(Revista do Brasil) - Nas últimas
semanas tem chamado a atenção, mais uma vez, a diferença de tratamento entre
dois temas e dois países: a Rússia, no âmbito da crise ucraniana, e Israel, no
contexto de seu confronto com o Hamas e a destruição física e humana da Faixa
de Gaza. Moscou – cujo governo pode ter, naturalmente, seus defeitos – tem sido
acusada de agir como potência agressora no país vizinho, quando, na verdade,
está defendendo o último espaço teoricamente neutro que lhe restou após a queda
do muro de Berlim. Quando do fim da União Soviética, e do próprio desarme
nuclear da Ucrânia, os Estados Unidos comprometeram-se a não atrair os países
do antigo Pacto de Varsóvia para a órbita da Otan, e, assim, não cercar, com
tropas hostis, o território russo.
De lá para
cá, em menos de 20 anos, várias nações, entre elas a República Tcheca, a
Hungria e a Polônia, abdicaram de qualquer neutralidade e se agregaram à
aliança ocidental, envolvendo a Rússia com um anel de aço. Nele, não existem
apenas soldados inimigos, mas também podem ser colocados mísseis com capacidade
de atingir as principais cidades do país em poucos minutos, e em menos da
metade do tempo do que levariam suas armas nucleares para chegar ao território
dos Estados Unidos.
Quando da
“independência” da Ucrânia, em 1989, ficaram dentro de seu território milhões
de russos étnicos que haviam compartilhado durante anos, com os ucranianos, a
cidadania soviética. Esses cidadãos não aceitam se aliar ao “ocidente” para
combater sua própria gente, sua própria história, sua própria cultura, que
estão também nos territórios russos que existem do outro lado da fronteira.
Antes da
queda do governo que estava no poder até fevereiro, os russos subsidiavam o gás
vendido à Ucrânia, e procuravam estabelecer com ela maiores laços econômicos,
para que o país não caísse totalmente sob a influência dos Estados Unidos e da
União Europeia. Manobras ocidentais romperam o precário equilíbrio existente
dentro da sociedade ucraniana, levaram à queda de Yanukovich e à ascensão, pela
primeira vez depois da Segunda Guerra Mundial, de membros de partidos
neonazistas a um governo de um país europeu. A isso, se seguiu a ocupação, por
Putin, da mais russa das regiões ucranianas, a Crimeia. Por mais que a imprensa
dos Estados Unidos diga o contrário, no mundo real nem o governo ucraniano nem
o atual governo israelense podem ser “vitimizados”.
O magnata
Petro Poroshenko chegou ao poder no rescaldo da derrubada de um governo eleito,
sob um pretexto que até hoje é colocado em dúvida: a morte de civis na etapa
final das manifestações da Praça Maidan, por policiais ligados ao regime anterior,
quando, na verdade, há fortes indícios de que os tiros foram disparados por
franco-atiradores neonazistas, interessados em criar um fato que servisse de
“ponto de virada” na situação ucraniana.
No caso da
derrubada, não do governo Yanukovich, mas do avião malaio que caiu no leste da
Ucrânia, é preciso perguntar: a quem interessava o crime?
Com vários
aviões de guerra abatidos nas últimas semanas, e impossibilitado de retomar,
pelas armas, grandes cidades como Donetsk e Karkhov, o governo ucraniano encontra
na queda de um avião civil, com grande número de passageiros ocidentais a
bordo, um excelente “ponto de virada” para tentar impedir que os
independentistas de etnia russa continuassem a derrubar suas aeronaves, e
colocar Putin contra a parede, obrigando-o, por sua vez, a pressioná-los.
Afinal, o
presidente russo acabara de marcar importantes pontos em seu jogo de xadrez
contra os Estados Unidos, retornando de vitoriosa viagem à América Latina, na
qual participara da criação do Banco e do Fundo de Reservas do Brics, e
mostrara que tem suficiente jogo de cintura para se furtar às tentativas
“ocidentais” de isolá-lo internacionalmente.
E o que
teria ocorrido, caso – como disseram fontes russas – tivesse sido atingido o
avião de Vladimir Putin, que cruzou a mesma rota do voo da Malaysia Airlines?
Os ucranianos não teriam da mesma forma – com a ajuda da imprensa “ocidental” e
como fizeram com o avião malaio – acusado os rebeldes de ter derrubado o avião
presidencial russo, por engano? Em todo caso, os últimos interessados e os que
tinham mais a perder com a explosão do avião da Malaysia Airlines teriam sido
exatamente os russos e os rebeldes ucranianos.
Enquanto a
imprensa ocidental acusa os rebeldes e, eventualmente, o próprio Kremlin, de
ter derrubado o avião de passageiros, Obama afirma que Israel – que acusa sem
confirmação o Hamas de sequestro e assassinato de três adolescentes – “está
apenas se defendendo”, na Faixa de Gaza, e é acompanhado, nisso, pelos mesmos
“analistas” e editorialistas que atacam o comportamento da Rússia na Ucrânia.
Há pouca
diferença dessas campanhas com outras, como a que afirmou, durante anos, sem
nenhuma prova, que havia armas de destruição no Iraque. A imprensa nazista
passou anos recorrendo ao mesmo tipo de gente, de “analistas” raciais a
“entendidos” em geopolítica, para explicar e contextualizar os perigos do
judaísmo para o mundo, e a sua vinculação com os bolcheviques comunistas.
Quando a
Alemanha de Hitler dominava a Europa, os nazistas costumavam matar dez reféns
para cada soldado alemão que sofria um atentado. Na ofensiva de Tel-Aviv em
Gaza, a mídia “ocidental” parece achar normal que a proporção de civis mortos e
feridos, seja de mais de 20 palestinos para cada israelense atingido em combate
ou pelos foguetes artesanais do Hamas, e que boa parte do território – com mais
de 4 mil habitantes por quilômetro quadrado – já tenha sido destruída, deixando
mais de 100 mil desabrigados.
Ao
bombardear mulheres e velhos, meninos e meninas, apartamentos e ruas de Gaza,
Israel implantou, regou e alimentou, com ossos e sangue – como
faziam os nazistas com suas experiências com repolhos no campo de extermínio de
Maidanek – um ódio profundo e incomensurável em nova geração de palestinos, da
mesma forma que, ao destruir o Iraque, os Estados Unidos abriram caminho para
Bagdá e Mossul para os terroristas da Al Qaeda.
Quando se
tornar impossível a sobrevivência e a permanência, dentro das estreitas
fronteiras de sua gaiola de escombros, cercada por muros e arame farpado, dos
quase 2 milhões de palestinos que vivem em Gaza, será que os israelenses se
inspirarão em seus algozes de um outro gueto, o de Varsóvia? Lá, judeus de toda
a Europa foram amontoados, sem água, luz, comida ou aquecimento, durante meses
a fio, para morrer de tifo e outras doenças contagiosas. Finalmente, foram
levados para campos – como Israel pode fazer com os palestinos – se quiser,
teoricamente, assisti-los “humanitariamente”.
A outra
opção é entrar – como fizeram os SS do Brigadeführer Jürgen Stroop há
exatamente 71 anos – com tanques e lança-chamas no meio das ruínas, no Gueto de Varsóvia, e caçar, um
por um, os sobreviventes, até o último homem, mulher ou criança, como se fossem
ratos.
As ações do governo israelense são muito contestadas por parte da oposição
israelense e também por integrantes da comunidade judaica espalhados pelo
mundo. Mas a julgar pelo noticiário da imprensa “ocidental”, essas vozes
dissonantes tampouco existem.