(Carta Maior) - A violência da polícia,
na repressão aos protestos contra o aumento das tarifas de ônibus, em São Paulo , no Rio e em
Niterói, deve ser vista além dos episódios em si mesmos. Estamos nos tornando
um estado policial, sem que haja uma reação coordenada de defesa da cidadania.
É provável que os governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro estejam
perdendo o controle de seu sistema de segurança, o que é grave; mas também é
possível que eles tenham estimulado a caça indiscriminada aos manifestantes – e
isso é alarmante.
Argumenta-se que o aumento anunciado –
de apenas vinte centavos – é irrisório e não justificaria a reação popular. Os
mais vividos se recordam que quebra-quebras
promovidos pelos estudantes – aos quais se somavam os transeuntes disponíveis –
sempre houve no passado. Não só se protestava contra o aumento dos transportes
coletivos, como, também, contra o aumento dos ingressos cinematográficos. Isso
sem esquecer as costumeiras passeatas contra o alto custo de vida, que se
faziam sob a percussão de garfos e facas contra panelas vazias.
Um
dos símbolos da imprensa alternativa, o Binômio,
de Belo Horizonte, que seria depredado por militares na antevéspera do golpe de
1964, nasceu como protesto contra a violência da polícia de Minas – e em pleno governo democrático de
Juscelino, em 1953. Os estudantes de Belo Horizonte se amotinaram contra o
aumento dos cinemas, quase todos pertencentes a um só homem, e foram golpeados
pelos longos porretes dos soldados da cavalaria. Diante da reação policial – e
de nenhum protesto dos jornais – os jornalistas José Maria Rabelo e Euro Luis
Arantes decidiram editar o jornal em que se reunia o humor crítico aos textos
pesados e mais pensados.
Mas a violência, no passado, tinha os
limites dos cassetetes e das chamadas bombas de efeito moral. Mais ainda: a
polícia evitava golpear quem não estivesse praticando atos de vandalismo – e os
jornalistas eram sempre respeitados. Nos incidentes dos últimos dias, os
jornalistas foram os alvos preferenciais da repressão, e há uma razão: eles são
testemunhas públicas da violência. Vários companheiros nossos foram vítimas de
empurrões, pescoções, jatos de pimenta nos olhos, bombas de gás lacrimogêneo
endereçadas, porretadas e balas de borracha no rosto. Um deles, fotógrafo,
atingido em um dos olhos, provavelmente terá sua visão reduzida à metade.
Estamos assistindo a uma perigosíssima
associação entre as forças policiais e a extrema direita de caráter fascista no
mundo inteiro – o que merece uma análise mais ampla. Mas, no caso brasileiro,
parece haver interesse calculado em criar um ambiente de pânico na população,
que sempre favorece os golpistas. Todos os testemunhos são os de que as pessoas
se manifestavam pacificamente, quando a polícia tomou a iniciativa do ataque.
O governo federal considerou exagerada a
repressão nos dois estados. Isso explica por que não houve excesso na contenção
dos manifestantes contra os gastos da Copa do Mundo, na abertura dos jogos da
Copa das Confederações, no estádio Mané Garrincha. A polícia do Distrito
Federal é paga com recursos da União.
Há políticos em governos
que esperam dividendos eleitorais por sua tolerância com a brutalidade de seus
subordinados policiais. No entanto, eles correm o risco de serem vítimas eventuais
da mesma estupidez. Os governadores Geraldo Alckmin e Sérgio Cabral devem
retomar as rédeas de suas corporações militares, antes que elas recusem
qualquer freio. A mesma discussão, guardadas as devidas proporções, se estende
à polícia civil, com a PEC-37.
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