(Hoje em Dia) - As tribulações de Lucius Apuleius, em O Asno de Ouro; Sherazade e
seus mágicos relatos de As Mil e uma Noites; os heróis imortais da China
ancestral do Romance dos Três Reinos; a impositiva beleza da Princesa
Kaguya, do Japão milenar do Conto do Cortador de Bambu; o sal e o corte
de Os Lusíadas; a ironia e a graça de Rabelais, em Gargântua e
Pantagruel; as aventuras de Robinson Crusoé, de Defoe, ou do
inesquecível Lemuel, das Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift; nada
disso existiria, nenhum desses personagens teria servido de amigo, de matéria
para os sonhos, de solidária companhia, para milhões de homens, ao longo dos
séculos, se os livros não os tivessem trazido até aqui.
E o que dizer de Guerra e Paz,
de Tolstoi, de O Corcunda de Notre Dame, de A Queda da Casa de Usher,
de Os Miseráveis, ou de Germinal?
Ou de Garcia Marquez, Eduardo Galeano, Machado de Assis, Jorge Amado,
Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, João Guimarães Rosa, Wander
Piroli, Murilo Rubião ?
Os livros são como o próprio Aleph, de Borges, que concentra toda
a realidade do universo em único ponto, como eles reúnem a experiência e a
imaginação dos homens em suas páginas, letras e linhas.
Tecido com o coração das longas hastes, colhidas às margens do Nilo, por
diligentes fabricantes de papiro; lixado, desbastado e prensado, até o couro se
transformar em pergaminho; abrigado, por tanto tempo, na escuridão das câmaras mortuárias das pirâmides egípcias e nas prateleiras tubulares da Biblioteca de
Alexandria; copiado, à luz de velas, e das amplas janelas dos scriptoriums
das abadias medievais, por gerações de monges que nele teceram a delicada e
persistente trama dourada das iluminuras, desenhando, com longas penas de
ganso, serifa a serifa, as letras dos textos bíblicos, da filosofia, da
ciência, da história; escrito pelos revolucionários, contrabandeado pelos
perseguidos, nau e asas dos injustiçados, leme dos que mudaram o mundo, o livro
continuará, conosco, no futuro.
Nossos netos poderão achar os mesmos textos nas frias nuvens de bits,
nas telas dos tablets e dos smartphones, ocultos nos algoritmos
que as máquinas guardam e traduzem, até serem quebradas e derretidas para fazer
novas memórias, placas e processadores.
Mas nada poderá substituir, ou superar, a sensação de imaginar, ao
acariciar uma capa antiga, a vida de quem a encadernou.
De descobrir, ao abrir um volume de aventuras, a dedicatória, escrita,
com esmero, a tinta de tinteiro, por um pai para seu filho de 10 anos.
Ou de localizar a letra do primeiro, do segundo, de um terceiro dono -
nome, sobrenome e ano - como a marcar e afirmar, em uma lápide, ou numa carta
jogada em uma garrafa ao oceano: eu existi. Como você, estive por aqui. Como
você, tive este livro entre as mãos. Ria com ele, chore, aprenda e sonhe.
Escreva seu nome nesta página de rosto. Aproveite a leitura.
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