29 de dez. de 2013

O DIA DE CRISTO



(JB) - Há pouco mais de dois mil anos, em uma terra seca e pedregosa, coberta de desertos e montanhas, e dominada por feroz e grande império, viveu um homem, filho de carpinteiro, que chicoteava hipócritas e derrubava moedas pelas escadas dos templos, abria os olhos de cegos e lavava os pés de prostitutas e mendigos, fazia os aleijados andarem, ressuscitava mortos e alimentava de pão e palavra os famintos.    

Seria bom que a Igreja, aproveitando a presença inspiradora de Francisco, instituísse, sem acabar com as que  existem, nova data para lembrar esse homem, que foi coroado de espinhos e cravado a uma cruz de madeira, para enfrentar seu destino.  

Nessa data – que poderíamos chamar de O Dia de Cristo - não comemoraríamos o seu nascimento nem lembraríamos a sua morte, mas apenas praticaríamos seu exemplo.

Não faríamos uma ceia em nossa própria casa, mas em casa alheia, de preferência em uma creche ou asilo, ou de uma família pobre e humilde.

Não presentearíamos ninguém que conhecêssemos, mas desconhecidos, de preferência aqueles que estivessem sozinhos, longe de sua família ou de seu país e sem abrigo.

Distribuiríamos rosas e sorrisos – sinceros sorrisos – ou faríamos mágicas, ou serestas, nas praças decadentes dos centros antigos de nossas grandes cidades, para velhas e aposentadas meretrizes.

Rezaríamos, na capela dos hospitais, não para os nossos doentes, mas para os doentes alheios, junto com suas famílias.

Visitaríamos, no cemitério, não os nossos mortos, mas as valas comuns dos indigentes, e os túmulos com datas muito antigas, das famílias que já se extinguiram ou em que só conste um nome, dos que não conheceram seus pais ou não tiveram filhos.  

Já existem pessoas que levam sopa aos viciados, visitam creches e abrigos na periferia, fazem rir crianças enfermas, oram nos hospitais com os que estão morrendo sozinhos e com famílias que não são as suas.

Mas esses cristãos, tocados em seu coração pela mão do Nazareno, ainda são poucos, em um mundo em que mais e mais pessoas se deixam embriagar pelo sucesso, e preferem perder dias e noites acordados em uma fila para comprar um novo  console de jogo ou Iphone, do que passar meia hora, em um hospital público, lendo um livro para uma criança com câncer.

Eles se escondem, na multidão anônima, como os cristãos das catacumbas. São apontados de longe, pelos que rezam mais pela sua própria prosperidade, do que por qualquer outro ser humano - como peças que emperram a engrenagem imutável e imortal de uma igreja enrijecida, e em alguns círculos, chegam a ser  excomungados pelo que falam e praticam.

Quem sabe, com a criação de um Dia de Cristo - que poderíamos comemorar pelo menos uma vez a cada ano, e depois multiplicar a data como fez Jesus, com os peixes e os pães - esses cristãos passem a ser vistos de outra forma.

Quem sabe, sobre eles se erga outra Igreja, ou sirvam de pedreira bruta para a construção de uma nova.

Uma Igreja sem outros templos do que o coração humano.  Sem outro altar do que o olhar do próximo. Sem outras velas do que o calor e o brilho da solidariedade. Sem outras vestes, do que a que se dá a quem não tem nenhuma. Sem outro vinho do que o sangue que se doa a um enfermo. Sem outra hóstia que o pão que se coloca na boca do faminto, sem outra oração do que a de um sorriso que se compartilha. 

