(JB) - Seria muito melhor que assim não
fosse, mas do resultado das eleições norte-americanas de hoje dependerá o
futuro imediato do mundo. As pesquisas mostram que Obama parece vitorioso,
quando se trata dos votos populares, mas no sistema norte-americano é preciso
que ele disponha da maioria do colégio eleitoral – o que é outra coisa. Basta
lembrar que, em 2000, Al Gore obteve meio milhão de votos diretos a mais do que
Bush, mas a estranha recontagem de votos na Flórida, aprovada por uma Suprema
Corte engajada na direita, garantiu os sufrágios dos delegados eleitores
daquele estado a Bush.
Os resultados dessa violência judiciária são
os que conhecemos: atentado às Torres Gêmeas; a invasão do Iraque e do
Afeganistão; milhares de soldados ianques e de seus aliados mortos; centenas de milhares de civis
chacinados naqueles países e nos outros que se seguiram; o retorno da barbárie de Estado, com os
seqüestros de suspeitos no mundo inteiro, pelos agentes da CIA, Guantánamo, Abu
Ghraib e outros centros de tortura e morte. São os estigmas de um tempo
orgulhoso de seus amplos conhecimentos científicos. Uma época em que o
iluminismo se dissolve nas trevas da selvageria.
Muitos são os estudos sobre a
relação entre o mito e a realidade na formação espiritual dos Estados Unidos.
Esses estudos remontam aos passageiros do Mayflower,
animados pela visão teológica do contrato dos homens com Deus e com o destino,
fundado na Última Ceia de Jesus com seus discípulos. The convenants se chamava a seita protestante chefiada por William
Bradford, o líder dos peregrinos que chegaram em 1620 à baía de Plymouth, e
fundaram a colônia que deu origem política à Nova Inglaterra. Os convenants, reconhecem os historiadores,
eram uma dissidência – ou heresia - de esquerda no anglicanismo, e com essa
orientação Bradford governou diretamente a comunidade, durante 30 anos. A mesma
orientação seguiu John Winthrop, na Colônia de Massachusetts, um pouco mais ao
norte.
O melhor dos Estados Unidos surgiu ali, na
Baía de Massachusetts, com a educação
universalizada, as decisões tomadas democraticamente, o trabalho persistente e
a solidariedade. O pior, também, com o fanatismo religioso, a repressão ao amor
não convencional, a caça às bruxas. Não é por acaso que Arthur Miller recorre
às feiticeiras de Salém a fim de explicar o irracional processo do macarthismo,
em sua peça clássica, The Crucible,
de 1952.
Uma análise mais acurada da história dos
Estados Unidos encontrará na palavra escrita o grande vetor de seu
desenvolvimento. No primeiro século, foram a Bíblia e os textos religiosos
impressos que construíram o mito, ao qual se ajustava a realidade. No século
18, foram os textos jornalísticos, inspirados na filosofia moral e política
inglesa, fundada no pensamento greco-romano. Esses textos impressos na Nova
Inglaterra – alguns deles traduzidos
para o entendimento popular, como os de Thomas Payne, entre os quais o mais
lúcido de todos, The Common Sense - mobilizaram as colônias para a autonomia.
Meditados
e discutidos, foram o germe da
Declaração da Independência e da Constituição de 1787. A partir de então, os
papéis impressos se encarregam de fazer a
realidade norte-americana, na reconstrução mítica da História, e na projeção ficcional da contemporaneidade de
cada tempo. Tratou-se de um processo dialético, no qual a ficção e a
contrafacção histórica alimentaram a realidade e essa realidade induzida realimentou o mito.
E, nisso, chegamos às eleições de hoje.
Em texto publicado anteontem na edição online do New York Times, o professor de
História da Academia Naval dos Estados Unidos, e ex-oficial da Marinha, Aaron
O’Connell, trata da permanente militarização dos Estados Unidos, contra a qual
Eisenhower advertira, há 51 anos, e a atribui, entre outras razões, ao mito da
superioridade militar norte-americana no mundo.
“Nossa cultura militarizou-se desde Eisenhower
– escreve O’Donnel – e os civis, não os serviços armados, são a causa principal
disso. Dos congressistas que apelam para o apoio às nossas tropas, a fim de
justificar os gastos com as guerras, aos programas de televisão e aos jogos
como os “NCIS”, “Homeland” e “Call of Duty” ao vergonhoso e irreal reality show “Stern earn Stripes”, os
norte-americanos são submetidos à sua dieta diária de estórias que valorizam o
militarismo, enquanto os redatores dessas estórias cumprem a sua tarefa por
oportunismo político e seus resultados comerciais”.
