(JB Online) - Dizem que, certa vez, querendo derrotar um adversário, um
grupo de magos e de aspirantes a magos – entre eles havia numerosos aprendizes
de feiticeiro – reuniu-se para construir uma criatura monstruosa, que pudesse
destroçar, impiedosamente, o inimigo.
- Vamos fazer uma cauda longa e forte, coberta de espinhos -
disse um deles.
- E uma boca imensa como um precipício, com duas fileiras
de dentes de tubarão, tamanho X-G – disse outro.
- E seis patas, longas como lanças e grossas como porretes,
que possam perseguir e acuar qualquer um que esteja se vestindo com as cores
deles – afirmou o terceiro.
- Cada uma com 12 garras, afiadas e curvas, como espadas de
sarracenos – reforçou mais um.
- Tudo isso unido, por este tronco aqui – sugeriu outro -
grosso como o de um rinoceronte.
- Coberto com escamas em lâminas, que cortem como cacos de
vidro – propuseram outros, que tinham acabado de chegar ao encontro.
E durante meses os magos assim procederam.
Além de detalhes físicos, inúmeros, foram acrescidos à
receita condenáveis sentimentos, que iam sendo reunidos para alimentar, na fase
final, o monstro por via intravenosa, já que ele, como um abominável frankenstein
canídeo, ressonava, roncando, no pátio do castelo, esperando o dia em que
despertaria completamente, como a Bela Adormecida.
Por isso, no caldeirão em que fervia a poção que era
injetada, como um soro fétido, no monstro, por mil agulhas espalhadas pelo
corpo, se juntaram o ódio mais virulento, as mentiras mais descaradas, o preconceito
mais arrogante, a violência mais sádica, a ignorância mais teimosa, a manipulação
mais descarada e a mais cínica hipocrisia.
Nesse afã, passaram-se dias, semanas.
Até que, meses depois, em um crepúsculo lento e friorento, os
magos se reuniram nas arquibancadas do pátio do castelo, para acordar,
finalmente, a estranha criatura.
Para isso, um mago anão, equilibrista, subindo ousadamente
sobre o rabo do monstro, percorreu lenta e solenemente o seu tronco, e, escalando
sua cabeça, aproximou-se do focinho repugnante e disforme, para soprar, precedido
pelo som de trombetas, em suas ventas, com um canudo feito de despachos
judiciais, manchetes de jornal e capas de revista, o vapor azulado da existência.
Passaram-se então alguns segundos, de ansiedade e
expectativa, em que se poderia ouvir o zumbido de um inseto.
E no instante em que o monstro se levantou, resfolegando como
o cão dos infernos, foi como se a terra tivesse, súbita e violentamente, estremecido.
A massa da gigantesca criatura balançou-se, de um lado para o
outro, como uma montanha, atirando, sobre uma arquibancada mais alta, o
anão-mago que havia lhe soprado a vida.
E quando, abrindo os olhos em chamas, ele escancarou a espantosa
bocarra, mostrando a garganta escura e profunda como um poço, emoldurada pelas
longas fileiras de dentes, de onde explodiu, como uma bomba, o poderoso trovão de
seu rugido, fazendo com que todo mundo saísse correndo, desabaladamente, ainda
ouviu-se, desesperado e agudo, um grito lancinante:
- Ih! Ih! Corre, macacada, corre!
A gente se esqueceu de colocar a coleira!
Se tivessem acesso a um pequeno livro de contos morávios da
segunda metade do medievo, que comprei em um velho sebo em Praga, que me
inspirou o início deste texto, certamente o PSDB e o próprio PMDB
teriam pensado duas vezes antes de agir como os magos e os seus aprendizes, e optar,
uns de forma planejada, outros de maneira crescente e intuitiva, por incentivar
e cevar, com a velha, surrada, manipulada
bandeira do combate à corrupção de sempre, o monstro da antipolítica, e por
abandonar o calendário eleitoral normal para embarcar em um jogo suicida de encarniçado
perde-perde do qual, como se pode ver
também pelas últimas pesquisas, todos, ou quase todos, sairão exangues, feridos
e derrotados, e em situação muito pior do que a que estavam antes.
Nos últimos anos, e principalmente nos últimos meses, da Copa
do Mundo para cá, muita gente insistiu em empurrar, radical, emotivamente, a
população e a opinião pública contra o governo Dilma, como se disso dependesse a
salvação do país.
