13 de mai. de 2013

ESTÓRIA DE DOMINGO-O MISSIONÁRIO


     
                  
         É provável que fosse um impostor, mas, nestes assuntos, mais do que em quaisquer outros, é bom ficar na dúvida. Ele apareceu logo depois que cinco dias e noites de chuvas pesadas abriram o céu ao sol. Nunca houvera registro de temporal como aquele: nas cento e vinte horas, precisamente medidas, entre o domingo e sexta-feira, as águas, como que exaustas, reduziam-se, de vez em quando, sem estiar, para depois se adensarem em cordas de meia polegada, que desciam diretamente do alto, e furavam o chão despindo os calhaus das encostas. Tudo começou à tardinha com o granizo grosso, que só poupou as poucas cafuas cobertas de sapê, capazes de amortecer as pedras de meia libra. No fim dos cinco dias, outra granizada, mas, de pedrinhas diminutas, como grãos de arroz, que se esfarinhavam nas mãos, deixando-as dormentes de frio.
        Vestia um hábito, que poderia ser franciscano, se não houvesse, sobre o peito, o estranho bordado com a cruz que, nas pontas dos braços, se abriam em flechas invertidas, cada uma delas cercando pequena esfera, com sinais desconhecidos. Falava uma língua estranha, para a qual não estávamos preparados. Para comunicar-se, arranjou pedaços de carvão e usou as paredes laterais da igreja, caiadas de novo para, em desenhos, anunciar-nos o inferno. Com espantosa habilidade, denunciou todos os adultérios do povoado e da comarca, colocando, lado a lado, as faces dos pecadores, homens e mulheres, facilmente identificáveis. Da mesma forma denunciou dois crimes de sangue, cuja autoria foi revelada em seus desenhos: os assassinos atirando nas vítimas, e as vítimas caindo.
          Imediatamente os homens mais importantes – muitos deles acusados em seus rabiscos – se conluiaram, para as providências. Alguns aconselharam acabar logo com aquele santo de meia-tijela, e decidiram chamar Nego Amâncio, pistoleiro oficial dos donos do lugar. Nego Amâncio, na certa avisado de quem se tratava, deu parte de doente: estava de mão tremendo e sem jogo nas pernas: como iria empunhar sua winchester de papo-amarelo? Talvez fosse melhor só expulsa-lo, aconselhou Betinho, ex-juiz de paz e um dos alcagüetados nos desenhos, inconfundível com seus óculos redondinhos, a pastinha de cabelo para a frente, disfarçando a calvicie, ao lado da mulatona Edivige, mulher do açougueiro e duas vezes mais volumosa do que o escasso amante. Para dizer a verdade, foi a denúncia mais surpreendente de todas. Estavam de acordo, desde que Betinho estivesse à frente do grupo e fosse portador da intimação ao estranho. Enquanto Betinho relutava e discutiam o que fazer, o estranho chamou o padre para fora da Igreja e lhe deu uma surra simbólica com a corda que lhe servia de cinto, objurgando-o com sentenças latinas pronunciadas de trás para a frente (como notou o próprio padre, devotado aos poetas pagãos). Em respeito a Deus, foi o que se deduziu depois, não disse porque estava tratando daquela maneira o sacerdote, mas toda a cidade sabia.
          Quando, finalmente, formaram a comissão decidida a livrar-se do estranho, não o encontraram mais.  Lavaram as paredes da igreja, o padre disse que tudo não passara de uma incursão do diabo, e, depois de prudente abstinência da carne, tudo voltou ao natural.

2 comentários:

SERGIOABPAIXAO disse...

A Lei Áurea em 13 de maio de 1888 é um marco não pelo seu efeito ou causa, mas pelo seu signo de que o grande problema é a luta de classes fundamentada na convicção de que o ser humano não é evoluído o bastante para erguer sobre sua própria natureza as qualidades ditas como pretexto de dominação. A Igreja Católica tem neste cenário um grande papel, pois mostra que mesmo uma Instituição com princípios espirituais e caridosos se rende ao defeito máximo do individuo diante das propostas irrecusáveis para o mal. Infelizmente o Brasil não é um país pacifico igualitário, humanista e harmônico socialmente como diz, nosso passado é terrível manchado por massacres a negros, pobres e índio que permanecem até nossos dias camuflados pela cegueira necessária para manter a vida religiosa e hipócrita dos dominantes. Infelizmente a violência os alcança. Infelizmente o dinheiro não compra tudo. Infelizmente não são inteligentes e corajosos o bastante para reverterem a situação do nosso medíocre Brasil. Infelizmente o grande problema não é achar a solução. A solução é a educação completa, real e produtiva e infelizmente isto fere os interesses dos desgraçados que permanecem no poder. Não se encantem pelo dia que o brasileiro aprender votar, vai ser o dia que teremos uma geração inteira com educação de qualidade, até lá tudo é feito para manter a mediocridade do país mediante a escravidão. “ E aos quase brancos pobres como pretos. Como é que pretos, pobres e mulatos. E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados. Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres. E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos” (HAITI Caetano Veloso).
Sérgio Alberto Bastos da Paixão

SERGIOABPAIXAO disse...

A Lei Áurea em 13 de maio de 1888 é um marco não pelo seu efeito ou causa, mas pelo seu signo de que o grande problema é a luta de classes fundamentada na convicção de que o ser humano não é evoluído o bastante para erguer sobre sua própria natureza as qualidades ditas como pretexto de dominação. A Igreja Católica tem neste cenário um grande papel, pois mostra que mesmo uma Instituição com princípios espirituais e caridosos se rende ao defeito máximo do individuo diante das propostas irrecusáveis para o mal. Infelizmente o Brasil não é um país pacifico igualitário, humanista e harmônico socialmente como diz, nosso passado é terrível manchado por massacres a negros, pobres e índio que permanecem até nossos dias camuflados pela cegueira necessária para manter a vida religiosa e hipócrita dos dominantes. Infelizmente a violência os alcança. Infelizmente o dinheiro não compra tudo. Infelizmente não são inteligentes e corajosos o bastante para reverterem a situação do nosso medíocre Brasil. Infelizmente o grande problema não é achar a solução. A solução é a educação completa, real e produtiva e infelizmente isto fere os interesses dos desgraçados que permanecem no poder. Não se encantem pelo dia que o brasileiro aprender votar, vai ser o dia que teremos uma geração inteira com educação de qualidade, até lá tudo é feito para manter a mediocridade do país mediante a escravidão. “ E aos quase brancos pobres como pretos. Como é que pretos, pobres e mulatos. E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados. Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres. E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos” (HAITI Caetano Veloso).
Sérgio Alberto Bastos da Paixão