Koestler tem uma constatação dura, do
tempo em que militava na esquerda: a
direita adora a delação, mas detesta o delator. O mesmo autor trabalhou a
idéia da auto-delação falsa, como a suprema dedicação ideológica, em seu livro
maior, “O Zero e o Infinito” (Darkness at
Noon), sobre o mecanismo psicológico dos velhos bolcheviques levados à
prisão e alguns à morte, nos processos de Moscou, movidos por Stalin.
Embora se tratasse, como se tratou, de uma
obra de ficção, o livro de Kostler foi visto como uma denúncia, ou uma
“delação”, dependendo do ponto de vista do leitor, sabendo-se que o grande
escritor fora militante do partido em sua juventude.
Como se sabe, o personagem de Koestler,
Rubachov, se baseia em Bukharin, que se
confessou culpado e, com outros do mesmo estofo, foi fuzilado. Todos eles
morreram, - como confessaria mais tarde Artur London, vítima do processo
Slansky, semelhante, na Tchecoeslováquia - porque acreditavam que, ao se
inculparem, defendiam a liderança de Stalin, no momento de grande perigo para o
país, o regime e a utopia de uma sociedade sem classes.
Os comunistas de Moscou e de Praga, já nos anos 50, se sacrificaram em
nome de uma causa que lhes era nobre. Assim são os que admitem denuncias, para
impedir tragédias maiores, como o personagem Kilpatrik, de Jorge Luis Borges,
em Tema del traidor y del héroe, que
trata da Irlanda rebelde no século 19.
Outra coisa é essa delação
premiada, que os americanos inventaram, e que estamos adotando no Brasil.
Quando alguém participa, direta e voluntariamente, de um grupo, para essa ou
aquela atividade, e trai - a não ser sob tortura - não pode ser visto como uma
pessoa honrada. Nos processos de Moscou e de Praga, conforme o depoimento de
London, em L’aveu, as pessoas se
entregavam individualmente ou, mediante prévios entendimentos entre si, em
pequenos grupos.
Nas delações
premiadas, o objetivo do delator é salvar a própria pele – em alguns casos
recebendo identidade falsa, e proteção permanente do Estado, em lugar
desconhecido, em troca da entrega de almas e corpos. Não há ideologias em jogo,
não há nações em jogo, não há crenças em jogo. Há, e só, um comportamento que se aproxima
da abjeção.
Temos, no Brasil, delatores em nossa história
recente, que são lisonjeados pela direita, porque a ela serviram, e bem, cada um a seu jeito e em seu
tempo. Todos os escândalos políticos em nosso país,
nos últimos tempos, surgiram quando alguns dos envolvidos foram apanhados com a
mão na cumbuca, e, para se salvarem, delataram outros, com provas ou sem elas,
e quase sempre com mentiras.
São esses “santos” de última hora que
são agraciados com o perdão dos juízes e o aplauso da imprensa conservadora e
engajada.
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