(JB)-Há um episódio marcante
na história dos Estados Unidos, sempre lembrado – e também nesta coluna. Em
1787, quando se aprovavam os artigos da Constituição, em Filadélfia, alguém
apontou um quadro, no fundo da sala das reuniões. Tratava-se de uma paisagem,
com o sol entre as nuvens com uma montanha no primeiro plano. Tanto podia
retratar o amanhecer ou o crepúsculo. Alguém, provavelmente Benjamin Franklin,
observou a ambivalência da pintura, para expor sua sabedoria: ela podia
significar o nascimento de uma grande nação, ou o ocaso de um sonho, o sonho
dos passageiros do Mayflower.
Podemos ampliar a dúvida de Franklin
que, entre outros feitos, inventou o pára-raios: todas as nações, como todas as
coisas do mundo, vivem, em cada instante, a alvorada e o entardecer. Os estados
– e, muito mais ainda, os governos – são instituições precárias que podem
sucumbir na decisão equivocada de um segundo. Essa decisão equivocada pode ser
de uma pessoa, que esteja no poder de tomá-la, seja da sociedade nacional como
um todo. Na visão desalentada de alguns historiadores, como Bárbara Tuchman, a
História é uma longa marcha da insensatez, com raros e efêmeros momentos de bom
senso e paz.
Qualquer observador norte-americano de
hoje, diante do quadro que inquietou Franklin, poderá repetir a dúvida: seu
país está diante de nova alvorada ou do definitivo crepúsculo. Mas o fado não
se limita às fronteiras da orgulhosa república. A civilização está, ela
inteira, sobre o fio da navalha. De repente, como no belo prefácio de Helio
Pellegrino ao “Encontro Marcado” de Fernando Sabino, o homem acorda, no meio da
noite, de repente, nu e só, e a verdade lhe
atravessa o peito, como um dardo. Mas não é um só homem. É o homem, como
ser histórico, golpeado por todas as dúvidas.
Um dos dados curiosos das pesquisas,
feitas no calor dos protestos no Brasil, há a queda da presença nos eventos
evangélicos, em 40%, segundo o Datafolha. Até mesmo o Jeová meio liberal das
seitas petencostais está perdendo os seus fiéis. A Igreja tenta, mais uma vez,
voltar às catacumbas com o novo papa, o primeiro (é bom registrar) a usar o
nome do poverello, mas está sentindo
as dificuldades em cumprir essa missão profética. Isso, quando percebemos que
nunca como neste tempo, só a mensagem
cristã nos pode indicar a salvação do
reino de Deus, ou seja, o da paz, neste plano temporal, que é o único que nos
toca.
Estamos assustados com os protestos, como
se fôssemos, como povo e como Estado, os únicos intocáveis da Terra. O Brasil,
como os seres humanos de John Donne não é uma ilha. Estamos em um só continente
a que chamamos Humanidade. Isso se torna mais evidente ao examinar o quadro
internacional. Enquanto a Presidente assiste às dificuldades de seu mandato,
Obama sai pelo mundo, em busca de simpatia, e é recebido com protestos na
África. A União Européia, a mais sólida aliada histórica de Washington, sente o
amargo constrangimento de saber que suas decisões estavam sendo acompanhadas
pelo sistema de espionagem eletrônica dos Estados Unidos. E Putin deixa claro
que não irá entregar Snowden a Obama: nada tem a ver com o fato de que seus
“aliados” ocidentais se espionem, desde, é claro, que não espionem a Federação
Russa.
Os romanos partiam da constatação
pragmática de que os segredos mandam. Em um mundo sem segredos, a não ser os
realmente invioláveis, que ninguém supõe serem ainda possíveis, quem mandará?
Há sinais de que, no Brasil, a dispersão dos
protestos, conforme os setores corporativos, acabará aliviando a pressão sobre
os governos, embora não resolva o problema de fundo. Já temos protestos
anti-protestos, como os dos trabalhadores no setor de transportes públicos,
para os quais o passe livre, se adotado, significará o desemprego. E o dos
médicos, contra a vinda de profissionais estrangeiros, que é uma reivindicação
dos grotões do país, onde a morte passeia sua impunidade, com a mesma tranqüilidade
de alguns políticos corruptos.
O plebiscito divide a opinião dos
políticos e de alguns juristas. A ministra Carmem Lúcia está certa: o
plebiscito é previsto na Constituição. Se o poder legislativo convocá-lo, ela
terá que providenciar os meios, como chefe da Justiça Eleitoral. Mas não pode
fazer o impossível, por isso se reunirá hoje com os chefes dos 27 tribunais
regionais eleitorais, a fim de avaliar a possibilidade ou não de conduzir a
consulta, no prazo desejável, a fim de que tenha efeito nas eleições do ano que
vem.
Como no resto do mundo, no exercício de
nossa soberania, temos que caminhar com prudência, na defesa do estado
democrático de direito, dentro da poderosa advertência romana de que a suprema
lei é a salvação da república.
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