(JB) - A Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara dos Deputados, aprovou, ontem, parecer do deputado Luiz Couto
(PT-PB) referente à proposta de emenda à Constituição que reserva vagas a
parlamentares de origem afro-descendente.
De acordo com o projeto de lei
do deputado Luiz Alberto (PT-BA), a cota valerá para a Câmara dos Deputados,
Assembléias Legislativas e Câmara Legislativa do Distrito Federal por cinco
legislaturas a partir da promulgação da emenda, prorrogáveis por até mais cinco
legislaturas.
A primeira coisa que se
estranha é que uma lei, que terá efeito limitado, no tempo, seja inscrita no
texto constitucional. Aparentemente, o número de vagas seria definido com base
no percentual de pessoas que tenham se declarado “negras” ou “pardas”, no último
censo do IBGE.
O número de deputados “negros”
eleitos por esse sistema, não poderia ser menor que 20% do total, ou maior que
a metade das vagas.
Com isso – segundo se calcula -
o número de parlamentares “negros” aumentaria, imediatamente, de uma legislatura
para a outra, de 30 para 150 deputados, no legislativo federal.
Parte significativa dos
problemas vividos pela população mais pobre, hoje, no Brasil, é fruto de outra
tentativa de mudar, na canetada, a situação dos negros, no fim do século XIX.
A lei assinada pela Princesa
Isabel, foi feita sem levar em consideração as circunstâncias econômicas e
sociais do país e da própria população escrava, à época de sua assinatura.
Querer alterar, por emenda, e
com base em critérios “raciais”, a situação de um determinado segmento da
sociedade, no contexto geral da
população, é um precedente perigoso, principalmente quando se quer fazer
isso no texto constitucional.
O importante é o
princípio. Ao admitir-se, teoricamente,
que alguém pode ser privilegiado pela sua ascendência e a cor de sua pele,
admite-se também, implicitamente, que alguém possa – dependendo das
circunstâncias históricas - ser punido pelos mesmos motivos.
A Alemanha Nazista fez isso com
as Leis de Nuremberg, em relação aos judeus e os ciganos, proibindo-os de
votar, e estabeleceu cotas mínimas, para os “não-arianos”, nas universidades,
abrindo caminho, depois, para o extermínio puro e simples, dos que haviam sido
punidos pela nova legislação.
O único exemplo de cotas
raciais para a formação do parlamento, nos tempos mais recentes é o da África
do Sul do apartheid. Os brancos mandavam, mas indianos e mulatos tinham suas
próprias casas legislativas. A população africana “pura” não podia votar e
lutou, durante décadas, pelo princípio, simples, de “um homem, um voto”, como
já ocorre com a democracia no Brasil.
A PEC se refere à “população
afro-descendente”. Como vamos fazer para classificá-la e catalogá-la para
efeito do preenchimento dessas cotas raciais?
Se o critério é o da
auto-declaração, a lei é inócua e hipócrita. Supondo que eu me apresente como
negro, ou um loiro chamado Altenhofen, faça o mesmo para concorrer em Santa
Catarina, como vai se provar que ele não é negro?
Será colhido seu sangue, para
fazer um tipo de teste de DNA? Ou, se o critério for antropométrico, que
medidas vamos usar? Convocaremos o Dr. Mengele, para que volte do além, para
dizer qual é a diferença de largura da narina de um “branco” e a de um “negro”,
usaremos, no caso dos cabelos, critérios de elasticidade, e, para classificar a
pele do candidato, uma escala de cor?
E se outro brasileiro, loiro,
de sardas e olhos azuis, chamado Feingelbaum, tiver perdido noventa por cento
da família de seu pai, os irmãos, tios, bisavô e bisavô, carregando pedras
quatorze horas por dia, espancados com chicotes de fios elétricos trançados, em
campos de concentração nazistas como Birkenau, Belgen-Belsen, Sobibor, não será
ele, também, um descendente de escravos?
E não terá ele, também, do
ponto de vista humano, direito a uma compensação derivada de sua condição
“racial”?
E o que faremos com os
descendentes de índios, ou de ciganos, por exemplo, que até 1864 eram
escravizados e podiam ser comprados ou vendidos, mortos ou espancados até ficar
aleijados, em países como a Romênia, vamos abrir cotas também para eles,
segundo sua proporção demográfica e populacional?
Estudos comprovam que quase 80%
da população considerada “branca” no Brasil, apresenta marcadores genéticos
afro-descendentes. Então, qual será o critério das cotas? Se for genético,
qualquer um pode ser beneficiado e elas não são necessárias. Se for pelo
critério fenotípico ou antropométrico, quem estabelecerá as regras?
Há mais meios tons na questão
racial no Brasil do que pode imaginar nossa vã filosofia - principalmente nos
aspectos que emulam os Estados Unidos - e eles não serão resolvidos com a
escolha de deputados pela cor da sua pele.
Sociologicamente, se formos
considerar o comportamento da polícia, ou a diferença salarial, o “negro” é
discriminado.
