(JB) - O
entendimento entre a Argentina e o Brasil é uma imposição histórica e
geográfica. Durante quase todo o passado comum, argentinos e brasileiros se
olharam com natural rivalidade. Os argentinos, graças à alta fertilidade de
suas terras tornaram-se ricos e poderosos no século 19 e puderam, nas primeiras
décadas do século 20, fazer de Buenos Aires uma das mais belas cidades do
mundo. E, como as sociedades ricas costumam ser mais refinadas, os argentinos
sempre estiveram à nossa frente na educação – das escolas elementares às
universidades – e, é claro, na economia.
A guerra comum contra o Paraguai de Solano López nos uniu, e se
esperava que a Tríplice Aliança se tornasse uma coligação política forte,
depois da paz. Embora muitos acordos se seguissem, dissídios antigos, como o da
disputa do Território das Missões, impediam aproximação mais forte. O litígio
foi resolvido em favor do Brasil, pela arbitragem do Presidente Cleveland, dos
Estados Unidos, em 1895, graças aos documentos reunidos por Rio Branco. Com a
solução do problema, acordos se fizeram, mas, por detrás dos festejos e das
assinaturas dos tratados, a desconfiança mútua era notória.
Os registros históricos mostram que às potências européias não
interessava uma aliança política entre a Argentina e o Brasil. Ainda no Reino
Unido, quando os argentinos, aproveitando-se das dificuldades de Madri, sob
ocupação francesa, começavam a consolidar seu processo de independência, a
Rainha Carlota Joaquina – que era irmã de Fernando 7, da Espanha, derrotado por
Napoleão – pretendeu fundar um reino que unisse o Brasil e a Argentina, mas
seus planos se frustraram.
A partir de Perón, na Argentina, e de Vargas, no Brasil,
ensaiaram-se alguns passos concretos de aproximação, contidos pelo suicídio de
Vargas, em 1954, e pela queda de Perón no ano seguinte. Os entendimentos entre
os dois países, durante os regimes militares dos anos 70, se fizeram na
repressão comum aos movimentos de contestação.
Apesar das famosas fronteiras ideológicas, que custaram a vida de
brasileiros, uruguaios e argentinos, houve, naquela época, conflitos mais ou
menos graves entre os dois países. Quando o Brasil iniciou a construção de
Itaipu, o almirante Isaac Rojas, um dos chefes golpistas que derrubaram Perón,
pregou abertamente a guerra contra o nosso país. Advertia que a represa era uma
arma poderosa: bastava ao Brasil abrir as comportas para destruir a cidade de
Buenos Aires.
Chegou a propor o bombardeio das obras de Itaipu. Rojas – que só
morreria em 1993 – foi mais longe, ao afirmar que não era possível tolerar o
surgimento de “uma China Negra” ao norte.
Não podemos perder a nova oportunidade, que surgiu com os
entendimentos entre Sarney e Alfonsin. Devem prosseguir os esforços de Dilma e
Christina Kirschner, para o desenvolvimento industrial acelerado nos dois
países. A Argentina está passando por grandes dificuldades, e nós mesmos não
estamos imunes a uma crise, em decorrência da situação internacional. Ainda
agora, os argentinos obtiveram importante vitória judicial, em Nova Iorque,
contra especuladores com seus títulos de dívida. A Argentina negociara, há
dez anos, com seus credores o pagamento, parcelado, de uma dívida
de 100 bilhões de dólares, com o desconto de 75%, em alguns casos. Como uma
minoria não quis o acordo, a Argentina se recusou a lhes pagar o valor de face
dos títulos que tinham em carteira.
Um fundo especulativo, o Elliot Management, também credor, comprou
o direito dos créditos dos que se haviam negado ao acordo, e entrou na justiça
americana, exigindo o pagamento integral. Um juiz de primeira instância acolheu
a exigência e autorizou ao fundo a apreender um navio argentino em Gana.
Já estava decidido a mandar congelar os créditos de Buenos Aires
nos bancos americanos, quando um tribunal de apelação de Nova Iorque, atendendo
ao governo argentino, sobrestou a sentença, até a apresentação de novas provas,
em fevereiro próximo. Apesar de tudo, a dívida da Argentina é de apenas 20% de
seu PIB, enquanto a da Espanha passa dos 90 por cento. É nosso dever prestar
solidariedade aos vizinhos.
Temos que nos unir, como os dois países mais fortes do Mercosul, a
fim de resistir juntos ao assédio dos que desejam nos sufocar, e preservar o
Tratado, como a base necessária à unidade sul-americana. Essa é uma
responsabilidade dos dois povos, que devem fechar os ouvidos às intrigas de
terceiros, interessados na cizânia entre nós.
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