Na abertura de um recente – e bizarro - "Seminário Internacional de
Enfrentamento ao Terrorismo no Brasil", o Ministro da Secretaria de
Governo, Ricardo Berzoini, afirmou que "não existem limites para a
preocupação com o terrorismo nas Olimpíadas" e defendeu que o país
"aceite a cooperação de órgãos de inteligência internacionais" para
diminuir o risco nesse sentido.
No momento em que a Câmara recebe, de volta do Senado, uma "lei
antiterrorista", cabe discutir com cautela essa questão, sob a ótica da
política exterior brasileira e da nossa relação com outras culturas e países no
atual contexto geopolítico mundial.
Tem o Brasil, alguma razão para "combater" o terrorismo, para
além da condenação moral - não apenas nas ruas de Paris, mas também de Bagdá,
Damasco, Trípoli - de ataques contra a vida e da prestação de homenagem e
solidariedade às suas vítimas?
A Rússia, nosso sócio no BRICS, foi levada a atacar o Estado Islâmico
por questões geopolíticas, e agora transformou-se em vítima, com a explosão, no
ar, de um avião carregado de seus cidadãos,
no Egito. A Síria é um país onde ela possui portos e bases militares, e
notáveis ligações históricas, no qual tenta manter seu aliado, Bashar Al Assad
no poder, defendendo-o dos terroristas do Estado Islâmico, que foram armados
pelos próprios EUA e o "ocidente" para derrubar o regime sírio, e
que, como um Frankenstein louco e sangrento, fugiu ao controle de seus criadores.
Os EUA e a França estão pagando pelo erro de tentar agir como potências
coloniais no Oriente Médio e no Norte da África, derrubando governos estáveis,
como o de Saddam Hussein e o de Muammar Khadaffi, e de se meter em assuntos
alheios.
Tem o Brasil interesses geopolíticos no Oriente Médio, região onde atua
no Comando das Forças Navais da ONU no Líbano?
Não, a não ser - assim como faz no Haiti - como cumpridor de um mandato
das Nações Unidas.
O Brasil já se meteu, alguma vez, em assuntos alheios, invadindo ou
bombardeando países no Oriente Médio ou no Norte da África?
Não, porque, pelo menos até agora, protegidos pela sábia doutrina de não
intervenção consubstanciada no texto da Constituição Federal, como macacos
velhos que somos - ou éramos, ao que está parecendo - não metemos a mão em
cumbuca, a não ser que sejamos atacados primeiro, como o fomos na Segunda
Guerra Mundial.
Quanto à segurança interna, a diferença entre terrorismo, assassinato ou
tentativa de homicídio é puramente semântica.
Para quem morre, não tem a menor diferença a motivação de quem o está
atingindo.
Já existe legislação penal, no Brasil, de proteção à vida.
O resto é “lero-lero”, para emular potências estrangeiras e se submeter
aos gringos.
Um perigosíssimo “lero-lero”, do qual toma parte a realização, em
território brasileiro, de "seminários" como esse, que nos obrigam a situarmo-nos
de um determinado lado da linha. E, também, naturalmente, a crescente
"cooperação" com forças policiais estrangeiras, que pode ser feita,
normalmente, para segurança de eventos internacionais desse tipo, sem a
conotação política, "antiterrorista", que estão tentando impingir-nos.
Uma coisa é dizer que vamos reforçar a segurança nas Olimpíadas.
Nada mais natural, considerando-se que teremos multidões reunidas em
estádios - coisa que acontece rotineiramente em grandes jogos de futebol, por
exemplo - e que estaremos recebendo visitantes estrangeiros.
Outra, muito diferente, é afirmar que estaremos tomando "medidas
antiterroristas" e adotar um discurso, e uma atitude, que nunca adotamos
antes, nesse contexto.
Mudando uma postura tradicional - compartilhada por governos de
diferentes matizes ideológicos - que não nos trouxe - muito pelo contrário -
nenhuma conseqüência negativa, até agora.
Quem fala muito acaba dando bom dia a cavalo.
De tanto se referir ao "antiterrorismo", e ficar cutucando com
essa bobagem quem está quieto, algum grupo de terroristas, pode, sim - mesmo
sem ter visto o Brasil como inimigo até este momento - vir a se sentir tentado
a testar a eficácia das medidas de "segurança" às quais estamos nos
referindo a todo instante, com relação às Olimpíadas.
E isso, principalmente, se nessas "medidas" dermos muito
espaço para equipes de segurança estrangeiras - de países considerados alvos -
para agirem em nosso território como se estivessem no deles.
Ou se adotarmos - cão que muito ladra não morde - uma atitude
"antiterrorista" que seja arrogante e ostensiva contra cidadãos de
alguns países, árabes, por exemplo, na chegada aos nossos aeroportos, ou em
nossas ruas, como já o estamos fazendo.
No mundo, há poucos países tão subservientes em sua vontade de copiar os
estrangeiros.
No Rio de Janeiro, o site da Sociedade Beneficente Muçulmana tem sido atacado por
fascistas - alimentados pelo mesmo discurso "antiterrorista" do
governo - que acusam "esquerdopatas" de estarem "trazendo o
EI" para o Brasil, ao abrir as portas para os refugiados árabes.
E, no sul do Brasil, refugiadas sírias declararam ter sido discriminadas
e agredidas, após os atentados de Paris - como se a população síria não
sofresse todos os dias dezenas de atentados semelhantes por parte de
terroristas que, como mostra o caso do Estado Islâmico, foram originalmente
armados pelos EUA e por países europeus,
para tentar derrubar o governo de
Damasco - dando início à guerra civil naquele país, e à onda de refugiados que
atingiu a Europa como um tsunami humano.
Guardadas as devidas proporções, o que o Ministro Ricardo Berzoini está
cometendo, com as suas declarações, e o
próprio governo - ao promover esse tipo de encontro - é um tiro no pé
ideológico e um tremendo atentado ao bom-senso.
Se o país está preocupado com o "terrorismo", a melhor medida
a tomar é não ficar anunciando isso para todo o mundo e a toda hora, e usar com
inteligência estratégica a legislação vigente.
O primeiro passo para se transformar em alvo do "terrorismo" e
ser vítima de um ataque terrorista é começar - sem nenhum inimigo aparente - a
se declarar contra ele - a adotar uma doutrina "antiterrorista"
e leis "antiterroristas", que, no final das contas, como demonstram os casos
dos EUA e da França, por exemplo, não servem de absolutamente nada para evitar
ataques rápidos, covardes e mortíferos, de uma meia dúzia de suicidas determinados, quando eles decidem
fazê-los.