(JB) - Depois de terem sido apanhadas de calças na mão pelas crises internacionais, as agências de qualificação voltam de novo sua nefasta atenção para o Brasil, desta vez para defender o enfraquecimento e o desmonte do sistema de financiamento público.
E o nosso país, que deveria tratá-las como
aos cães que ladram, enquanto a caravana passa, parece que vai ceder à chantagem, e tolher a concorrência
entre bancos públicos e privados, diminuindo a
o papel dos primeiros na expansão do crédito pessoal e de capital de
giro – providência que nos salvou, desde o início da crise, em 2008, até agora.
Como na fábula do lobo e do cordeiro – para a
imprensa financeira e os arautos do capitalismo internacional - o país tem que
estar indo sempre mal em alguma coisa.
Se não estamos negativos no crescimento, que
será de 2.5% em 2013, mais de duas vezes
maior que o do México - o aluno espionado, adulador e obediente do Consenso de
Washington - talvez o problema seja com a inflação.
Mas como a inflação desceu para menos de 6%
nos últimos 12 meses, e o tomate não chegou a vinte dólares o quilo, como
esperavam os “analistas”, o vilão da vez é a dívida bruta, que, no conceito do
FMI, está em 68%, e que o governo diz estar em 58% - se descontarmos os títulos
que estão em posse do tesouro.
O FMI e as agências falam da dívida bruta,
mas se esquecem da dívida líquida, que é de apenas 34%, subtraídos os 375
bilhões de dólares que o país tem em reservas, a maior parte deles em títulos
dos EUA, o que nos torna o terceiro maior credor individual dos
norte-americanos.
Para evitar que o Brasil fugisse da restrição
ao crédito imposta pelos bancos privados no auge da crise de 2008, o governo
expandiu em 7% a dívida bruta, e essa é a principal razão, para que ela tenha se
transformado agora, na bola da vez, para as agências internacionais.
Essa é a principal causa de as agências
internacionais terem rebaixado a perspectiva – vejam bem, por enquanto, apenas
a perspectiva - da qualidade da dívida soberana do Brasil, de positiva para
“estável” nas últimas semanas.
Bem, o Brasil continua com grau de
investimento – e não está na situação dos EUA, com a maior dívida do mundo, a
ponto de paralisar, por falta de dinheiro, todo o setor público, daqui a uma
semana, se não conseguir licença para assinar novos “papagaios” e aumentar o
orçamento federal.
No entanto, neste como em outros embates,
principalmente na economia, o governo – pressionado pelo Congresso, pela mídia
conservadora, a Europa e os EUA, que desejam impedir o surgimento de um novo
concorrente no plano geopolítico – prepara-se, mais uma vez, para reagir mal,
aos trancos e barrancos, adotando um comportamento errático e hesitante, ditado
muito mais pela pauta dos adversários, do que por um projeto próprio e coerente
de país.
É isso que ocorre, por exemplo, na área de
telecomunicações, sob quase total domínio do capital estrangeiro desde o
governo Fernando Henrique Cardoso. Uma situação que nos leva a pagar, segundo a
última pesquisa da União Geral de Telecomunicações, divulgada nesta semana, as
mais altas tarifas de telefonia celular do mundo. Preços várias vezes
superiores aos que cobram as operadoras estrangeiras, de seus concidadãos, em
seus países de origem, pelos mesmos serviços. Sem quase nenhuma atitude do governo,
a não ser a de providenciar financiamento farto e barato, e isenção de
obrigações e impostos, para multinacionais que enviam bilhões de dólares para o
exterior todos os anos - a não ser o recuo em uma frustrada tentativa de
retorno da Telebras, como operadora plena, ao mercado, para a prestação de
serviços diretos ao consumidor.
Com regras claras, voltadas para a montagem
de consórcios com participação privada nacional, estatal e estrangeira, em
bases iguais, também na infra-estrutura, o dinheiro injetado em nosso principal
banco de fomento poderia ter gerado resultados muito melhores na economia desde
a crise de 2008.
No lugar disso, o que vimos, nos últimos
anos, foi o BNDES financiando, às vezes, 60%, até 80% do montante de projetos
para empresas que, em vez de reinvesti-los aqui mesmo, enviam a maior parte de
seus lucros para o exterior.
