11 de jan. de 2014

A MÃO E AS VESPAS


(JB) - Vez ou outra, os jornalistas vêm-se obrigados a tocar, repetidas vezes, nos mesmos assuntos, não pela razão — como dizia o poeta — de querer fazer um samba de uma nota só mas porque a realidade do país nos impõe, infelizmente, os mesmos implacáveis fatos, dia a dia, mês a mês, ano a ano, quase sem interrupção.
A situação do presídio de Pedrinhas, no Maranhão, com a morte de dezenas de detentos, no ano passado, e a decapitação de alguns, com direito a gravação em vídeo, seguida de macabra divulgação na internet, retrata resistente e trágica mazela que a sociedade brasileira não consegue vencer nem enfrentar.
Muda o nome do presídio, da cidade, do estado, mas a situação, o roteiro — como acontece com os blockbusters de Hollywood — é quase o mesmo.
E o pior, para a ONU e a Comissão de Direitos Humanos da OEA, o nome do país, também é quase sempre o mesmo, só muda o mês, o ano e o  filme que está em cartaz.  
Tudo isso ocorre porque, por trás da situação do Sistema Carcerário Brasileiro, existe outro “sistema”, paralelo, anônimo, ilegal e suboficial. Esse “sistema” está envolvido com atividades ilegais, que vão de cartéis para o fornecimento de comida e outros insumos para os presos à introdução de drogas, armas e celulares nos presídios. Um “sistema” que se sente confortável como um peixe dentro de lago profundo, escuro  e estanque com o estado atual das nossas prisões. 
Talvez seja essa a razão para que, nos últimos anos — incluídos os de FHC, Lula e Dilma— pouca coisa tenha mudado em nossas cadeias, e, de modo geral, para  os milhares de detentos que se encontram atrás das grades, cerca de 40% deles ilegalmente, já que sem terem tido culpa formada ou reconhecida pela Justiça.
Está faltando um debate mais amplo para discutir o descalabro e as perspectivas do panorama carcerário no Brasil
Acossados pelo conservadorismo, tanto o PSDB como o PT, no entanto, evitam aprofundar-se no assunto, embora o tema devesse constar com destaque em qualquer programa de governo, e esteja faltando um debate mais amplo, e mais sério, para discutir o presente descalabro, e as perspectivas futuras, do panorama carcerário no Brasil.
Em Minas, o governo Anastasia inaugurou, no início de 2013, a primeira prisão “privada” do país, erguida e administrada por investidores, por meio de PPP, com celas para quatro presos em regime fechado, ou seis em regime semiaberto.
O complexo, com previsão para cerca de 3 mil presos, é gerido por um agente público, e por um conselho com participação das áreas de corregedoria, de direitos humanos e da própria comunidade, além do grupo responsável pela sua construção.
O senhor Fernando Henrique Cardoso já se manifestou publicamente — mas o PSDB não assumiu essa bandeira — a favor da descriminalização, assunto que está na ordem do dia com a regulação da produção e consumo da maconha no Uruguai, prestes a se transformar na primeira potência cannábica do planeta, inclusive com a exportação do produto para outros países, para a produção de medicamentos.
O que não pode continuar ocorrendo, nem no Maranhão, nem em qualquer outro estado, ou em prisões federais, é que se tente imputar aos presos a culpa pela situação.
Preso é preso, e Estado é Estado, assim como seus policiais, funcionários e agentes carcerários.
Querer culpar o detento por ter acesso a desafetos, celulares, drogas, armas, dentro da cadeia, quando se sabe que nada entra na cela sem o interesse ou a cumplicidade de alguém, é o mesmo que insultar a inteligência da nação.
Afinal, quem pode mais, pode menos. Quando os agentes do Estado querem — às vezes até mesmo à revelia das lideranças legalmente constituídas — invadem arbitrariamente prisões, espancam e torturam presos, massacram indiscriminadamente detentos como aconteceu no Carandiru.
Sejamos francos, a morte dos presos de Pedrinhas  só chamou a atenção porque o presídio foi visitado por uma comissão externa ligada ao Ministério Público, determinada  a verificar a situação da população prisional. E por causa de ataques, fora de seus muros, que atingiram covardemente a população local.
Se não fosse isso, a repercussão dos assassinatos de detentos em Pedrinhas seria zero. A morte de cinquenta ou sessenta presos por ano em um presídio qualquer não atrapalha em nada o “sistema”.  Pelo contrário, ela é vista, por muitos, dentro e fora dele, como desejável e normal.
Resta saber se essas mortes, assim como os ataques a inocentes, como a menina de três anos, queimada dentro de um ônibus, não estão sendo incentivadas,  direta ou indiretamente, e se existe mais alguém, além dos detentos, interessado em incendiar o Maranhão.
Isso já ocorreu em São Paulo, não faz muito tempo, com as chacinas — que mataram dezenas de pessoas — detonadas no rastro dos ataques do PCC, em 2012.
Sempre que se tenta mudar a vergonhosa situação prisional do Brasil — que volta a estarrecer o mundo inteiro, neste momento — se está metendo a mão em perigoso vespeiro, forjado por anos e anos de impunidade e omissão.
E as vespas não conhecem outro caminho, para responder a quem mexe com elas, do que disseminar ao máximo seus enxames e ferrões, espalhando o medo e o terror.

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