(HD)-Agostinho da Silva foi
adversário de Salazar em tudo: como filósofo, desmentiu o ditador, que afirmava
não ser a sua raça (e a nossa)
incapaz de abstrações filosóficas. É desse pensador, que passou grande parte de
sua vida no Brasil como exilado político, a idéia de que o homem não nasceu
para trabalhar, e, sim, para criar. Não é por acaso que o vocábulo “trabalho”
vem do latim “tripalium”, que era um instrumento de tortura na Antiguidade.
Os artesãos não “trabalham”, uma vez que criam
suas peças; a elas, sem que percam o fim útil a que se destinam, acrescentam
alguma coisa de si mesmos, do seu engenho e do seu sentido estético. Assim, são
“obras de arte”.
No mundo industrial de nossos dias já não
existem artesãos, a não ser os que, por decisão própria, vivem à margem do
sistema, embora por ele sejam também explorados. Os desenhistas industriais
podem criar, mas o seu trabalho está sempre submetido às razões do mercado, o
que lhes retira a liberdade. Só dele conseguem escapar plenamente os artistas,
em estrito senso, quando não se deixam levar pela ambição do dinheiro.
Ao fazer a crítica do sistema
industrial moderno, Marx acertou no centro do alvo, ao afirmar que o
trabalhador de nosso tempo se transformou em “complemento vivo de um organismo
morto”. Os trabalhadores são obrigados a acompanhar o ritmo das máquinas; não
podem sujeitá-las às exigências de sua atenção e de seus músculos.
Quando os tecelões ingleses se
revoltaram no fim do século 18, aparentemente sob a liderança de Ned Ludd,
contra os teares a vapor, não manifestavam apenas seu mal-estar com o
desemprego que a força motriz provocava: rebelavam-se pelo fato de que a nova
máquina lhes exigia atenção máxima e repetição exaustiva do movimento de
corrigir as falhas da tecelagem, no parar e reiniciar das operações.
O homem não nasceu para trabalhar, mas
deve ser produtor, a fim de se afastar das duras condições da natureza bruta. O
ato de produzir – e podemos pensar no coletor, no caçador e no agricultor em
sua situação clássica – não é alienante em si mesmo. Exige destreza, atenção e
criatividade. Mas, nos dias de hoje, sobram poucos agricultores livres. Ao
chegar ao campo, o capitalismo aposentou os lavradores e criou um operariado
rural para manobrar as grandes máquinas que preparam o solo, plantam e colhem.
Essas novas realidades estão minguando o
espírito de luta dos trabalhadores. O dia primeiro de maio lembra a sua dura
resistência contra a brutalidade do liberalismo dos séculos 18 e 19.
A
ordem de domínio neoliberal de nossos dias transformou-o em dia de festas e
piquenique.
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