“O céu está sempre
mudando, porque as estrelas caminham, de dia e de noite. O céu de mais perto é
também assim. Tirando fora os dias encobertos e os só de azul, quando a gente
olha é sempre diferente, porque as nuvens não param de mudar de jeito”.
Eu o ouvia, calado. Tinha 14 anos e procurava um lugar no mundo. Estávamos em dia solteiro, dia sem compromisso, na beira do
rio. Talvez fosse o Suaçuí Grande, talvez o Santo Antonio; beira de rio é
sempre igual. Ainda o vejo, sentado no tronco caído, que servia de banco aos
que esperavam cruzar para o outro lado. Ele já batera na lata, servindo de
sino, que pendia do galho da goiabeira, chamando o barqueiro. Eu sentara na
pedra, em frente. O
homem falava como se fosse espírita, padre ou pastor, mas a cara, nunca me
engano, era de sujeito ruim. Não disse nada, fiquei procurando aonde ele me
queria levar.
“Com a gente, é a mesma coisa. A
gente é como o céu, como o rio, ou aquela matinha, do outro lado. Está sempre diferente.
Hoje amanheci pensando uma coisa. Foi só tomar meu café com jacuba, e virei outro. Nem vinha atravessar o rio; eu
tenho lá o que fazer do outro lado? Tenho não, mas deu vontade, e vontade eu acompanho, se a
gente não acompanha a vontade, não é dono da vida. E da minha, sou dono. Você
não é dono da sua”?
Sorri, de leve. Só era dono do meu
companheiro Granadeiro, que, ao lado, rosnava, divertido, contra a
lagartixa que subia o tronco meio seco de um barbatimão. No caso que minha vida
tivesse dono, o dono seria o cachorro. Meu irmão ele já era, sem raça, sem
frescura, sem medo. A gente era um do outro.
Granadeiro
esqueceu o bicho, olhou-me, do sério jeito
dele; fiquei atento. Quando o barqueiro chegou, o cão desapareceu, latindo ao
longe. Disse ao desconhecido que fosse só. Não podia viajar sem o cão. O homem
quis ajudar a procurá-lo, agradeci.
Tive logo a certeza de que Granadeiro, mais uma vez, me salvara a
vida.
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