(Jornal do Brasil) - O Brasil e os Estados Unidos, cada um por suas razões, acabam de retirar seu pessoal
diplomático de Trípoli, na esteira da desastrada intervenção dos EUA e da OTAN
na Líbia, que teve como consequência a entrega de uma das mais desenvolvidas
nações do continente africano a uma matilha de quadrilhas radicais islâmicas,
após a derrubada e o assassinato de Muamar Kadafi, em 2011.
Brasília está fechando sua embaixada para proteger seus funcionários. Os EUA, porque, assim como ocorreu no Iraque, foram taticamente derrotados e falharam em colocar no poder governos fantoches, apesar de terem destroçado política e socialmente esses países, deixando, como está acontecendo na Síria, como rastro de sua interferência, direta ou indireta, centenas de milhares de mortos e milhões de refugiados.
Único país do mundo a possuir, sem necessidade de lastro, uma
impressora de dinheiro em casa, e a contar com gigantesca máquina de
inteligência, espionagem e propaganda, os EUA teriam tudo para, se quisessem,
como diria o teórico da auto-ajuda Dale Carnegie, “ganhar amigos e influenciar
as pessoas”, incentivando a paz e o desenvolvimento nos países mais pobres, por
meio de “soft power”.
Cinco principais razões, no entanto, impedem a república
norte-americana de fazer isso:
Em primeiro lugar, o grande business do medo, tocado, protegido, irrigado como frondosa e delicada
árvore, todos os dias, por milhares de pseudo-intelectuais, “filósofos”,
acadêmicos, “pesquisadores” e jornalistas, que vivem de provocar, induzir e
realimentar as indústrias do anti-comunismo, do anti-islamismo, do
“anti-chinesismo”, do anti-russismo, do anti-castrismo, do anti-bolivarianismo,
etc.
Em segundo lugar, o complexo imperial da direita
fundamentalista norte-americana, que acredita, piamente, ter herdado, dos pais fundadores, exclusivo e expresso
mandato recebido – como as Tábuas da Lei
- diretamente das mãos de Deus, para
conduzir o mundo e o destino da Humanidade.
Em terceiro lugar, a política interna, na qual democratas e
republicanos, e concorrentes a indicações e a candidaturas, às vezes até
do mesmo partido, se acusam mutuamente
de desdenhar a segurança, o que coloca a questão da defesa sempre em primeiro
plano no embate político, partidário e eleitoral.
Em quarto lugar, os interesses de um imenso complexo
industrial-militar que movimenta milhões de pessoas e centenas de bilhões de dólares
na pesquisa, desenvolvimento e fabricação de novas armas, que precisam ter sua
existência justificada e ser usadas de alguma forma.
E, finalmente, em quinto lugar, uma política externa e uma
diplomacia que não conseguem sobreviver sem a desconfiança e a arrogância. Em
seu trato com o resto do mundo, principalmente as nações menos favorecidas, os
Estados Unidos poderiam usar a cenoura, mas preferem, como qualquer valentão de
bairro, brandir o porrete, porque isso lhes dá
prazer e a ilusão de força.
Com base em mentiras, como a existência de armas de
destruição em massa, os EUA mataram Saddam Hussein e derrubaram Muammar Kadafi,
armando um bando de psicopatas que linchou, no meio da rua, a socos e pontapés,
o líder líbio, transformando seu rosto em uma espécie de hambúrguer.
Era Kadafi um tirano? Quando convinha, a Europa e os EUA não
se aliaram e fizeram negócios com ele, assim como com outros ditadores que são
ou foram apoiados pelo “ocidente”, em estados como a Arábia Saudita ou os
Emirados Árabes, ou em países como o Chile de Pinochet e a Indonésia de Suharto ?
Sob a liderança de Saddam Hussein, o Iraque chegou a ser um
dos países mais prósperos do Oriente Médio, com uma infraestrutura invejável,
boa parte dela construída por brasileiros nos anos 1970 e 1980; e a Líbia, sob
Muamar Kadafi, tinha o maior IDH africano.
Hoje, depois de guerras fomentadas e promovidas pelo
“ocidente”, os dois países estão entregues a rebeldes islâmicos radicais, perto
dos quais Kadafi e Saddam Hussein pareceriam anjos. E os Estados Unidos, depois
de um custo financeiro e humano incalculável, estão saindo de Trípoli e de
Bagdá escorraçados, como saíram do
Vietnam e da Somália.
Em “Von Kriege”,
Clausewitz escreveu que “a guerra é a continuação da política por outros
meios...” querendo afirmar a primazia da razão política sobre a força das
armas. Para os Estados Unidos, a política é a continuação da guerra.
De uma guerra permanente que os opõe – como podemos ver pela
espionagem contra seus próprios aliados, entre eles a Alemanha – ao resto do mundo.