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25 de dez. de 2013

O BRASIL E O ASILO A SNOWDEN


(HD) - Um dos principais assuntos da semana, foi a realização de uma reunião da Presidente Dilma,  para analisar o asilo a Edward Snowden, em troca de informações sobre as atividades de espionagem da NSA contra cidadãos e autoridades brasileiras.
O assunto surgiu a partir de uma “carta aberta” de Snowden ao povo brasileiro, publicada na  “Folha de São Paulo”, e do lançamento de uma campanha em defesa do asilo a ele, com a coleta de assinaturas e o uso de  máscaras que reproduzem sua face.
O texto renovou as denúncias a propósito dos riscos que corremos – nós e pessoas de outras nacionalidades - de termos nossas comunicações interceptadas, todos os dias, e de sermos até mesmo chantageados pelos EUA, por nossas atividades na internet.
Ela foi, também, uma mensagem de gratidão ao  governo brasileiro, pela atenção dada às denúncias de pelo empenho demonstrado, nas Nações Unidas, para atuar com firmeza em defesa da privacidade como um direito fundamental de todo ser humano.
O que mais chamou a atenção, no entanto, foi a parte em que Snowden afirmava, com relação às investigações que estão sendo realizadas pelo governo brasileiro:
“Expressei minha disposição de auxiliar quando isso for apropriado e legal, mas, infelizmente, o governo dos EUA vem trabalhando arduamente para limitar minha capacidade de fazê-lo, chegando ao ponto de obrigar o avião presidencial de Evo Morales a pousar para me impedir de viajar à América Latina. Até que um país conceda asilo político permanente, o governo dos EUA vai continuar a interferir com minha capacidade de falar.”
Esse trecho foi interpretado como uma espécie de barganha, por meio da qual Snowden estaria oferecendo sua colaboração e informações, em troca de eventual concessão de asilo, pelo governo brasileiro.
Hipótese que foi rapidamente desmentida pelo jornalista Gleen Greenwald, espécie de porta-voz oficioso de Snowden, que afirmou, que, na verdade, ele estaria apenas explicando sua impossibilidade de vir ao Brasil pessoalmente, devido à implacável perseguição que lhe é movida pelo governo norte-americano.   
Ao tratar o assunto como uma questão de Estado,  o Brasil poderia estar superestimando o fato e caindo em uma armadilha diplomática e institucional. O asilo a Snowden, só se justifica por razões humanitárias, caso estivesse correndo risco de vida, na Rússia, onde está agora, o que não é o caso.  Aceitá-lo, em troca de informações, equivaleria moralmente a equiparar-nos aos EUA, fazendo o que eles fizeram conosco, que foi meter o bedelho em nossos assuntos internos. 
A mensagem mais importante da carta de Snowden está no final, quando ele declara:
“Se o Brasil ouvir apenas uma coisa de mim, que seja o seguinte: quando todos nos unirmos contra as injustiças e em defesa da privacidade e dos direitos humanos básicos, poderemos nos defender até dos mais poderosos dos sistemas.”   

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21 de dez. de 2013

A COMPRA DOS GRIPEN E A DOUTRINA MILITAR DE DEFESA



(JB) - Depois de 13 anos, finalmente o governo brasileiro deu sua aprovação à compra de 36 novos caças para a Força Aérea Brasileira, optando pelos Gripen NG suecos, em detrimento do Rafale, da Dassault francesa e do F-18 da Boeing norte-americana. O menor preço, unitário e por hora de voo, a transferência de tecnologia e a questão política foram fatores determinantes para a escolha.

Como ainda não está totalmente desenvolvido, o caça sueco-brasileiro será projetado em conjunto por técnicos e empresas das duas nações, como as brasileiras Akaer — que já participa do projeto — e Embraer e a própria Saab. Está prevista a criação inicial de aproximadamente 2 mil empregos em São Bernardo do Campo, São Paulo, onde seria instalada a unidade de montagem. O pacote financeiro — cada avião sairá por aproximadamente 125 milhões de dólares — também foi o mais atraente. O Brasil só começaria a pagar os aviões depois de recebida a última das 36 aeronaves, no começo da próxima década.

Para o Brasil, o Gripen NG representa um novo patamar, do ponto de vista da indústria aeronáutica militar, bem acima do turboélice de ataque leve e treinamento avançado Super-Tucano, da Embraer. Mas ele — como bem lembrou o ministro Celso Amorim, ao dizer que o país continuará negociando um caça de quinta geração — não solucionará todos os problemas do país nessa área.

Como o Brasil será dono do projeto, com o tempo, ele poderá ser vendido para outros países da Unasur e até mesmo do Brics, como é o caso dos sul-africanos, que já possuem Gripen mais antigos em sua Força Aérea. Com eles estamos desenvolvendo conjuntamente mísseis A-Darter, que podem armar esse avião.

O importante é que o Gripen NG possa render, estratégica e economicamente, o máximo de retorno para o investimento previsto.

Não é preciso dizer, da Engesa ao AMX, o quanto a descontinuação na fabricação de material bélico foi e pode ser danosa para o Brasil, tanto no desmonte da estrutura estabelecida para sua fabricação quanto na perda de conhecimento e na desmobilização do pessoal técnico envolvido.

