(JB) - Em longa conversa, em Salvador, há poucos meses, Waldir
Pires e eu relembramos alguns companheiros de exílio, como Darcy Ribeiro e
Leonel Brizola – além, é claro, da personalidade afável e sempre solidária de
João Goulart. Retorno a esse encontro, agora, diante do comovido protesto de
Marcelo Rubens Paiva contra a nomeação de um desembuçado defensor do regime militar
para o círculo íntimo de poder do governo de São Paulo.
Seu pai, Rubens Paiva, que conheci à
distância, deixou-nos a memória de homem
singular, em tempo muito mais rico de
caráter e de coragem do que o de hoje. Filho de família próspera de Santos, o
adolescente Rubens Paiva se destacou na esquerda do movimento estudantil, na
Universidade Mackenzie de São Paulo, tradicionalmente conservadora. Foi ativo
militante da campanha em defesa da Petrobrás. Formou-se em engenharia em 1954, ano emblemático para o Brasil no acosso contra
Vargas - que o levou ao suicídio como ato de combate.
Aos 33 anos, em 1962, elegeu-se deputado
federal pelo PTB e foi dos mais ativos parlamentares na CPI do IBAD, que
investigou a corrupção de parlamentares e militares brasileiros com dinheiro
americano.
Waldir lembrou um dos momentos mais
fortes daqueles dias iniciais de abril de 1964, o de sua fuga, em companhia de
Darcy Ribeiro, em pequeno avião de lona, conseguido por Rubens Paiva. Rubens
era piloto e soube preparar o embarque clandestino de ambos, na madrugada, no
aeroporto de Brasília. Eles pretendiam chegar ao Rio Grande do Sul, mas antes da
decolagem souberam que deveriam dirigir-se ao Uruguai, para onde já seguira o Presidente, uma vez que em ato de
felonia e mentira, o presidente do Congresso, Auro de Moura Andrade, declarara
vaga a Presidência. Jango poderia ter resistido, mas preferiu não fazê-lo, a
fim de evitar o sacrifício do povo.
Depois de escalas forçadas no Mato
Grosso e o uso de gasolina de automóvel, por falta de combustível apropriado,
acabaram pousando em balneário no norte do Uruguai, onde Waldir pediu asilo a
um sargento da Polícia Uruguaia, que, depois de consultar seus superiores,
acolheu os dois com cerimoniosa continência. Waldir se lembra de que conversavam
de forma oblíqua, durante o vôo, por que não sabiam quem era o piloto. Mas o
piloto os reconheceu, o que não era difícil. “Mas até hoje, diz o grande homem
público, não sei quem ele era”.
Cassado na primeira leva, Rubens Paiva
se exilaria na Iugoslávia e na França, antes de voltar ao Brasil, em ato
temerário, e no Brasil permanecer, cuidando de seus negócios, durante os anos
que se seguiram. E foi cuidando de seus negócios que o cassado Rubens Paiva foi
preso em casa, em janeiro de 1971, levado para os aparelhos da Ditadura, e morto sob tortura.
A anistia exime da punição os crimes
cometidos pelos agentes do Estado, da mesma forma que manda esquecer os atos de
resistência contra a violação do pacto democrático pelos golpistas - mas não
pode apagar a História. É natural, humano e justo que Marcelo Rubens Paiva,
filho e herdeiro da dignidade de Rubens, peça explicação ao governador pelo
fato de nomear como secretário particular um advogado conhecido pela sua
militância na extrema-direita, e dirigente de instituição que se denomina Endireita Brasil.
Rubens Paiva morreu aos 41 anos. Se
o golpe militar não houvesse interrompido o processo político republicano, ele estaria
servindo ao Brasil, até hoje, com sua inteligência, seu patriotismo e sua
coragem. Coragem que provavelmente tenha surpreendido e irritado seus algozes.
Era-lhes impossível esquecer sua
altivez.
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