cresce em seus entendimentos, na área da defesa, com os demais países do Continente. A Unasul e o Conselho de Defesa continental trabalham em conjunto e de forma a cada dia mais harmônica. Trata-se de uma fatalidade geográfica: a Natureza e a História nos uniram, e devemos dar a essa realidade uma construção política, na qual a autodeterminação de todos e de cada um esteja assegurada, e, da mesma forma, assegurada a paz na região, para servir à paz no mundo.
      
Este texto foi publicado também nos seguintes blogs:


20 de nov. de 2012

O BRASIL E A ESPANHA - A LISONJA E A CAUTELA



       (JB) -    A visita de Estado que a Presidente da República faz à Espanha, coincidindo com a Reunião Ibero Americana de Cádiz, reclama algumas  reflexões. A primeira delas leva à necessária cautela diante da lisonja. É natural que os povos, como os indivíduos, sintam-se felizes, quando lisonjeados. Os indivíduos sábios, como os povos sábios, aceitam o respeito dos outros, mas desconfiam da lisonja. É como devemos nos comportar com os elogios do governo, das elites econômicas e de parte da imprensa espanhola, nestas horas.
         De início, entendamos que a crise  mundial, que afeta particularmente os países meridionais da Europa, é mais do que uma questão econômica. Ela está no núcleo da razão ocidental, e  na incapacidade de as estruturas políticas conduzirem o processo do conhecimento científico, que introduziu novos módulos de convívio entre as pessoas e os povos, principalmente mediante os meios instantâneos de comunicação. O problema crucial do homem continua sendo o da desigualdade no usufruto da vida, e a ciência e a tecnologia, longe de resolvê-lo, o têm agravado.
        O bom momento por que estamos passando, no Brasil, pensando bem, não é tão bom assim, nem garantido: os horizontes do mundo são movediços, movediças as placas tectônicas, movediça a crosta flamejante do sol – que nos manda seus recados de perigo com as freqüentes e intensas erupções – e, mais movediça ainda, a alma dos homens. 

Essa constatação nos inibe o exercício da soberba, ao mesmo tempo em que convoca a razão humanística da solidariedade. Há, no entanto, que se preservar a auto-estima. 

Aos que nos lisonjeiam, pensando que nos engambelam, devemos deixar claro que não somos parvos, e entendemos bem os seus interesses, da mesma forma que preservamos os nossos. 

        É assim que vemos a presença da Presidente Dilma Rousseff em Cádiz – que salvou, in extremis, o encontro, segundo a publicação El Confidencial de Madri. Mas é necessário deixar claro que ali não fomos em busca de nada, porque a Espanha nada nos pode oferecer,  neste momento, senão suas mãos vazias, em busca de algum apoio, quando as suas ruas se enchem de desempregados e de famílias despejadas pela voracidade dos bancos credores. Feito esse reparo, voltamos à necessidade de que nos comportemos, nesta quadra, sem descabidos orgulhos, mas tampouco sem sinais de que nos curvamos a uma superioridade que os espanhóis insistem em proclamar. Somos solidários, sim, com o povo ibérico, mas nada nos obriga a ser solidários com o Santander, a Telefónica, a Iberdrola, que nos exploram, nem com uma monarquia que começa a divertir, com seus escândalos e gafes, o jet-set internacional.

         A imprensa espanhola – a partir de El Pais, que se encontra em duras dificuldades financeiras – procura dar a versão de que fomos a Madri em busca de investimentos. A verdade, no entanto, é que a Espanha nunca teve dinheiro para investir no Brasil, nem mesmo os 90 bilhões de dólares que apregoa, porque todo o dinheiro que eventualmente trouxe, tomou emprestado de terceiros, e faz parte dos 3 trilhões de euros que o país e suas empresas estão devendo, e que seu povo terá que pagar a partir de agora.

      A pretensa competência espanhola na condução de sua economia, ou de seus líderes empresariais na direção de seus negócios, é um mito que a realidade está demolindo.   O país só conseguiu sair do atraso e do obscurantismo a que esteve relegado durante a maior parte do século XX,  sob a peste do franquismo, porque recebeu bilhões de euros  de recursos da União Européia, a fundo perdido, e fez empréstimos ainda maiores, aproveitando os juros historicamente baixos, durante os primeiros anos do euro. Uma fortuna imensa, muito acima da capacidade de produção do país, ou da renda real de sua população,  que a Espanha não soube utilizar para forjar  economia competitiva e sólida, mediante o desenvolvimento industrial interno e autônomo. 

       Investiu-se muito em obras de  infraestrutura, muitas delas, hoje sub-utilizadas; os bancos usaram os recursos fartos na especulação imobiliária. E se aplicou, mais do que seria conveniente, no setor de serviços, como no mercado financeiro e nas telecomunicações. Aqui, no Brasil, há quem pense que a Telefónica é uma empresa de classe mundial, quando o grupo deve mais de 100 bilhões de dólares,  dívida  impagável, principalmente se considerarmos a situação de crise que  espera a Europa e os Estados Unidos nos próximos anos.

