(JB) - A mais forte frase do Evangelho é a de Pilatos, ao exibir
Cristo, ensanguentado e humilhado ao extremo pelos seus algozes, à multidão enfurecida: "Eis o homem".
Como outras passagens dos textos que a fé autêntica — mais do que as provas
históricas — as duas palavras ditas em latim, pronunciadas por um romano, são,
em si mesmas, todo um enunciado teológico.
Pilatos não mostrava um criminoso, nem um inimigo de Roma, mas o homem.
Cristo não era um homem qualquer, em sua individualidade, mas O Homem, ser coletivo
e único no conjunto da vida, dotado da consciência do bem e do mal.
Pilatos, evidentemente, não tinha essa clareza do
significado. Queria dizer apenas que se era Cristo quem eles queriam, ali estava o homem, para
que decidissem entre ele e Barrabás. Em
um só homem frágil, açoitado e vilipendiado, estava todo o Mistério e todo o
poder da Vida.
Sobre a fragilidade física de Cristo é que deviam fundar-se
todas as Igrejas cristãs
O cristianismo se funda na absoluta fragilidade dos seres
humanos. Um poema anônimo espanhol do século 16 vai à mesma verdade. O poeta
desdenha o oportunismo medieval que, em nome de Cristo, ameaça com o inferno e
promete o céu, e vai ao núcleo da sua fé: “Tú me mueves, Señor, muéveme el
verte / clavado en una cruz y escarnecido,/ muéveme ver tu cuerpo tan herido/
muévenme tus afrentas y tu muerte”.
Sobre essa emblemática fragilidade física, que chega a
comprometer a resistência do espírito nos momentos finais, em que o Crucificado
se queixa do Pai, por tê-l'O abandonado aos carrascos, é que deviam fundar-se
todas as Igrejas cristãs — a Católica e as que, em protesto pelos seus
desmandos no alvorecer do século 16, surgiram como falsas restauradoras da fé
primitiva.
Instituição política, estabelecida na velha associação entre
o poder temporal e o senso do Absoluto, a Igreja se pretende eterna. Ora, os 16
séculos de sua existência não são tanto tempo assim na História. O cristianismo não é seita judaica, nem religião monoteísta como as outras. Sua
mensagem é mais do que o alento à consciência de mortalidade dos homens: é
necessária para que possamos construir aqui — e agora — o nosso pleno destino.
Nesse mandamento, esquecido, está a salvação da espécie humana e,
provavelmente, a salvação de toda a vida no planeta.
A Igreja se encontra, nestes dias, como o pecador junto ao
confessionário — e o sacerdote que a ouve é a consciência do mundo. Para purgar
os seus pecados não bastam as preces de contrição. Reunidos no próximo
Conclave, os cardeais apenas escolherão o novo pontífice: não serão capazes de
salvar a Igreja. Só os cristãos autênticos, aqueles que entenderam a frase
enigmática de Pilatos, poderão salvá-la, participem ou não da Hierarquia. Para
isso é preciso voltar ao Concílio Vaticano II e ir muito além; é preciso
retornar à fraternidade primitiva dos cristãos. Cristo, dizem-nos os
Evangelhos, recomendou, ao moço que queria segui-l'O, que antes se desfizesse
de seus bens, distribuindo-os aos pobres.
É um conselho, a ser seguido pelo Vaticano e pelas ricas dioceses
espalhadas na Terra. E por todas as outras confissões que também se dizem
cristãs e da mesma forma se afastaram do Nazareno.
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