(JB) - Há pouco mais de dois mil anos, em uma terra seca e
pedregosa, coberta de desertos e montanhas, e dominada por feroz e grande
império, viveu um homem, filho de carpinteiro, que chicoteava hipócritas e derrubava
moedas pelas escadas dos templos, abria os olhos de cegos e lavava os pés de
prostitutas e mendigos, fazia os aleijados andarem, ressuscitava mortos e
alimentava de pão e palavra os famintos.
Seria bom que a Igreja, aproveitando a presença inspiradora de Francisco, instituísse, sem acabar com as que existem, nova data para lembrar esse homem, que foi coroado de espinhos e cravado a uma cruz de madeira, para enfrentar seu destino.
Nessa data – que poderíamos chamar de O Dia de Cristo - não comemoraríamos o seu nascimento nem lembraríamos a sua morte, mas apenas praticaríamos seu exemplo.
Não faríamos uma ceia em nossa própria casa, mas em casa alheia, de preferência em uma creche ou asilo, ou de uma família pobre e humilde.
Não presentearíamos ninguém que conhecêssemos, mas desconhecidos, de preferência aqueles que estivessem sozinhos, longe de sua família ou de seu país e sem abrigo.
Distribuiríamos rosas e sorrisos – sinceros sorrisos – ou faríamos mágicas, ou serestas, nas praças decadentes dos centros antigos de nossas grandes cidades, para velhas e aposentadas meretrizes.
Rezaríamos, na capela dos hospitais, não para os nossos doentes, mas para os doentes alheios, junto com suas famílias.
Visitaríamos, no cemitério, não os nossos mortos, mas as valas comuns dos indigentes, e os túmulos com datas muito antigas, das famílias que já se extinguiram ou em que só conste um nome, dos que não conheceram seus pais ou não tiveram filhos.
Já existem pessoas que levam sopa aos viciados, visitam creches e abrigos na periferia, fazem rir crianças enfermas, oram nos hospitais com os que estão morrendo sozinhos e com famílias que não são as suas.
Mas esses cristãos, tocados em seu coração pela mão do
Nazareno, ainda são poucos, em um mundo em que mais e mais pessoas se deixam
embriagar pelo sucesso, e preferem perder dias e noites acordados em uma fila
para comprar um novo console de jogo ou Iphone, do que passar meia hora, em um hospital público, lendo um livro para
uma criança com câncer.
Eles se escondem, na multidão anônima, como os cristãos das
catacumbas. São apontados de longe, pelos que rezam mais pela sua própria
prosperidade, do que por qualquer outro ser humano - como peças que emperram a
engrenagem imutável e imortal de uma igreja enrijecida, e em alguns círculos, chegam
a ser excomungados pelo que falam e
praticam.
Quem sabe, com a criação de um Dia de Cristo - que poderíamos comemorar pelo menos uma vez a cada ano, e depois multiplicar a data como fez Jesus, com os peixes e os pães - esses cristãos passem a ser vistos de outra forma.
Quem sabe, sobre eles se erga outra Igreja, ou sirvam de
pedreira bruta para a construção de uma nova.
Uma Igreja sem outros templos do que o coração humano. Sem outro altar do que o olhar do próximo. Sem
outras velas do que o calor e o brilho da solidariedade. Sem outras vestes, do
que a que se dá a quem não tem nenhuma. Sem outro vinho do que o sangue que se
doa a um enfermo. Sem outra hóstia que o pão que se coloca na boca do faminto,
sem outra oração do que a de um sorriso que se compartilha.
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