Verificando o que está sendo feito no país, neste momento, não é racional gastarmos centenas de milhões de reais para montar um estaleiro para fazer quatro submarinos. O correto seria dar início, a partir daí, à fabricação de pelo menos uma nova belonave por ano, para manter ativos e operantes todos os elos da cadeia produtiva. O mesmo vale para blindados, helicópteros, mísseis, artilharia, avançando, a cada etapa, na nacionalização de componentes, até adquirir total autonomia do exterior.

Precisamos aprovar encomendas do governo que permitam garantir demanda suficiente para manter em funcionamento todas as linhas de produção, assegurando que elas possam eventualmente ser aceleradas, em caso de conflito.

É por essa razão, considerando-se preço, consumo de combustível e garantia de transferência de tecnologia, que os Gripen não deveriam ficar limitados, apenas, ao reduzido número de 36 aeronaves. Sua fabricação deveria durar, pelo menos, dez anos, a um ritmo de 12 aviões por ano, até completar — asseguradas as modernizações possíveis e o natural ganho de escala — um número mínimo de 120 caças, ainda assim insuficiente para garantir a vigilância de nossas fronteiras e uma condição militar à altura de nossa situação geopolítica.

O grande vetor para a projeção estratégica do Brasil fora do contexto geográfico sul-americano, considerando-se a concorrência e a competição entre os EUA, a Europa e os Brics, nos próximos anos, não será o Gripen mas o caça-bombardeio de quinta geração T-50 PAK-FA, que se encontra atualmente em desenvolvimento por russos e indianos, e para o qual o Brasil já foi convidado a participar oficialmente.

Poderíamos, assim, estabelecer uma teia de atuação aérea progressiva, complexa e abrangente, cobrindo nossas necessidades de defesa e de projeção de nosso poder militar, começando, em um anel mais externo, pelo uso de satélites, drones, Vants e Super-Tucanos para vigilância de nossas fronteiras. A seguir, viria uma rede de bases e esquadrilhas de Gripen NG BR, dispostas, estrategicamente, para a proteção de nossas maiores cidades, litoral e Amazônia Azul, e, em caso de grave ameaça, um número inicialmente menor de aviões mais avançados e ofensivos, como o Sukhoi Su-35, e, futuramente, o T-50, potencialmente adaptados aos sistemas de dirigibilidade, controle e manutenção da FAB.

A mera escolha do Gripen, fabricado a partir de peças ocidentais, não pode ser vista como um  fator limitante para a cooperação do Brasil com outro tipo de nações, que apenas contribuiria para consolidar nossa dependência, no campo da defesa, de países da Europa e dos próprios Estados Unidos.

O Ocidente não tem nenhum compromisso estratégico conosco e, muito menos, a médio e longo prazo. Nunca se poderá contar com nenhum país ocidental, em caso de eventual problema com um deles. Vide o caso da Argentina, abandonada  totalmente por seus fornecedores de armamento, na Guerra das Malvinas.          

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20 de dez. de 2013

A GEOPOLÍTICA E O FUTEBOL


(HD) - Para a maioria das pessoas, o futebol tem mais a ver com a paz e o esporte, do que com política internacional.
No entanto, o componente geopolítico,  dependendo de quem estiver em campo, pode ser determinante para o resultado de um campeonato ou de um jogo em particular.
Dessa forma, é fácil entender que uma partida entre Camarões e Costa Rica, seria disputada de forma diferente que um embate entre Brasil-Argentina, Alemanha-Inglaterra, ou a  Rússia- Estados Unidos. Isso, sem sequer imaginar, por hipótese, um “amistoso” entre Palestina e Israel, por exemplo.
Não custa nada, portanto, aproveitando o resultado do sorteio da FIFA – escrever algumas linhas sobre o grupo que nos coube na primeira fase da Copa do Mundo de 2014.
O jogo de estreia será contra a Croácia, um adversário que não se deve subestimar. País de  ilhas e montanhas, com menos de cinco milhões de habitantes, a Croácia já foi parte  do Sacro Império Romano-Germânico, do Império Austro-Húngaro e da Iugoslávia, de quem se separou depois da morte de Tito, em 1992, com a fragmentação do país - incentivada e patrocinada pela Europa e os EUA – em seis diferentes países e duas regiões autônomas.
Após mil anos de guerras, e com pouco mais de vinte anos de independência, a Croácia é fortemente nacionalista. Embora não tenha nada contra o Brasil em particular, vai aproveitar a Copa do Mundo, desde o primeiro jogo, para dourar o ego. E se afirmar no contexto da União Europeia, para a qual entrou neste ano, e, particularmente, com relação aos seus rivais sérvios, que eliminou da Copa com um empate neste ano, na capital adversária, Belgrado, no estádio do Estrela Vermelha que tem o curioso - e simpático - apelido de Marakana.    
Pela distância, juventude, e simpatia, Camarões se parece com o Brasil ingênuo e humano - em termos futebolísticos - de outros tempos, e deve entrar em campo, principalmente, para praticar e curtir a alegria de jogar futebol. 
No caso do México, a história é outra. Nos últimos anos, pouco confortável com a ascensão brasileira no contexto internacional, o México tem visto o Brasil como seu principal competidor. Essa suposta rivalidade é constantemente incentivada pela imprensa mexicana, em questões como a derrota do candidato mexicano para um brasileiro na eleição para a Organização Mundial do Comércio; ou o papel da Aliança do Pacífico, como contraponto ao Mercosul e  ao projeto de integração brasileiro na América do Sul, em organismos como a UNASUL e o Conselho de Defesa Sul-americano.
Aliado geopolítico da Espanha, que viu seu projeto neocolonial ser torpedeado pelo Brasil em nossa região, o México fará tudo para vencer ou atrapalhar a festa brasileira na Copa de 2014, como tem feito em outras ocasiões, a exemplo das Olimpíadas e do Mundial Sub-17.  


19 de dez. de 2013

HABEMUS PAPAM


(JB) - Acusado por um conservador norte-americano de ser marxista, Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, negou sê-lo, mas disse que não se sentia ofendido, por ter conhecido ao longo de sua vida, muitos marxistas que eram boas pessoas.
A declaração do Papa, evitando atacar ou demonizar os marxistas, e atribuindo-lhes a condição de comuns mortais, com direito a ter sua visão de mundo e a defendê-la, é extremamente importante, no momento que estamos vivendo agora.   
A ascensão irracional do anticomunismo mais obtuso e retrógrado, em todo o mundo - no Brasil, particularmente, está ficando “chic” ser de extrema direita – baseia-se em manipulação canalha, com que se tenta, por todos os meios, inverter e distorcer a história, a ponto de se estar criando uma absurda realidade paralela.
Estabelecem-se, financiados com dinheiro da direita fundamentalista, “Museus do Comunismo”; surgem por todo mundo, como nos piores tempos da Guerra Fria, redes de organizações anticomunistas, com a desculpa de se defender a democracia; atribuem-se, alucinadamente, de forma absolutamente fantasiosa, cem milhões de mortos ao comunismo.
Busca-se associar, até do ponto de vista iconográfico, o marxismo ao nacional-socialismo, quando, se não fossem a Batalha de Stalingrado, em que os Alemães e seus aliados perderam 850 mil homens e a Batalha de Berlim, vencidas pelas tropas do Exército Vermelho - que cercaram e ocuparam a capital alemã e obrigaram Hitler a se matar, como um rato, em seu covil - a Alemanha Nazista teria tido tempo de desenvolver sua própria bomba atômica e não teria sido derrotada.
Quem compara o socialismo ao nazismo, por uma questão de semântica, se esquece que, sem a heróica resistência, o complexo industrial-militar, e o sacrifício dos povos da União Soviética - que perdeu na Segunda Guerra Mundial 30 milhões de habitantes - boa parte dos anticomunistas de hoje, incluídos católicos não arianos e sionistas, teriam virado sabão nas câmaras de gás e nos fornos crematórios de Auschwitz, Birkenau e outros campos de extermínio.
Espalha-se, na internet – e um monte de beócios, uns por ingenuidade, outros por falta de caráter mesmo, ajudam a divulgar isso – que o Golpe Militar de 1964 - apoiado e financiado por uma nação estrangeira, os Estados Unidos – foi uma contra-revolução preventiva. O país era governado por um rico proprietário rural, João Goulart, que nunca foi comunista. Vivia-se em plena democracia, com imprensa livre e todas as garantias do estado de direito, e o povo preparava-se para reeleger Juscelino Kubitscheck Presidente da República em 1965.
1964 foi uma aliança de oportunistas. Civis que há anos almejavam chegar à Presidência da República e não tinham votos para isso, segmentos conservadores que estavam alijados dos negócios do governo e oficiais – não todos, graças a Deus – golpistas que odiavam a democracia e não admitiam viver em um país livre.
Em um mundo em que há nações, como o Brasil, em que padres fascistas pregam abertamente, na internet e fora dela, o culto ao ódio, e a mentira da excomunhão automática de comunistas, as declarações do Papa Francisco, lembrando que os marxistas são pessoas normais, como quaisquer outras - e não são os monstros apresentados pela extrema-direita fundamentalista e revisionista sob a farsa do “marxismo cultural” - representam um apelo à razão e um alento.
Depois de anos dominada pelo conservadorismo, podemos dizer, pelo menos até agora, que Habemus Papam, com a clareza da fumaça branca saindo, na Praça de São Pedro, em dia de conclave, das veneráveis chaminés do Vaticano.
Um Papa maiúsculo, preparado para fortalecer a Igreja, com o equilíbrio e o exemplo do Evangelho, e a inteligência, o sorriso, a determinação e a energia de um Pastor que merece ser amado e admirado pelo seu rebanho.       

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PENA, CADEIA E JUSTIÇA NO BRASIL.


(Carta Maior) - No Brasil (não se tem como saber exatamente, já que não existe controle automático e unificado), aproximadamente 40% dos 540.000 presos estão cumprindo “pena” sem ter passado por julgamento, e, logo, sem autorização judicial. Em alguns estados eles são maioria. No Piauí, por exemplo, correspondem a quase 70% da população prisional.
Há, também, cidades, que estão, ou estiveram, até recentemente, sob o controle de policiais bandidos.
Este é o caso de Rio Real, na Bahia – onde virtualmente toda a guarnição da PM responde a inquéritos por homicídio ou tortura e está sendo acusada de formação de quadrilha – por um juiz que teve de retirar a família do local.
E de Maués, no Amazonas, em que um grupo de policiais civis se entregou esta semana, após meses de fuga - no quadro de uma operação com o significativo nome de Gestapo - à justiça, acusado de assassinato, extorsão e tortura.
Nos últimos meses, em cena talvez inspirada em Carandirú, filme que caracteriza, junto com Tropa de Elite, a mais forte imagem da justiça brasileira no exterior, dezenas de presos foram colocados, nus, sentados no pátio de um presídio no Espírito Santo, e sofreram queimaduras graves pela exposição ao sol. E em outro estabelecimento prisional da região Sudeste, um detento teve que ser transferido, ilegalmente, para outra cadeia, por um prazo de dez meses, para que se “curasse” do espancamento sofrido por parte de autoridades da prisão. 
Assim é o Brasil.
Um país que decreta que a tortura é crime inafiançável, e que, ao mesmo tempo, estabelece a jurisprudência de que em casos de alegada tortura por parte da polícia: "Cabe ao réu o ônus de demonstrar que a confissão perante a autoridade policial foi obtida por meio ilícito, porque a presunção há de ser em favor da autoridade pública, policial ou judiciária, que age no estrito cumprimento do dever legal" (RT-740/641).
Por isso, não é de se estranhar, que o que seria visto, em qualquer país do mundo, como um conjunto normal de direitos, esteja sendo encarado em nosso país, pela mídia e parte do Ministério Público - como está ocorrendo com os presos da Ação Penal 470 - como inaceitável privilégio.
O tratamento digno para o pai, a mulher, o filho, a filha, que visita um parente preso – aqui a família é tratada quase como se tivesse participado do crime – deveria ser visto como regra, e não como exceção.
Assim como um banho decente,  oportunidade de trabalho, acesso a medicamentos, acompanhamento jurídico, – normais em outras nações -  que estão sendo classificados como odiosos benefícios,  quando não o são.
O papel do Ministério Público, das Promotorias do Direito do Cidadão, das Defensorias e das Varas de Execução Penal, deve ser o da institucionalização do direito e não da ausência dele – como está ocorrendo no Brasil.
Se formos incorporar como padrão as mazelas existentes no nosso sistema policial, jurídico e prisional, passaremos a exigir que todo suspeito fique anos preso sem direito a julgamento; que a tortura seja institucionalizada como método de investigação; que se recorra à execução como política de segurança pública; que cada cela seja ocupada por um número de detentos, no mínimo, três a quatro vezes, superior, ao previsto quando de sua construção; que seja abolida a assistência médica nas prisões e anulada a responsabilidade do Estado pela vida de quem está sob sua custódia.
Antes de se preocupar com os “privilégios” que apontam em um pequeno grupo de pessoas, que, convenientemente, se encontram sob os holofotes da nação, as autoridades deveriam trabalhar, diuturnamente, para garantir o cumprimento do que prevê a Lei e a Constituição.
Um país que não assegura o direito de visita, de julgamento, de incolumidade física, de um metro quadrado sequer para que o sujeito – já condenado – possa cumprir sua pena, sentado ou em pé, de dia, e com as pernas esticadas, durante noite, sem ter que se preocupar em ser espancado, estuprado, assassinado - ou morrer de septicemia se tiver um abcesso - não tem condições de dar lições a ninguém.

