(JB) - É significativo que o novo
papa tenha falado tanto em perdão. Essa insistência coloca em dúvida a defesa
que dele fazem diante das acusações de que teria colaborado com o regime
militar argentino e com o seqüestro de filhos dos militantes de esquerda,
feitos prisioneiros uns e assassinados outros. Essas crianças, das quais
roubaram a identidade, foram entregues a casais ligados ao sistema. Esse mesmo
crime, com a hipócrita justificativa da caridade, foi também praticado pelos
bispos espanhóis da Opus dei, durante o franquismo. Ao não conhecerem sua
verdadeira origem, as vítimas dos seqüestros se tornam filhos de si mesmos.
Renegam, e com razão, os que os adotaram, e não têm onde ancorar o seu afeto.
Qualquer seja a verdade, o
papa foi eleito conforme as regras tradicionais, e não há poder na Terra que o
destitua. As leis canônicas não prevêem o impeachment do bispo de Roma. Resta
esperar que o novo pontífice – título vindo do sincretismo do catolicismo com o
paganismo romano – erga realmente uma ponte entre o cristianismo primitivo, que
era dos pobres, e o mundo moderno. Se isso ocorrer, os seus pecados, se os
houve, esmaecerão, e ele cumprirá o seu dever de católico e de cristão. O
perdão, ele só poderá obter de sua
própria consciência, onde Deus costuma habitar, se nela houver lugar para essa
presença.
O mais importante não é o
passado do Papa. Depois de Pio XII, Wojtyla e Ratzinger, de nítidos laços com
os poderosos deste mundo, o que os verdadeiros cristãos esperam do Papa é que
ele seja fiel ao Evangelho e conduza a Igreja ao reencontro com o homem de
Nazaré que, em sua vida, martírio e morte, encarnou toda a fragilidade da
espécie humana. A grande lição de Cristo,
que a Igreja nunca assumiu, é a de que a vida só é alegria e paz na
solidariedade para com os nossos semelhantes.
Quando dividimos as dores
do sofrimento alheio, as nossas próprias dores se aliviam, e o trânsito por
este “vale de lágrimas” se faz mais suportável.
A Igreja se associou aos poderosos de cada tempo e, como lhe era
conveniente, manteve instituições de caridade. Como alguns ricos, ela consolou
sua consciência com a esmola. Os primeiros a receber o título de santos foram
homens poderosos, que compraram a santidade com as sobras de suas riquezas.
Ao escolher o nome de
Francisco, e de confirmar que buscava no poverello de Assis a inspiração de seu
pontificado, Bergoglio dá um sinal importante de seu propósito, ou de sua
astúcia. Não sabemos se, sendo sincero, ele será capaz de escapar ao acosso
conservador e oportunista da Cúria Romana. Cabe-lhe, na hipótese da sinceridade
– como chefe de uma instituição política – por mais herege pareça o conselho,
seguir a orientação de Maquiavel, e agir com maior energia logo no início, a
fim de preservar o principado conquistado. Isso significa reformar, de alto
abaixo, a administração do Vaticano, com a convocação de prelados do mundo
inteiro, de forma a conter o apetite de poder do clero italiano, identificado com a história peninsular,
construída nas conhecidas intrigas políticas européias.
Os grandes líderes se
legitimam na ação. Forma-se, até mesmo alimentado de esperança, o consenso de
que a Igreja terá que demolir seus alicerces milaneses e retornar às catacumbas
romanas, para que possa sobreviver. Seus pecados repetidos, da simonia à
luxúria, não a levaram ao Inferno, ainda
que muitos de seus dirigentes tenham lá chegado, na visão profética de Dante. É
da teologia prática que a contrição absolve os pecadores. Se Francisco
conduzi-la ao caminho de Damasco, é possível que, como Paulo, ela se desfaça da
cegueira voluntária e atenda ao chamado de Cristo. É possível, mas pouco
provável.
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Um comentário:
É sempre muito didático ler seus artigos. A cada leitura somos blindados por uma gama do seu brilhantismo e argúcia. Que Deus continue iluminando-te neste afã. Saúde e paz!
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