E o que se conseguiu foi criar uma grande massa de brasileiros que nutre o mais profundo
desprezo pela política, pelo Congresso, pelos partidos, pelo Supremo Tribunal
Federal e pelo Poder Executivo, e que não tem – e não quer ter - a menor ideia de
como funciona um regime democrático ou o presidencialismo de coalizão, e uma plutocracia que coloca, com o mesmo discurso, a sua própria sede de poder na frente dos interesses econômicos - e estratégicos - nacionais.
Uma turba que, da defesa da tortura, da ditadura, do assassinato de adversários políticos, ao anseio de
uma democracia direta feita na base da porrada e do porrete, exercida pela
força, a pressão e a violência, exibe os mais esdrúxulos devaneios e delírios, tendo
como únicos pontos de união um anticomunismo
tosco e anacrônico, o ódio ao estado, o desprezo pelo Brasil e por suas conquistas e preconceitos de todo tipo e que só aceita –
até agora – a liderança de dois personagens desequilibrados pelo ego e pela
ambição, que representam, a médio prazo, um imponderável, incalculável,
extremado risco para a sobrevivência da democracia e das instituições.
O PT, de sua parte, embora não possa ser incluído no “círculo
mágico” a que nos referimos, fez, paradoxal e infelizmente, quase todo o possível para o
crescimento dessa receita.
Alimentou, ao longo de anos, com bilhões de reais, uma mídia parcial, seletiva,
inimiga, quando, até mesmo usando o sábio pretexto da austeridade, poderia ter
evitado fazê-lo, suspendendo, ou limitando à publicidade legal obrigatória,
toda a propaganda paga do governo.
Abandonou, sem nenhuma estratégia que pudesse impedi-lo, os
espaços aparentemente “neutros” e de maior “audiência” da internet para a
direita, e, depois, para a extrema direita, permitindo que, sem nenhuma reação
em contrário, eles se tornassem o principal caldo de fermento de uma malta ignorante, violenta, hipócrita, manipulada e burra, parte dela oriunda
de um público que as próprias políticas sociais do Partido dos Trabalhadores havia levado a ter acesso, por meio da inclusão digital, a computadores,
tablets, celulares e conexões de rede.
Não estruturou um discurso claro, baseado em dados simples,
em nada cabalísticos, do PIB, dívida pública, carga tributária, que pudesse desmentir
teses estapafúrdias como a de que quebrou o Brasil nos últimos 13 anos, ou de
que sucateou as Forças Armadas, quando lançou o maior programa de rearmamento da área de defesa dos últimos 500 anos.
Alguns de seus dirigentes se entregaram à aceitação de
pequenos, perigosos e absolutamente desnecessários “favores” - não ilegais, mas
moral e politicamente discutíveis - e outros personagens se entregaram a
operações de “consultoria”, prestadas não apenas a empresas brasileiras – coisa
totalmente compreensível, no apoio por exemplo, à exportação de serviços e
equipamentos nacionais – mas também a companhias multinacionais, algumas delas
- não necessariamente por influência do PT, mas em seus governos - beneficiadas, nos últimos anos,
por “perdão” de impostos e empréstimos bilionários, lembrando, nessa
aproximação, o que ocorria nos governos neoliberais e entreguistas anteriores.
O caminho para o cadafalso foi percorrido, inexoravelmente, até agora, com a resignação e a inação de quem achava que algum milagre sempre ia ocorrer na etapa seguinte, à volta da esquina, quando o golpe em andamento só faltou ser anunciado em luzes de neon, por fatos como o deslocamento - para o qual chamamos a atenção à época - para Brasília, da mesma embaixadora norte-americana que estava lotada em Assunção no processo de derrubada jurídico-político- midiática do Presidente Fernando Lugo.
A oposição tem perdido apoio e intenção de votos com o discurso geral de judicialização e criminalização da política, na mesma
proporção em que seus membros são acusados de corrupção, quase que exatamente
com os mesmos pretextos, jogadas e subterfúgios – principalmente a
transformação de doações legais em ilegais e delações premiadas negociadas em
troca da liberdade mesmo que provisória de detidos - que antes se utilizavam apenas
contra membros do PT e da coalizão governista.
O Congresso também perdeu como um todo, institucionalmente, bastando
para isso ver a quantidade de membros do legislativo processados pela justiça - incluídos os presidentes da Câmara e do Senado - ou apenas no âmbito da Operação Lava-Jato, como é o caso, por exemplo, da composição
da própria Comissão que aprovou, em primeira votação, por maioria simples, o impedimento
da Presidente da República.