O’Connell poderia ir mais atrás em suas
reflexões, lembrar “O Destino Manifesto”
de John Sullivan e o endeusamento dos assassinos de índios, como o general
Custler, e os heróis de fancaria, como Buffalo Bill e os reles assassinos do
Oeste, elevados à glória pelas revistas de cinco centavos, entre eles Jesse
James, Billy the Kid, Doc Holliday – e, do outro lado, o lendário Wyatt Earp,
também muito menor do que a sua lenda.
O’Connell pondera que os veteranos de
guerra merecem todo o respeito e o afeto de seus concidadãos, como os merecem
também os policiais, os que se dedicam aos trabalhos nas emergências, e os
professores. Mas nenhuma instituição, e menos ainda as que são mantidas com o
dinheiro dos contribuintes, está imune às críticas.
O mesmo autor cita, ainda, outra frase
de Eisenhower, ao assumir a presidência, em 1953: “Cada arma que é fabricada,
cada nave de guerra lançada, cada foguete disparado, significa, em seu sentido
final, um roubo contra aqueles cuja fome
não foi satisfeita, contra aqueles que têm frio e não foram agasalhados”.
É conhecido o telegrama do grande
magnata do jornalismo ianque, na passagem do século 19 para o século 20,
William Hearst, a seu repórter-ilustrador Frederic Remington enviado a Havana –
que comunicara ao patrão a inexistência de fatos em Cuba que merecessem
cartoons de denúncia contra os espanhóis: “você me forneça os desenhos, e eu
fornecerei a guerra”. O envenenamento da opinião pública foi de tal
intensidade, pelas duas grandes cadeias de jornais (a de Hearst e a de
Pullitzer) que William James, ao falar para os estudantes de Harvard, e se opor
à guerra que a imprensa pedia, foi intensamente vaiado.
Um dos mais respeitáveis pensadores
do mundo, James – pai da psicologia moderna – comparou os jovens que o insultavam,
por pedir a paz, a uma imensa horda de lobos sedentos de sangue. Com esse
passado de ambigüidades e conflitos morais e ideológicos, os Estados Unidos vão
hoje às urnas. O mais antigo e respeitado jornal americano, o The New York Times, que não se somara ao
belicismo de Pullitzer e Hearst, na Guerra da Espanha, declarou seu apoio a
Obama. Murdoch, com seus jornais e sua televisão, prefere Mitt Romney.
Romney, em declaração durante a campanha, reafirma a doutrina do direito ao império universal pelos Estados Unidos, a do Destino Manifesto, de 1845, ao dizer que "Deus não criou este país para que fosse uma nação de seguidores. Os Estados Unidos não estão destinados a ser apenas um dos vários poderes globais em equilíbrio. Os Estados Unidos devem conduzir o mundo ou outros o farão."
Se Frederic Remington não houvesse fornecido as imagens falsas de Cuba, Hearst talvez não tivesse conseguido a guerra, e a história dos Estados Unidos no século 20 fosse outra. O governo de McKinley relutara o máximo em seguir os belicistas.
Esta é uma lição para muitos jornalistas brasileiros, que sabem muito bem do que estamos falando.
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Romney, em declaração durante a campanha, reafirma a doutrina do direito ao império universal pelos Estados Unidos, a do Destino Manifesto, de 1845, ao dizer que "Deus não criou este país para que fosse uma nação de seguidores. Os Estados Unidos não estão destinados a ser apenas um dos vários poderes globais em equilíbrio. Os Estados Unidos devem conduzir o mundo ou outros o farão."
Se Frederic Remington não houvesse fornecido as imagens falsas de Cuba, Hearst talvez não tivesse conseguido a guerra, e a história dos Estados Unidos no século 20 fosse outra. O governo de McKinley relutara o máximo em seguir os belicistas.
Esta é uma lição para muitos jornalistas brasileiros, que sabem muito bem do que estamos falando.
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Este texto foi publicado também nos seguintes sites:
http://www.conversaafiada.com.br/politica/2012/11/06/santayana-e-as-armas-da-eleicao-americana/
http://forum.antinovaordemmundial.com/Topico-por-que-torcer-por-obama
http://www.dignow.org/post/esta-ter%C3%A7a-feira-e-o-mundo-4736988-15984.html
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