(JB) - Berço
de antigas civilizações, o Mar Mediterrâneo abriu suas águas, por dezenas de
séculos, para receber, em ventre frio e escuro, os corpos de milhares de seres
humanos.
Mar de vida,
morte e sonho, Ulisses, na voz de Homero, singrou suas águas. E tampando os
ouvidos, para não escutar o canto das sereias, aportou em imaginárias ilhas,
fugindo de Cíclope e Calipso, para enfrentar, a remo e vela, os ventos de
Poseidon em fúria.
Por Troia,
Cartago, nas Guerras Púnicas ou do Peloponeso, mil frotas cavalgaram suas
ondas, pejadas de armas e guerreiros. E, no seu leito descansam, se não os
tiver roído o tempo, comerciantes fenícios e venezianos, guerreiros atenienses
e espartanos, os pálios e as espadas de legionários romanos, escudos e
capacetes cartagineses, navegantes persas, cavaleiros cruzados, califas e
sultões.
Os mortos do
Mediterrâneo descansam sobre seu destino.
Suas mortes
podem não ter sido justas, mas, obedeciam ao fado das guerras e do comércio, à
trajetória do dardo ou da flecha que subitamente atinge o combatente, ao
torpedo disparado pelo submarino, à asa, perfurada por tiros de artilharia, de
um bombardeio que mergulha no mar a caminho da África do Norte, ao sabre que os
olhos vêem na mão do inimigo e à dor do imediato corte.
De certa
forma, elas obedeciam a uma lógica.
Mas não há
lógica ou utilidade nas mortes que estão ocorrendo nestes dias, dos meninos e
meninas que se afogam, em frente à costa italiana, na tentativa de chegar a
solo europeu, depois de atravessar o Mediterrâneo.
Há anos,
centenas de pessoas têm morrido dessa forma. No dia 3 de outubro, um naufrágio
na ilha italiana de Lampedusa deixou ao menos 339 mortos – quando cerca de 500
imigrantes vindos da Eritreia e da Somália tentavam chegar à Itália. Oito dias
depois, uma embarcação com 250 imigrantes africanos virou na mesma região e 50
pessoas morreram.
Que crime
cometeram esses meninos e meninas? Nos seus barcos eles não levavam o ouro da
Fenicia, nem lanças e escudos, nem mesmo comida, nem seda ou veludo, a não ser
a sua roupa, seus pais e suas mães, sua pobre e corajosa esperança de quem foge
da guerra e da miséria.
Mas, mesmo
assim, a Europa os teme. A Europa teme a cor de sua pele, o idioma em que exprimem
suas idéias e suas emoções, os deuses para quem oram, seus hábitos e sua
cultura, sua indigência, sua humanidade, sua fome.
Se, antes,
lutavam entre si, os europeus hoje, estão unidos e coesos, no combate a um
inimigo comum: o imigrante.
O imigrante
de qualquer lugar do mundo, mas, principalmente, o imigrante da África Negra e
do Oriente Médio.
Barcos de
países mediterrâneos, como os da Grécia, Espanha e Itália, patrulham as costas
do sul do continente. Quando apanhados em alto mar, em embarcações frágeis e
improvisadas, por sua conta e risco, mais náufragos que navegantes, os
imigrantes são devolvidos aos países de origem.
Antes, a
imigração era, principalmente, econômica.
Agora, a ela se somam as guerras e os
deslocamentos forçados. São milhões de pessoas, tentando fugir de um continente
devastado por conflitos hipocritamente iniciados por iniciativa e incentivo da
própria Europa e dos Estados Unidos.
O Brasil
está fazendo sua parte, abrindo nosso território para a chegada de centenas de
refugiados sírios, como já o fizemos com milhares de haitianos e
clandestinos escapados da África Negra
que chegam a nossos portos de navio.
A Itália
lançou uma operação militar “humanitária”, para acelerar o recolhimento de
imigrantes que estiverem navegando em situação de risco junto às suas costas,
mas irá manter sua rigorosíssima lei de veto à imigração, feita para proibir e
limitar a chegada de estrangeiros.
Como a
mulher, amarga e estéril, que odeia
crianças, a Europa envelhece fechada em seus males e crises, consumida
pela decadência e a maldição de ter cada vez menos filhos.
Mas prefere
que o futuro morra, junto com uma criança árabe, no meio do mar, a aceitar a
seiva que poderia renovar seu destino.
Sepultados
pela água e o sal do Mediterrâneo, recolhidos, assepticamente, nas praias
italianas, ou enterrados, junto com seus pais, em cemitérios improvisados da
Sicília – ao imigrante, vivo ou morto, só se toca com luvas de borracha - a
meio caminho entre a miséria e o terror e um impossível futuro a eles arrebatado
pela morte - os fantasmas dos meninos e meninas de Lampedusa poderiam
assombrar, com sua lembrança, a consciência européia.
Se a Europa
tivesse consciência.
Este texto foi publicado também nos seguintes sites:
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http://blogoosfero.cc/contextolivre/contextolivre/os-fantasmas-de-lampedusa-e-a-consciencia-europeia
Eu acho que o Brasil, pela tradição diplomática que tem, poderia liderar uma política de desenvolvimento nesses países de imigrantes , não por xenofobia, mas pela questão humanitária, senão vão ocorrer problemas sociais como o de bolivianos que são submetidos a trabalho quase escravo.
ResponderExcluir«O que surpreende é que ninguém, nem o Francisco,o papa, vê o absurdo representado por esta transferência de africanos para a Europa. É mais do que notório o fato de que a Europa já é uma região com a maior densidade demográfica, ou sejam, 73 habitantes por quilômetro quadrado. A África tem menos da metade. América do Sul e América do Norte contam com 22 habitantes por km2. Mas é a Europa que tem que acolher toda essa gente sem rumo. Se for para ajudar, não seria muito mais prático os países ricos levarem projetos, orientação, educação e investimentos para o local onde vivem os que precisam desta ajuda, contribuído ali, in loco, para o seu desenvolvimento?
ResponderExcluirÉ “elementar meu caro Watson”, mas um papa moderno não pode pensar assim.» Todter
E já agora, pergunto eu, porque não para israel, já que estão por trás das guerras no Norte de África e Médio Oriente?! A Europa, ou melhor, os seus povos escravizados pelas elites gananciosas como sempre, têm, como se costuma dizer por cá, as costas largas e é para provocar mais uma guerra, não é verdade? a terceira grande guerra.
Em Israel a política de imigração é totalmente baseada no factor racial, ou seja, só pessoas que provem ter biologicamente ascendência judaica, podem imigrar para Israel.
Esta política é directamente antagónica com o que os judeus nas sua poderosas Organizações defendem para os Estados Unidos e Nações europeias, onde essas Organizações judaicas irão defender a liberalização das políticas de imigração a ferro e fogo.
Para colocar isto em perspectiva, se os EUA e a UE adoptassem políticas de imigração baseadas nos dados de ADN para permitir a entrada de imigrantes, as Organizações judaicas gritariam aos quatro ventos que estes países seriam nazis e permitiriam o "holocausto". No entanto Israel pode adoptar as políticas que bem entende que ninguém levanta um pio de protesto, pelo contrário, essas mesmas Organizações judaicas apoiam fanaticamente "o direito de ser um estado judeu" de Israel.
O maior campo de concentração do Mundo. No entanto ninguém vê a "Consciência" de Israel ser posta em causa.
http://www.marchaverde.com.br/2013/10/israel-viagem-pelo-deserto-de-negev-ao.html
Jornalismo de primeira, cru, o coração na mão. Belo texto. Como sempre.
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