A Operação Lava-Jato, insuflada pela oposição no início, e
pela mídia conservadora durante todo o tempo, e o esporte nacional de acuar e
inviabilizar o governo, aprofundaram o efeito da crise econômica internacional,
arrebentando com a governabilidade e com a economia e quebrando milhares de
brasileiros, que, até mesmo por isso, estão se afastando também da política
tradicional, “seduzidos”, como sempre, por novos e velhos paraquedistas que dizem
que não são “políticos”.
Quanto ao PMDB, se nem os magos e seus aprendizes conseguiram
se aproximar da criatura que geraram – por hora disposta a ganhar afagos e
festas de apenas duas pessoas, o Juiz Sérgio Moro e o Capitão Jair Bolsonaro,
que se aproximam, perigosamente de 16% dos votos;
Se a malta fascista que está nas ruas, criada com o leite
amargo do ódio e o pão de ló da criminalização e desconstrução da política que
a oposição e a imprensa amassaram com o rabo, não aceita sequer a presença do
PSDB partidário em suas manifestações, das quais já expulsou Aécio e Alckmin, nem
a do Presidente da FIESP – que foi cantar o hino nacional e por pouco não saiu
tosquiado, ou melhor, pagando o pato;
E nem mesmo a do “líder” dos Revoltados
Online, que apesar de travestido de fascista, foi acusado de comunista e de
“estar a soldo do senador Aécio Neves” porque tentou fazer um alerta à turba de
“homens de bem” e teve que sair sob proteção policial da Avenida Paulista;
De onde o PMDB “recém-dissidente” tirou a ideia, ou melhor – aos
gritos de “Fora PT” no Congresso - a ilusão, de que seria tratado de forma
diferente após a traição contra o PT por aqueles que se convencionou chamar de “coxinhas”, ou pelo Judiciário, ou pela “imprensa”, depois de ficar mais de uma década apoiando e
participando da coalizão governista?
Será que esse partido não sabe que dificilmente o
Vice-Presidente Michel Temer deixará de ser a bola da vez em uma longa fila de
impeachments?
Bom ou mau, o PT tinha um acordo com o PMDB em busca de uma possível, às vezes frágil, quase sempre sabotada, governabilidade.
A imprensa, o Judiciário, os "mercados" não tem nenhum.
Ainda esta semana, em entrevista ao jornal Valor Econômico, o empresário Francisco Deusmar, dono da rede de farmácias Pague Menos, com 830 lojas no país, disse que, em caso de impeachment, seria melhor que o Vice-Presidente da República não assumisse."Tem que ser como no futebol - afirmou - o time está perdendo? Muda a Comissão Técnica toda.
E o ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola, lembrou que não dá para saber que tipo de apoio teria um eventual governo Michel Temer.
Perguntamos, se haverá eleições municipais daqui a seis meses, para que quebrar as
regras do jogo?
Para que romper a aliança – mesmo que frágil – de uma
coalizão já existente, para tentar, sem nenhuma garantia de êxito, se aliar
subalternamente a todo tipo de adversários, que não têm por você
a menor simpatia ou respeito?
O que é melhor, atravessar o rio em conjunto com o grupo com
que, ao menos aparentemente, se estava
enfrentando, até mesmo por imposição do campo adversário, as mesmas vicissitudes
e desafios?
Ou substituir regras democráticas previsíveis, periódicas, pelo
imponderável “pega pra capar” de uma destrutiva briga de foice no escuro – e ser
usado como boi de piranha para tirar as castanhas do fogo para sabe se lá quem
chegar ao poder, pisando por cima do seu pescoço?
Os ministros do PMDB que permaneceram no governo recusaram-se
a queimar suas naves, como Agathocles nas praias de Cartago.
Ao romper com Dilma, por sua vez, outro lado do PMDB
lançou-se à travessia – que promete ser longa e não isenta de desafios - de uma
espécie de Rubicão golpista caboclo.
E um terceiro grupo, nacionalista e legalista, tende a manter-se
– provavelmente em defesa de suas respectivas biografias – por convicção, contra
o impeachment, como Roberto Requião e Kátia Abreu, por exemplo.
Esquecendo-se das conveniências de curto prazo, que nem
sempre são boas conselheiras.
Em Política e na História, por maiores sejam a
pressa e as dúvidas eventuais, no lugar de ficar com o caminho fácil do senso comum é sempre
melhor ficar com o bom senso.
Ou corre-se o risco de morrer como o escorpião que picou a
rã – que lhe dava carona - no meio do rio.
O futuro dirá se foi por estratégia, por “natureza” (como fez
o artrópode da fábula) ou por estultice mesmo.