Não por acaso, as únicas vezes em que os EUA foram
efetivamente bem sucedidos, do ponto de vista bélico, foi quando lutaram
claramente não em defesa de suas empresas e de sua elite, mas pela liberdade,
no conflito contra a Inglaterra pela independência de seu território, e na
Primeira e na Segunda guerras mundiais.
A Guerra Fria não passou de uma estratégia contínua e
paranoide de isolar e enfraquecer a União Soviética, que saíra da Segunda
Guerra Mundial e da Batalha de Berlim como uma nação vitoriosa, sem a qual o
nazismo não teria sido derrotado.
Hoje, embora não o admita, a direita norte-americana está
extremamente preocupada com o avanço do BRICS e mais especialmente da China.
Nos próximos anos, se os EUA não mudarem, esse avanço será
cada vez mais eficaz e inexorável.
Não pelo fato de que Pequim esteja se armando militarmente,
assim como os outros BRICS. Mas porque, na maioria dos lugares em que chegam,
países como o Brasil e a China o fazem por meio de obras, comércio,
investimentos, portos, estradas, pontes, ferrovias. E os Estados Unidos, a OTAN,
e seus aliados, por meio de mentiras, intrigas e discórdia, bombardeios, drones e porta-aviões.
Mauro!
ResponderExcluirPelo que observo, tanto na Líbia, Síria, Iraque e agora na Ucrância foram armados os grupos mais radicais para desencadear o caos e enfraquecer os governos e a nação.
Agora os EUA pulam fora e depois retornam para usurpar por valores irrisórios os recursos destas nações. Além de alimentar com a corrupção uma elite que fique submissa aos interesse deles.
Silvio
Nada a retificar, é a pura verdade!
ResponderExcluirPrezado Mauro, como sempre sua análise crítica da realidade nacional e internacional é profunda e imprescindível. Gostaria de acrescentar mais uma possibilidade, no que tange aos EUA e sua política imperial.
ResponderExcluirParece que o objetivo principal dos EUA é dividir e destruir os países e povos. Impedir que eles se organizem enquanto nações autosustentáveis. Como você mencionou, Líbia, Iraque e Síria viviam processos de desenvolvimento social, que foram interrompidos. Estes países agora estão destruídos, e penso que a saída dos EUA não seja propriamente uma derrota para este império, mas parte da sua estratégia.
Não é à toa que eles apoiam incondicionalmente ao criminoso estado de Israel, pois este é fomentador de guerras de ocupação e causa divisão interna entre os árabes.
Tudo isso para justificar, como você bem disse, a lucrativa indústria bélica dos EUA e países ricos da Europa, além de se apropriar das riquezas minerais, e manter o domínio geopolítico.
Naquela região, praticamente o único país que ainda não foi destruído é o Irã, embora os EUA e Israel renovem a cada momento a necessidade de uma intervenção militar naquele território.
Infelizmente, os poderosos grupos de verdadeiros gangsteres que dominam os EUA controlam também a mídia mundial (inclusive no Brasil), controlam os aparatos estatais de guerra, a indústria cultural (hollywood à frente) e os bancos.
O contrapeso tem sido justamente os países como os BRICS e aliados da América Latina, entre outros, que não se renderam ao imperialismo norte-americano e seus aliados ricos da Europa. E que a população consiga resistir e reagir a estes ataques contra a humanidade praticados por políticas imperialistas.
Prezado Sr. Mauro, muito bom o texto, como sempre. Acompanho seus artigos há muito tempo no JB. Apenas uma ressalva. Quando fala-se que
ResponderExcluir"Sob a liderança de Saddam Hussein, o Iraque chegou a ser um dos países mais prósperos do Oriente Médio, com uma infraestrutura invejável, boa parte dela construída por brasileiros nos anos 1970 e 1980; e a Líbia, sob Muamar Kadafi, tinha o maior IDH africano."
esse é o mesmo argumento que a direita brasileira, sobretudo os militares, usa para dizer que na época dos militares era melhor. Dizer que o Iraque era próspero com Saddam e o mesmo da Libia com Kadafi me parece ser apenas uma parte da história. Será que o homem comum desses dois países gostava daqueles líderes? Havia liberdade de expressão? Havia oposição política livre? Sem tirar o mérito de seu excelente texto, sugiro que essas pontos sejam também considerados ao comentarmos sobre esses países. Não estou justificando o ataque nem defendendo os EUA, que isso fique bem claro.
Respeitosamente
Roberto Emery
Ok e obrigado pelas observações.
ResponderExcluirabs,
Como sempre uma aula! Clareza, fatos e dados, argumentos factuais!
ResponderExcluirVerdade que a grande mídia, ou a mídia nativa, é incapaz de divulgar.
Fico pensando se você fosse ancora dos programas políticos do Sistema Globo. Isso realmente é um devaneio ou um pesadelo!
"Rebeldes islamicos" trucidam cristãos, curdos, zoroástricos no Iraque. Não pode ser verdade - os unicos que cometem atrocidades são os israelenses.
ResponderExcluir