       Da mesma forma, muita gente acredita que o Santander do Sr. Emilio Botin é uma potência, quando na verdade  teve uma queda de 60% do lucro na matriz este ano, e perdeu quase 50% do seu valor de mercado no Brasil, desde 2009. Com o valor e o lucro em queda, que futuro as empresas espanholas esperam na América Latina? A nacionalização por capitais locais, com ou sem ajuda do governo, ou a transferência de seus ativos e contratos para empresas chinesas, que contam com real  capacidade para investir, com o apoio do país que detêm as maiores reservas internacionais e é o maior credor dos Estados Unidos no mundo.

       Esse foi o caso, por exemplo, da Repsol espanhola, que vendeu quarenta por cento de suas ações no Brasil para a chinesa Sinopec.  

Mas, em vez de deixar que as coisas se desenrolem normalmente, o Governo Federal vem financiando, direta e indiretamente as multinacionais espanholas no Brasil, enquanto elas continuam a enviar  bilhões de dólares em remessa de lucros para as suas matrizes todos os anos.

      Em setembro de 2011, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais eximiu o Santander de pagar cerca de 4 bilhões de reais em impostos. No mesmo ano, a Vivo, leia-se Telefónica, que tem entre seus “conselheiros”, o genro do rei da Espanha - um ex-jogador de handebol, agora processado por corrupção em seu país - obteve, de uma só vez, 3  bilhões de reais em empréstimos do BNDES para “expansão de infraestrutura”. O BNDES tem financiado  a instalação e expansão de empresas espanholas em outras áreas, como as de transmissão de energia e geração eólica, quando deveria, no mínimo, fazer o mesmo, para assegurar com a mesma generosidade a criação e a presença de empresas 100% brasileiras nessas áreas.

      Outro mito que se propagou no Brasil, durante a tragédia neoliberal dos anos 90, é o da excelência técnica da engenharia espanhola, e dos técnicos espanhóis de modo geral. A imprensa espanhola não se cansa de dizer que precisamos de suas construtoras para reformar estádios de futebol e as instalações para as Olimpíadas, e para a construção de estradas. É risível. Como se não tivéssemos nós, brasileiros, construído Brasília, a cidade que surpreendeu o mundo por seu projeto urbanístico e arquitetônico; pontes como a Rio-Niterói, estradas como a Transmauritaniana, em pleno Saara, aproveitando conchas encontradas na areia para fazer cimento, ou Itaipu, a maior hidrelétrica do mundo, com uso de uma linha de resfriamento contínuo de concreto, quando a Espanha, ainda na agonia do franquismo, nem mesmo sequer dispunha de uma rodovia duplicada. Na construção de navios também não nos é dado o direito de ter memória curta. Não custa nada lembrar  que a nossa indústria naval era a primeira do mundo nos anos 70. O mesmo erro se comete com relação às universidades. A possibilidade de, talvez, a média das universidades espanholas ser de boa qualidade, e de estarmos enviando estudantes para lá, pelo Programa Ciência sem Fronteiras, não nega o fato de, no ranking das melhores universidades do mundo, a USP estar à frente de qualquer universidade ibérica (segundo a The Times Higher Education World University Rankings, 2012/2013).

       Ora, se a Espanha não tem capitais próprios para investir no Brasil, nem excelência em engenharia de grandes obras, qual a vantagem de continuar estreitando os laços com as elites espanholas e os seus representantes? 

         A Presidente salvou a cúpula de Cádiz do malogro, mas o Brasil, como nação e seus interesses com relação à interação continental, foi golpeado, com uma conferência, dentro do evento,  patrocinada pela Espanha, da Aliança do Pacífico,        organização fomentada  pelo México com a intenção de “rachar” diplomaticamente a América do Sul, e que reúne a Colômbia, o Chile e o Peru, na tentativa de contrapor-se ao Mercosul, à UNASUL e ao Conselho de Defesa Sul-americano. Aproveitando a presença de Dilma, a imprensa espanhola voltou a anunciar, como faz regularmente, que o Brasil estaria mudando a legislação para permitir a entrada de trabalhadores espanhóis em nosso país.

     Em respeito aos 11.000 brasileiros expulsos da Espanha nos últimos anos, seria conveniente  que nenhuma medida nesse sentido fosse tomada sem  o critério de reciprocidade, de forma que se os cidadãos brasileiros quisessem – embora, nesse momento, seja improvável – pudessem usar do mesmo direito, o de entrar na Espanha e ali trabalhar, em iguais condições.

     Uma última observação: o governo espanhol anunciou ontem que pretende dar visto de residência automática aos nacionais de certos paises que ali adquirirem moradias (da qual estão sendo despejadas as famílias espanholas) pelo valor mínimo de 400.000 reais. A medida não favorece os espanhóis, mas, sim, reduz o buraco em que se meteram os bancos. Ora, como um país que se encontra nesta situação, pode se apresentar - sem dinheiro do BNDES -  como “investidor” nas grandes obras brasileiras?

    Ao aceitar tais “investimentos” o Brasil poderá estar salvando as elites empresariais claudicantes da Espanha, mas não estará ajudando seu povo, nem o nosso. E há mais, quando perguntaram  quem seriam os compradores dos imóveis, o funcionário responsável pela declaração citou russos e chineses, pertencentes ao BRICS.  O Brasil é parte dos BRICS. Ao que parece, os brasileiros, mesmo com dinheiro, continuam sendo indesejáveis ali. 

Este texto foi publicado também nos seguintes sites: