(HD) - Oscar Niemeyer iniciou sua carreira individual no Rio,
com o projeto pioneiro da Obra do Berço, quando usou, pela primeira vez em seu
trabalho, persianas de concreto (brise-soleil),
invenção de Le Corbusier, mas utilizado pelo suíço na horizontal. Niemeyer foi
o primeiro a usá-lo no sentido vertical, no que foi seguido no mundo inteiro).
Mas foi em Minas, como Oscar sempre dizia, que encontrou a sua grande
oportunidade, no Conjunto da Pampulha. Ele foi apresentado a Juscelino por
Israel Pinheiro, então secretário da Agricultura, Indústria e Comércio de
Benedito Valadares, que o convidara a Belo Horizonte para projetar um cassino
no Acaba Mundo (hoje, o Bairro Sion, em que havia grandes erosões, na encosta
que suporta o Belvedere).
Oscar não achou o local interessante, e, por
isso, Israel chamou Juscelino, já prefeito, e ambos optaram pela Pampulha.
Quando o arquiteto fez 75 anos, em 1982, em entrevista que lhe fiz, narrou-me o
episódio com bom humor. A idéia da Igrejinha foi sua. Já que haveria ali um
cassino, Juscelino deveria erigir uma igreja, para que os jogadores pudessem rezar,
em busca do perdão ou do consolo de Deus. “Assim,
Juscelino, você vai evitar muitos suicídios”.
Se não fossem os mineiros,
confessava, com exagero, ele não teria sido o arquiteto que foi. É claro que a
força de seu talento seria revelada em qualquer lugar e em qualquer
circunstância. Mas só o arrojo de Juscelino permitiria dar ao grande arquiteto
a liberdade de fazer o que fez na Pampulha e o que fez em Brasília.
No texto publicado, lembrei um verso
fascinante do poeta espanhol (e Prêmio Nobel) Vicente Aleixandre, sobre Picasso:
el mundo era una línea en la mano del
niño. Voltei a recordar o verso de Aleixandre, agora, na morte de Oscar.
A linha de Picasso, por mais fantástica tenha
sido, está limitada à geometria de seus quadros. A linha de Oscar deixou a
prancheta para construir palácios e igrejas, e grandes museus – que acolhem e
protegem também as linhas de Picasso, aprisionadas em suas telas.
Oscar, sendo um libertário por natureza, chamou dois outros
rebeldes para fazer a Igreja de São Francisco (também a escolha do santo foi
dele): Portinari, para revestir as paredes e pintar a Via Sacra, e Burle Marx,
para os jardins. Portinari, comunista como Niemeyer, arrostou o episcopado de
Belo Horizonte, pintando São Francisco ao lado de um cão vira-lata, e não de um
lobo; e substituindo os pombos de Assis por urubus dos céus mineiros. Nada mais natural do que pintar o mais
humilde dos santos junto às mais desprezadas das aves – explicou o pintor.
A Igreja não só se opôs às linhas
arquitetônicas do templo – que poderiam ter sido góticas ou barrocas – mas pelo
fato de que Oscar era um não católico, e sim um homem livre, que conduziria sua
liberdade até as vésperas de seus 105 anos.
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