(JB)-Todos
os povos do mundo têm seu orgulho nacional, o que os faz supor serem melhores
que os demais. Em alguns casos, ostentam seus conhecimentos técnicos; em
outros, seu talento artístico, e, nos casos extremos, a excelência racial. Em
nome dessa superioridade, reivindicam o direito de governar os outros povos.
Mas, no interior dessas sociedades presunçosas há – felizmente – os que
percebem as coisas com lucidez.
A Alemanha é um país estranho. Deu ao mundo alguns dos melhores pensadores
humanistas, ao longo dos séculos. As idéias igualitárias encontraram ali o
terreno fértil para que se desenvolvessem e encontrassem instrumentos coletivos
de transformação da sociedade. As idéias socialistas nasceram da associação entre
o pensamento filosófico, a solidariedade e a luta dos trabalhadores contra a
opressão. Ao mesmo tempo, ali medraram o militarismo, o culto ao corpo, a
fascinação pela beleza, e o desprezo aos débeis, aos pacifistas, aos enfermos,
aos diferentes de um modo geral.
O racismo sempre existiu em todos os povos, mas na Alemanha ele conduziu
à brutalidade que se conhece.
Ontem, Portugal lembrou a bela jornada da Revolução dos Cravos. Suas razões,
seus atos e seus resultados são conhecidos. Os portugueses se livraram da carga
de um colonialismo anacrônico, redigiram uma constituição avançada, deram
passos enormes rumo a um regime plenamente democrático. A direita, no entanto,
ao tomar o governo fez reverter essas conquistas, e Portugal se entregou às
razões neoliberais, além de aliar-se a Washington, seguindo a Espanha, na ação
contra o Iraque. Um ano depois de Lisboa, era a vez de Madri – com mais
dificuldades, é certo – iniciar o processo de sepultamento do período
ditatorial de Franco.
Espanha e Portugal passam hoje por imensas dificuldades sociais. Quase um
terço dos espanhóis em idade de trabalhar estão desempregados (27,16%). Em
Portugal, a taxa é menor (17,5%), mas as dificuldades não o são.
Os dois países executam uma política orçamentária enlouquecida, a fim de pagar
as dívidas assumidas com o sistema financeiro internacional. Mas se a situação
é grave na Península Ibérica, não é muito melhor no continente. A Itália, que
havia sido entregue a um fiel servidor dos bancos, Mario Monti, não conseguiu
superar a crise política, e teve que se apoiar em um dos poucos homens sensatos
do país, Giorgio Napolitano. A França começa a assustar-se com o desemprego. Os
britânicos não saem das ruas, em protesto contra a mal chamada “austeridade”.
Como lembrou o grande estadista português Mário Soares, em entrevista
reproduzida ontem neste jornal, os países podem deixar de pagar seus débitos,
se não conseguirem fazê-lo, e ninguém morre por isso. É velho o entendimento de
que, embora todos devam cumprir os pactos, situações de força maior conduzem às
renegociações necessárias.
A crise econômica européia é conseqüência das fraudes e incompetência de
alguns dos grandes bancos do mundo que se associaram para a prática do crime
organizado. Em lugar de punir os banqueiros irresponsáveis, que devem responder
com seus bens e o castigo da justiça aos delitos cometidos, os governantes
europeus, sob a arrogante determinação de Frau Merkel, exigem os sacrifícios de
seus povos, a fim de reunir os recursos a serem pagos ao “mercado”.
A situação é dramática, com hospitais sendo fechados; a mortalidade infantil
retornando, o desespero assolando as camadas mais débeis da sociedade, e o
racismo em ascensão.
O presidente de Portugal, Cavaco Silva, embora tenha feito um discurso dúbio,
resumiu a situação de que o país está sofrendo “fadiga de austeridade”, da
mesma austeridade que todos os governantes europeus estão impondo a seus
cidadãos. Mas não deixou de exigir que Portugal “honre seus compromissos”, ou
seja, que continue a sua política de corte de gastos sociais.
A pequena e sacrificada Grécia, submetida a um regime de fome pelas
exigências da “troica” (A Comissão Européia, o Banco Central Europeu e o Fundo
Monetário Internacional) parece decidida a reclamar da Alemanha 126 bilhões de
euros, como reparação de guerra. Durante três anos de ocupação do país, de 1941
a 43, os alemães mataram de fome mais de 300.000 pessoas, destruíram toda a infraestrutura do território e obrigaram os gregos a pagar todos os gastos da ocupação. Sabemos que sua postulação é inútil. Os alemães não tomarão conhecimento da reclamação.
E, tal como ocorreu com a Europa dos anos 30 e 40, todos procuram
apaziguar-se com Berlim. A Alemanha que, com Willy Brandt, deu provas ao mundo
de sua disposição para a paz, recorre hoje à sua superioridade econômica a fim
de avançar no velho propósito de dominar o continente. A única esperança é a de
que a outra Alemanha reaja nas urnas e volte ao bom senso de homens como
Brandt. É provável que ainda haja alguns.
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