O conceito de isonomia, quando ligado às ideias de justiça e de cidadania, se refere a igualar as pessoas por cima – no seu direito inalienável a condições mínimas de dignidade e de vida – e não por baixo, pelas regras não escritas da verdadeira Lei do Cão que impera, ainda, infelizmente, na maior parte do nosso sistema prisional. 

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18 de dez. de 2013

A FRANÇA E O BRASIL NA ESQUINA DO MUNDO


(JB) - A visita do Presidente francês ao Brasil, na semana passada, foi um importante instantâneo das condições da política internacional, hoje.
Por um lado, Monsieur Hollande age como o representante de uma nação saudosa de um poder colonial nostálgico. A caminho do Brasil, esteve na capital da República Centro-Africana, onde foi visitar a força de intervenção francesa que está estacionada naquele país. Daqui, embarcou para a Guiana Francesa, uma das duas últimas possessões  européias em nosso continente.
Por outro lado, ele foi um dos numerosos chefes de estado europeus que – sem direito à palavra – teve que assistir à Presidente Dilma Roussef, três dias antes, discursar da tribuna de honra, ao lado de Obama, Ban Ki Moon, de Raul Castro e do vice-presidente chinês, e do representante indiano, na cerimônia em homenagem ao Presidente Nelson Mandela, no Soccer City Stadium, em Johannesburgo.
A França de De Gaulle e Mitterrand, que já lutou, no passado, por encontrar um caminho próprio para sua política externa, vê, hoje, junto com o resto da Europa, à emergência de  outro mundo, no qual o poder se desloca do antigo G-8 para o G-20, e para nações como as do BRICS, que reúne o Brasil, a Índia, a China, a Rússia e a África do Sul.
Esse novo panorama geopolítico, de concorrência e desafio, leva os franceses a tentar estabelecer alternativas de caráter econômico e diplomático, em um contexto que, no entanto, a médio e longo prazo, os obriga a aprofundar, inevitavelmente, seu comprometimento com a União Européia e com a Aliança Atlântica, que liga a Europa aos Estados Unidos.
Ao visitar o Brasil, um ano depois da ida de Dilma Roussef à França, Hollande veio, principalmente, fazer negócios. Em sua comitiva estavam vários executivos de empresas francesas instaladas no Brasil, e o CEO da Dassault, que tenta vender ao Brasil os aviões Raffale, no âmbito do Programa F-X.
Nos últimos anos os franceses têm feito excelentes negócios com o Brasil. Cobraram bilhões pela tecnologia de submarinos Scórpene já obsoletos, e pelo casco de nosso submarino atômico, sem transferir nenhum conhecimento sensível, do ponto de vista ofensivo ou nuclear, já que até mesmo o reator dessa nave terá que ser desenvolvido de forma independente pela Marinha. Suas empresas tem participado de vultosos contratos na área de energia e telecomunicações, que incluem turbinas hidrelétricas, o reator de Angra 3, o novo satélite que substituirá os antigos Brasilsats, privatizados e entregues, no final da década de 1990, a capitais estrangeiros.
Nada disso chega a representar, por mais boa vontade os franceses queiram mostrar – elogiando nosso baixo endividamento na FIESP, ou declarando apoio à entrada do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU – uma efetiva “parceria estratégica”.   
Para a Europa ou os Estados Unidos, será sempre mais “estratégico”, o vizinho do outro lado do Atlântico, que qualquer país do hemisfério sul, a não ser que, um dia, o Brasil venha a se integrar à aliança ocidental, na mesma posição subalterna a que se habituaram a nos ver e manter no passado. Falar em “parceria estratégica”, a longo prazo, entre Brasil e França, portanto, é tão irreal como falar de “parceria estratégia” entre o Brasil e EUA, ou Brasil e a própria União Européia.  Não podemos nos permitir agir com ingenuidade, em um mundo guiado mais pelas conveniências do que pela solidariedade.
Isso não quer dizer que o Brasil deva fechar as portas para ninguém. Se for interessante fazer um acordo comercial com a União Européia, que o façamos. O mesmo vale para os Estados Unidos, ou acordos pontuais com a França e a Alemanha, como ocorre na ONU, agora, com a iniciativa sobre a internet.
Os russos, chineses, indianos, sul-africanos, que representam, a partir do BRICS, nossa melhor alternativa de cooperação, neste novo século, nunca nos colonizaram. Suas empresas nunca monopolizaram nosso mercado. Eles nunca intervieram em nossa política interna ou nos consideraram uma espécie de quintal, como os EUA têm feito, historicamente.
Na nova ordem multilateral que se avizinha - com vários pólos de poder ao invés de um - temos que agir orientados, sempre, pelos nossos interesses como Nação, sabendo separar as alianças circunstanciais, de interesse mútuo, daquelas que podem efetivamente, mudar a história, e o futuro do povo brasileiro.