Isso ocorreu no setor de telecomunicações,
mas também na indústria automobilística. Não se negociou qualquer participação
direta do governo nas novas fábricas de automóveis construídas com quase 100%
de dinheiro do BNDES e generosa isenção fiscal, para que ao menos parte dos
ganhos auferidos com o boom de vendas, gerado pela diminuição do IPI, ficasse
no país.
Não se negociou mudanças nas novas fábricas e
em novos modelos, que contemplassem exigências de eficiência energética,
diminuindo a necessidade de importação de combustível estrangeiro que aumentou
com a expansão da frota. Aplicou-se dinheiro que poderia ter sido investido no
subsídio à produção local de etanol, em projetos megalomaníacos, como os do
Senhor Eike Batista, por exemplo.
O governo precisa perder o medo pânico de
investir diretamente em atividades estruturais e produtivas que são
estratégicas para o país. Quando não for possível estabelecer um equilíbrio
entre capital privado nacional, capital estatal, capital estrangeiro, por
eventual falta de interesse privado, que se busque associação direta com
estatais de outros países, como a China, na base de 51% para o Brasil e 49%
para o parceiro internacional.
O governo não deveria ter se endividado para
colocar dinheiro na economia sem a contrapartida de aporte de recursos por
parte de quem domina e se beneficia do negócio, principalmente, quando se trata
de estrangeiros. Nessa parceria, que lembra a famosa joint-venture dos porcos
com as galinhas, as multinacionais entram costumeiramente com os ovos, e o
estado brasileiro, via BNDES, com o bacon.
Quem busca financiamento público precisa
colocar em cima da mesa pelo menos um real, ou um dólar – vindo de seu próprio
bolso ou de fonte de financiamento interna ou externa - para cada real, ou
dólar, colocado pelo governo, senão nunca poderemos sair do baixíssimo patamar
de investimento no qual nos encontramos.
Pois bem, agora, pressionado pela ameaça de
rebaixamento da nota do país pelas
agências internacionais, o governo pretende, para se livrar do problema, jogar
a criança fora junto com a água da bacia.
No lugar de aprofundar e corrigir o papel do
financiamento estatal, estabelecendo rumos, previsíveis, racionais, para os
próximos anos, que levem à otimização da aplicação de recursos na economia, o
governo cogita diminuir a participação dos bancos públicos no sistema
financeiro e restringir o crédito para o consumo e o capital de giro, e os bancos
privados declararam que não têm interesse em cobrir essa demanda.
E, mais, para assegurar os compromissos de
financiamento do BNDES até o fim do ano, da ordem de 30 bilhões de reais, o
governo fala em vender açodadamente sua participação em empresas – algumas delas estratégicas – em um
momento em que essas ações - que foram responsáveis por metade do lucro do
banco nos últimos anos – estão, por causa da desvalorização da bolsa, com seus
preços muito abaixo de seu valor real.
Alternativas a esse recuo existem, assim como
recursos para continuar com o financiamento público, sem vender os ativos da
BNDESpar. Até ontem o Brasil dispunha, - segundo o site do Banco Central - de
375.951 bilhões de dólares em reservas internacionais. Destes, aproximadamente
240 bilhões estão aplicados em títulos do tesouro norte-americano, o que aponta
para um risco, nada desprezível, de se tomar um gigantesco calote, caso o
governo e o congresso não cheguem a um acordo sobre o orçamento e o novo teto
da dívida pública dos EUA.
Esse dinheiro, hoje aplicado a menos de dois
por cento ao ano, poderia dar melhor retorno, se uma décima parte dele fosse
aplicada, paulatinamente, via BNDES e outros bancos públicos, na expansão de
nossa economia, sem necessidade – já que essa é a “preocupação” das agências
internacionais de risco - de novos aportes do tesouro ou do aumento da dívida
bruta.
No lugar de ficar tirando, a cada momento,
coelhos da cartola, para driblar as cascas de banana lançadas pelos seus
adversários, o governo precisa de um projeto claro de governo, defensável e
fácil de ser explicado e entendido pelos outros entes e poderes da República e
a opinião pública nacional e internacional.
Ou o PT corrige seu rumo, ou corre o risco de
tomar outro rumo a partir do ano que vem.
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2 comentários:
É muito bom acompanha seu blog.
Artigo muito lúcido e consistente, deveria servir de inspiração e bússola à presidenta Dilma e aos ministros da área econômica. Parabéns!
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