Culturalmente, se formos ver os
blockbusters de Hollywood, financiados por produtores negros, a parte da
indústria pornográfica que é controlada por produtores negros, as letras de
“funk proibidão”, compostas por “compositores” negros, com letras
explicitamente sexuais, para seduzir “novinhas” na internet e na periferia, as
novelas da Globo e os filmes idem, o “negro” é glamourizado como o protótipo do
macho, a última limonada do deserto, do ponto de vista reprodutivo e sexual.
Mas o mesmo não acontece com a
mulher negra, que, na maioria das vezes, é vítima de racismo, de sexotipia, da
misoginia e da “escravização” na indústria pornográfica pelos próprios
produtores negros, isso quando não é colocada em posição subalterna, ou
simplesmente ignorada, pela mesma indústria do entretenimento que glamouriza o
homem “negro”.
O inferno está cheio de boas
intenções. E a história não se faz por decreto. A população “negra” estará
legitimamente representada no parlamento, quando resolver - no exercício do
voto, ao escolher seu deputado – se a cor de sua pele é ou não um critério
válido de representação.
Se essa abordagem valesse para
o conjunto da população dos Estados Unidos, por exemplo, onde os negros são
minoria, Obama jamais teria chegado à Presidência da República.
É, preciso, também, saber a
quem estaremos privilegiando, caso essa emenda seja aprovada. Aumentar o número
de “negros” no parlamento não quer dizer que a situação da população “negra” –
já que o critério de auto-declaração é subjetivo - vá melhorar apenas por causa disso.
As cotas raciais para as
universidades existem há mais de dez anos e milhares de profissionais negros já
devem ter sido formados graças a elas. Existem centenas de instituições de
defesa da comunidade e da cultura – esta sim, característica de nossa formação
- “negra” no Brasil.
Mas alguém já ouviu falar em
uma “Associação Brasileira de Médicos Negros”, formada para prestar
assistência, voluntária e gratuita, na periferia, à população “negra” ou
afro-descendente? Ou, que ao menos, oferecesse seus membros para trabalhar,
para o governo, em comunidades quilombolas do interior?
E de uma “Associação
Brasileira de Engenheiros Negros”, para
ajudar em projetos de saneamento e mutirão para a comunidade negra das grandes
cidades?
E em uma associação de
advogados negros, para atender gratuitamente os milhares de jovens “negros” que
são presos arbitrariamente, muitas vezes, ou assassinados, todos os dias, no
Brasil, ou para trabalhar nas Defensorias Públicas para defender a sua “gente”,
alguém já viu?
Nos Estados Unidos, essas
associações existem, desde a luta pelos direitos civis. Lá, onde a população
negra era historicamente segregada, e uma minoria demográfica, as ações
afirmativas foram conquistadas com os negros nas ruas, apanhando de cassetete,
e sendo mordidos por cachorros da polícia, em cidades nas quais eram obrigados
a beber em bebedouros separados nos parques, e a se sentar no fundo dos
ônibus.
No Brasil, alguns iluminados –
já instalados no topo da pirâmide – pretendem mudar a situação de cima para
baixo e não de baixo para cima, como se a cor da pele fosse garantia de
caráter. A população “negra” brasileira não vai resolver seus problemas
trocando de tutela, nem mudando a cor do sinhozinho, e muito menos,
transformando-se, por decreto, em exclusivo curral eleitoral.
Sou a favor de cotas sociais,
raciais, não. O que a população negra, índia, cigana, mais pobre, precisa – e
estão aí os royalties do pré-sal para resolver isso – é de melhores condições
de educação e de cultura, para eleger – independente de sua aparência -
deputados comprometidos com as necessidades do povo e menos com seus próprios
interesses. Como dizia o dirigente
chinês Deng-Ziao-Ping, não importa a cor do gato, desde que ele cace o rato.
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8 comentários:
Conheco uma Sra. Branca muito racista. Conheco tambem um Sr. negro igualmente racista. Um dia por acaso apresentei os dois que se tornaram grandes amigos. Nunca mais falaram comigo, porque nao sou racista.
Teste para identificar afro-descendente: 1-O que e Acaraje?2-O que e Sarava?3-O que e Tonga da Mironga do Cabulete? Se acertar e Afro-descendente.
O problema não é esse gente, se o povo em geral, e os negros também, continuarem votando no tipo de gente que representa a maioria do Congresso, o que vai adiantar trocar a cor dos pilantras?
Como disse o autor, cor não é atestado de caráter. Tem malandro de todas as cores do árco-íris. Pseudo-evangélicos então, e "pastores" que rouba e estupram, tá cheio....
Tudo tem limite. Alem de rejeitar esse Projeto, o Congresso deveria alertar o Ilustre Parlamentar a evitar vexames na Casa do Povo.
Se e o Povo que escolhe livremente seus Representantes, ninguem pode induzi-lo a 20% seja la do que for. O povo escolhe 100%'
Estamos caminhando para uma situação de hipocrisia insustentável. Se um cidadão vestir uma camisa com a escrita 100% BRANCO é crime. Se outro vestir uma camiseta com 100% NEGRO é ação afirmativa.
Muito bom o artigo. Ratifico integralmente. Entretanto, o termo afrodescendente (muito em voga atualmente para identificar a raça negra) não é o mais adequado, uma vez que todos nós somos afrodescendente. O homem surgiu na África...
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