17 de dez. de 2013

O VOO


(HD) - Seria bom, se para tirar a cabeça das nuvens, bastasse tirar os pés do chão. Os pilotos aliados relatam instantes de iluminação, nos vôos em que retornavam, com os aviões avariados, quase caindo, às suas bases na Inglaterra, na Segunda Guerra Mundial. Santos Dumont e Amelia Earhart costumavam dizer que refletiam melhor quando livres das amarras da gravidade, embora isso não tenha livrado a famosa aviadora norte-americana de desaparecer, sobre as águas do Pacífico, em julho de 1937.       
Essas divagações nos vêm à mente a propósito da entrevista de Fernando Henrique Cardoso, ao Valor, sobre os detalhes da viagem dos ex-presidentes da República, com a Presidente Dilma, a Johanesburgo, para as homenagens a Nelson Mandela.
Nela, Fernando Henrique desmistifica o mito da Dilma fechada e “rabugenta”. Diz que todos evitaram polemizar, que ninguém – além da Presidente – conseguiu dormir na viagem de ida. E foi simpático ao referir-se a Lula, com quem teria  “rememorado muitas coisas”, e estabelecido um contato mais próximo do que o que teve com Collor ou Sarney.   
Seria desejável, se, em momento de lucidez, inspirado pelo fato de terem estado no mesmo avião, a caminho da África do Sul, os presidentes refletissem sobre o fato de estarmos, todos, no mesmo barco, do ponto de vista da responsabilidade pela defesa da democracia e com relação aos riscos, sempre presentes, que ameaçam o Estado de Direito.  
É preciso combater a corrupção, onde ela estiver? Sim! Mas é preciso também parar de ficar forjando cascas de banana; de tentar elevar a sabotagem ao estado da arte no exercício da política; de manipular e distorcer as instituições; de ficar criando problemas para torpedear a governabilidade e travar o desenvolvimento - como está ocorrendo, por exemplo, na área de infra-estrutura – em projetos federais, estaduais e municipais. 
Apostar na criminalização da política, como tem se feito, implacavelmente – tentando crucificar o outro quando o próprio telhado é de vidro – equivale a dedicar-se a montar, sem pára-quedas, uma bomba dentro de aeronave a dez mil metros de altitude.
Na internet, está virando moda dizer que, para ser homem público, basta ser ladrão, e – como resultado da  irresponsável doutrinação feita nos últimos anos - há quem não veja mais nenhuma diferença ética ou ideológica entre quaisquer segmentos da política nacional.
Para grupos mais radicais, de fascistas e psicopatas -  é preciso que suas excelências atentem para os sinais luminosos no fundo da cabine - já passou da hora de jogar as urnas fora, rasgar o título de eleitor, e promover a volta da tortura e dos assassinatos do autoritarismo.
É isso que muitos defendiam, nos portais e redes sociais, enquanto o avião presidencial atravessava o oceano, rumo a Johanesburgo. Torcendo, abertamente, para que ele explodisse ou caísse, a centenas de metros por segundo, sobre o Atlântico Sul.